Allan Kardec
Quando apareceram os primeiros
fenômenos espíritas, algumas pessoas pensaram que essa descoberta – se podemos
aplicar-lhe esse nome – ia desfechar um golpe fatal no Magnetismo e que com ele
ocorreria o mesmo que aconteceu com as demais invenções: a mais aperfeiçoada
faz esquecer a precedente.
Tal erro não tardou em
dissipar-se e prontamente se reconheceu o parentesco dessas duas ciências.
Ambas, com efeito, baseadas sobre a existência e a manifestação da alma, longe
de se combaterem, podem e devem prestar-se um mútuo apoio: completam-se e se
explicam uma pela outra. Seus respectivos adeptos, entretanto, diferem sobre
alguns pontos: certos magnetistas não admitem ainda a existência ou, pelo
menos, a manifestação dos Espíritos; acreditam poder tudo explicar tão-só pela
ação do fluido magnético, opinião que nos limitamos a constatar, reservando-nos
discuti-la mais tarde.
Nós mesmos a partilhávamos, no
início; mas, como tantos outros, tivemos que nos render à evidência dos fatos.
Os adeptos do Espiritismo, ao contrário, são todos partidários do Magnetismo;
admitem sua ação e nos fenômenos sonambúlicos reconhecem uma manifestação da
alma. Essa oposição, aliás, se enfraquece a cada dia, e é fácil prever que não
está longe o tempo em que toda distinção terá cessado.
Essa divergência de opinião nada
tem que deva surpreender.
Nos primórdios de uma ciência
ainda tão nova é muito natural que cada um, encarando as coisas do seu ponto de
vista, haja formado uma ideia diferente. As ciências mais positivas tiveram
sempre, e têm ainda suas seitas, sustentando com ardor teorias contrárias; os sábios
ergueram escolas contra escolas, bandeira contra bandeira e, muito frequentemente
para sua dignidade, sua polêmica, tornada irritante e agressiva pelo
amor-próprio ferido, saiu dos limites de uma sábia discussão.
Esperamos que os partidários do Magnetismo
e do Espiritismo, mais bem inspirados, não deem ao mundo o escândalo de
discussões tão pouco edificantes e sempre fatais à propagação da verdade, seja
qual for o lado em que ela esteja.
Podemos ter nossa opinião,
sustentá-la, discuti-la; mas o meio de nos esclarecermos não é nos
estraçalhando, procedimento sempre pouco digno de homens sérios e que se torna
ignóbil se o interesse pessoal está em jogo.
O Magnetismo preparou o caminho
do Espiritismo, e o rápido progresso desta última doutrina se deve,
incontestavelmente, à vulgarização das ideias sobre a primeira. Dos fenômenos magnéticos,
do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas não há mais que um
passo; tal é sua conexão que, por assim dizer, torna-se impossível falar de um
sem falar do outro. Se tivéssemos que ficar fora da ciência magnética, nosso
quadro seria incompleto e poderíamos ser comparados a um professor de física
que se abstivesse de falar da luz. Todavia, como entre nós o Magnetismo já
possui órgãos especiais justamente acreditados, seria supérfluo insistirmos
sobre um assunto que é tratado com tanta superioridade de talento e de
experiência; a ele, pois, não nos referiremos senão acessoriamente, mas de
maneira suficiente para mostrar as relações íntimas entre essas duas ciências
que, a bem da verdade, não passam de uma.
Devíamos aos nossos leitores
essa profissão de fé, que terminamos prestando uma justa homenagem aos homens
de convicção que, afrontando o ridículo, os sarcasmos e os dissabores devotaram-se
corajosamente à defesa de uma causa toda humanitária. Qualquer que seja a
opinião dos contemporâneos sobre o seu proveito pessoal, opinião que de uma
forma ou de outra é sempre o reflexo das paixões vivazes, a posteridade
far-lhes-á justiça; ela colocará os nomes do barão Du Potet, diretor do “Journal
du Magnétisme”, do Sr. Millet, diretor da “Union Magnétique”, ao lado de seus
ilustres predecessores, o marquês de Puységur e o sábio Deleuze.
Graças aos seus perseverantes
esforços o magnetismo, popularizado, fincou o pé na ciência oficial, onde dele
já se fala aos cochichos.
Esse vocábulo já passou à língua
comum; já não afugenta mais e, quando alguém se diz magnetizador, não lhe riem
mais no rosto.
[1] Revista Espírita – Março/1858
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