quinta-feira, 16 de março de 2017

PARÁBOLA DO CREDOR INCOMPASSIVO[1]

 

Então Pedro, aproximando-se de Jesus lhe perguntou: Senhor, quantas vezes pecará meu irmão contra mim, que lhe hei de perdoar? Será até sete vezes?

Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes.

Por isso o Reino dos Céus é semelhante a um rei, que resolveu ajustar contas com os seus servos. E tendo começado a ajustá-las, trouxeram um que lhe devia dez mil talentos. Não  tendo, porém, o servo com que pagar, ordenou o seu Senhor que fossem vendidos ele, sua mulher, seus filhos e tudo quanto possuía, e que se pagasse à dívida. O servo, pois, prostrando-se, o reverenciava dizendo: Tem paciência comigo, que te pagarei tudo! E o Senhor teve compaixão daquele servo, deixou-o ir e perdoou-lhe a dívida. Tendo saído, porém, aquele servo, encontrou um de seus companheiros, que lhe devia cem denários; e, segurando-o, o sufocava, dizendo-lhe: Paga o que me deves! E este, caindo-lhe aos pés, implorava: Tem paciência comigo, que te pagarei! Ele, porém, não o atendeu; mas foi-se embora e mandou conservá-lo preso, até que pagasse a dívida.

Vendo, pois, os seus companheiros o que se tinha passado, ficaram muitíssimo tristes, e foram contar ao Senhor tudo o que havia acontecido.

Então, o Senhor chamando-o, disse-lhe: Servo malvado, eu te perdoei toda aquela dívida, porque me pediste; não devias tu também ter compaixão do teu companheiro, como eu tive de ti? E irou-se o seu Senhor e o entregou aos verdugos, até que pagasse tudo o que lhe devia.

Assim também meu Pai Celestial vos fará, se cada um de vós do íntimo do coração não perdoar a seu irmão.

(Mateus, XVIII : 21 – 35.)

 
No capítulo VI, do Sermão do Monte, segundo Mateus, versículos 5 a 15, ensinou Jesus a seus discípulos e à multidão que se apinhava para ouvir os seus ensinos, a maneira como se deveria orar; e aproveitou o ensejo para resumir num excelente e substancioso colóquio com Deus, a súplica que ao Poderoso Senhor devemos dirigir cotidianamente.

O Mestre renegava as longas e intermináveis rezas que os escribas e fariseus do seu tempo proferiam, de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Observou a seus ouvintes que tal não fizessem, mas que, fechada a porta do seu quarto, dirigissem, em secreto, a súplica ao Senhor.

A fórmula de oração que lhes deu encerra, ao mesmo tempo, pedidos e compromissos que teriam de assumir os suplicantes, e dos quais se destaca o que constitui objeto dos ensinos que se acham contidos na Parábola do Credor Incompassivo: Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores.

Do cumprimento ou não desta obrigação, depende o deferimento ou indeferimento do nosso requerimento. Além disso, nesse dever se resume toda a confissão, comunhão, extrema-unção etc..

Aquele que confessar, comungar, receber a unção, mas não perdoar os seus devedores, não será perdoado; ao passo que, o que perdoar será imediatamente perdoado, independentemente das demais praxes recomendadas pela Igreja de Roma, ou quaisquer outras Igrejas, como meio de salvação.

Acontece ainda que o perdão, conforme o Cristo ensinou a Pedro, deve ser perpétuo, e não concedido uma, duas, ou sete vezes.

Daí vem a Parábola explicativa da concessão que devemos fazer ao nosso próximo, para podermos receber de Deus o troco na mesma moeda.

Vemos que o primeiro servo a chegar foi justamente o que mais devia: 10.000 talentos! Soma fabulosa naquele tempo, para um trabalhador, não só naquele tempo como também hoje, pois valendo cada talento Cr$ 1.890,00 em moeda brasileira, 10.000 atingia a respeitável soma de Cr$ 18.900.000,00 (dezoito milhões e novecentos mil cruzeiros.) Se algum servo, que só tivesse mulher, filhos e alguns haveres ficasse devendo essa importância para o Vaticano, depois de entregue ao braço forte seria irremissivelmente condenado às penas eternas do Inferno!

Jesus escolheu mesmo essa quantia avultada para melhor impressionar seus ouvintes sobre a bondade de Deus e a natureza da doutrina que em nome do Senhor estava transmitindo a todos.

Nenhum outro devedor foi lembrado na Parábola, porque só o primeiro era bastante para que se completasse toda a lição.

Pois bem, esse devedor, vendo-se ameaçado de ser vendido com ele sua mulher e seus filhos, sem eximir-se do pagamento, pediu moratória, valendo-se da benevolência do rei; este, cheio de compaixão, perdoou-lhe a dívida, isto, suspendeu as ordens que havia dado para que tudo quanto possuía, mulher, filhos e o mesmo servo, fosse vendido para pagamento, visto como ele se propunha a pagar com prazo.

Mas, continua a parábola, aquele devedor, que havia recebido o perdão, logo ao sair encontrou um de seus companheiros que lhe devia cem denários, ou seja Cr$ 31,50 da nossa moeda, verdadeira bagatela que para ele, homem devedor de aproximadamente 19 milhões de cruzeiros, por certo nada representava; e exigiu do devedor, violentamente, o seu dinheiro!

Ao desdobrar-se àquela cena, os seus companheiros que haviam presenciado tudo o que se passara, indignaram-se e foram contar ao rei o acontecido.

Dai a nova resolução do Senhor: entregou o servo malvado aos verdugos, a fim de que o fizessem trabalhar à força, até que lhe pagasse tudo o que lhe devia. Esta última condição é também interessante: paga a dívida, recebe o devedor a quitação; o que quer dizer: sublata causa, tolitur effectus[2].

A dívida deve forçosamente constar de um certo número de algarismos; subtraídos estes por outros tantos semelhantes, o resultado há de ser zero.

Quem deve 2 e paga 2, nada fica devendo; quem deve dezoito milhões e novecentos mil cruzeiros e paga dezoito milhões e novecentos mil cruzeiros, não pode continuar a ficar pagando dívida. Isto é mais claro que água cristalina.

Termina Jesus a Parábola afirmando: Assim também meu Pai Celestial vos fará, se cada um de vós do íntimo do coração não perdoar a seu irmão.

Sem dúvida, é tão difícil a um pecador pagar dezoito milhões e novecentos mil pecados, como a um trabalhador pagar dezoito milhões e novecentos mil cruzeiros. Mas, tanto um como o outro têm a Eternidade diante de si; o que não se pode fazer numa existência, far-se-á em duas, vinte, cinquenta, far-se-á na outra Vida, em que o Espírito não está inativo.

Tudo isso está de acordo com a bondade de Deus, aliada à sua justiça; o que não pode ser é o indivíduo pagar eternamente e continuar a pagar, depois de já ter pago.

A lei do perdão é inflexível, reina no Céu tal como a prescreveu na Terra o Mestre Nazareno, cujo Espírito, alheio aos princípios sacerdotais, aos dogmas e mistérios das Igrejas, deve ser ouvido, respeitado, amado e servido.



[1] Parábolas e Ensinos de Jesus - Cairbar Schutel
[2] locução latina que significa suprimida a causa, cessa o efeito.

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