quinta-feira, 23 de março de 2017

Os laços de família são fortalecidos pela reencarnação e rompidos pela unicidade de existência[1]

 


Os laços de família não são destruídos pela reencarnação, como pensam certas pessoas.
Pelo contrário, são fortalecidos e reapertados. O princípio oposto é que os destrói. Os Espíritos formam, no espaço, grupos ou famílias, unidos pela afeição, pela simpatia e a semelhança de inclinações. Esses Espíritos, felizes de estarem juntos, procuram-se. A encarnação só os separa momentaneamente, pois que, uma vez retornado à erraticidade, eles se reencontram, como amigos na volta de uma viagem. Muitas vezes eles seguem juntos na encarnação, reunindo-se numa mesma família ou num mesmo círculo, e trabalham juntos para o seu progresso comum. Se uns estão encarnados e outros não, continuarão unidos pelo pensamento. Os que estão livres velam pelos que estão cativos, os mais adiantados procurando fazer progredir os retardatários. Após cada existência, terão dado mais um passo na senda da perfeição.
Cada vez menos apegados à matéria, seu afeto é mais vivo, por isso mesmo que mais purificado, não perturbado pelo egoísmo nem obscurecido pelas paixões. Assim, eles podem percorrer um número ilimitado de existências corporais, sem que nenhum acidente perturbe sua afeição comum.
Entenda-se bem que se trata aqui da verdadeira afeição espiritual, de alma para alma, a única que sobrevive à destruição do corpo, pois os seres que se unem na Terra apenas pelos sentidos, não têm nenhum motivo para se preocuparem no mundo dos Espíritos. Só são duráveis as afeições espirituais. As afeições carnais extinguem-se com a causa que as provocou; ora, essa causa deixa de existir no mundo dos Espíritos, enquanto a alma sempre existe. Quanto às pessoas que se unem somente por interesse, nada são realmente uma para a outra: a morte as separa na terra e no céu.
A união e a afeição entre parentes indicam a simpatia anterior que as aproximou. Por isso, diz-se de uma pessoa cujo caráter, cujos gostos e inclinações nada têm de comum com os dos parentes, que ela não pertence à família. Dizendo isso, enuncia-se uma verdade maior do que a que se pensa. Deus permite essas encarnações de Espíritos antipáticos ou estranhos nas famílias, com a dupla finalidade de servirem de provas para uns e de meio de progresso para outros. Os maus se melhoram pouco a pouco, ao contato dos bons pelas atenções que deles recebem, seu caráter se abranda, seus costumes se depuram, as antipatias desaparecem.
É assim que se produz a fusão das diversas categorias de Espíritos, como se faz na Terra entre as raças e os povos.
O medo do aumento indefinido da parentela, em consequência da reencarnação, é um medo egoísta, provando que não se possui uma capacidade de amor suficientemente ampla, para abranger um grande número de pessoas. Um pai que tem numerosos filhos, por acaso os amaria menos do que se tivesse apenas um? Mas que os egoístas se tranquilizem, pois esse medo não tem fundamento. Do fato de ter um homem dez encarnações, não se segue que tenha de encontrar no mundo dos Espíritos dez pais, dez mães, dez esposas e um número proporcional de filhos e de novos parentes. Ele sempre encontrará os mesmos que foram objetos de sua afeição, que lhe estiveram ligados na Terra por diversas maneiras, e talvez pelas mesmas maneiras.
Vejamos agora as consequências da doutrina anti-reencanacionista. Essa doutrina exclui necessariamente a preexistência á alma, e as almas sendo criadas ao mesmo tempo em que os corpos, não existe entre elas nenhuma ligação anterior. São, pois, completamente estranhas umas às outras. O pai é estranho para o filho, e a união das famílias fica assim reduzida unicamente à filiação corporal, sem nenhuma ligação espiritual. Não haverá, portanto, nenhum motivo à vanglória por se ter entre os antepassados alguns personagens ilustres.
Com a reencarnação, antepassados e descendentes podem ser conhecidos, ter vivido juntos, podem se ter amado, e mais tarde se reunirem de novo para estreitar os seus laços de simpatia.
Isso no tocante ao passado. Quanto ao futuro, segundo os dogmas fundamentais que decorrem do princípio anti-reencarnacionista, a sorte das almas está irrevogavelmente fixada após uma única existência. Essa fixação definitiva da sorte implica a negação de todo o progresso, pois se há algum progresso, não pode haver fixação definitiva da sorte. Segundo tenham elas bem ou mal vivido, vão imediatamente para a morada dos bem-aventurados ou para o inferno eterno. Ficam assim imediatamente separadas para sempre, sem esperanças de jamais se reunirem, de tal maneira que pais, mães, filhos, maridos e esposas, irmãos e amigos, não têm nunca a certeza de se reverem: é a mais absoluta ruptura dos laços de família.
Com a reencarnação, e o progresso que lhe é consequente todos os que se amam se encontram na Terra e no espaço, e junto gravitam para Deus. Se há os que fracassam no caminho, retardam o seu adiantamento e a sua felicidade. Mas nem por isso as esperanças estão perdidas. Ajudados, encorajados e amparados pelos que os amam, sairão um dia do atoleiro em que caíram. Com a reencarnação, enfim, há perpétua solidariedade entre os encarnados e os desencarnados, do que resulta o estreitamento dos laços de afeição.
Em resumo, quatro alternativas se apresentam ao homem, para o seu futuro de além-túmulo:
·         o nada, segundo a doutrina materialista;
·         a absorção no todo universal, segundo a doutrina panteísta;
·         a conservação da individualidade, com fixação definitiva da sorte, segundo a doutrina da igreja;
·         a conservação da individualidade, com o progresso infinito, segundo a doutrina espírita.
De acordo com as duas primeiras, os laços de família são rompidos pela morte, e não há nenhuma esperança de se reencontrarem; com a terceira, há possibilidade de se reverem, contanto que estejam no mesmo meio, podendo esse meio ser o inferno ou o paraíso; com a pluralidade das existências, que é inseparável do progresso gradual, existe a certeza da continuidade das relações entre os que se amam, e é isso o que constitui a verdadeira família.


[1] Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo IV – Ninguém pode Ver o Reino de Deus se Não Nascer de Novo. Allan Kardec

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