Espirito Ermance Dufaux[2]
“Reconhece-se o
verdadeiro espírita pela sua transformação moral”
O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVII, Item 4
A reforma íntima é um trabalho
processual.
Processual significa aquilo que
obedece a uma sequência. Em conceito bem claro, é a habilidade de lidar com as
características da personalidade melhorando os traços que compõem suas formas
de manifestação. Caráter, temperamento, valores, vícios, hábitos e desejos são
alguns desses caracteres que podem ser renovados ou aprimorados.
Nessa saga de mutação e
crescimento, o maior obstáculo a transpor é o interesse pessoal, o conjunto de
viciações do ego repetido durante variadas existências corporais e que
cristalizaram a mente nos domínio do personalismo.
O hábito de atender
incondicionalmente as imposições dos desejos e aspirações pessoais levou-nos a
cruel escravização, da qual muito será exigido nos esforços reeducativos para nos
libertamos do “império do eu”.
Negar a si mesmo ou
“despersonificar-se”, esvaziar-se de “si”, tirar a máscara é o objetivo maior
da renovação espiritual. Esse o grande desafio a seguido por todos os que se
comprometeram com seriedade nas nobres finalidades do Espiritismo com Jesus e
Kardec.
Extenso será esse caminho
reeducativo na vitória sobre nossa personalidade manhosa e talhada pelo
egoísmo... O meio prático e eficaz de consegui-lo, conforme ensinam os bons
Espíritos da Codificação, é o conhecimento de si mesmo. (O Livro dos Espíritos – Questão 919)
Entretanto, para levar o homem
ao aprimoramento, o autodescobrimento exige uma nova ética nas relações consigo
e com a vida: é a ética da transformação, sem a qual a incursão no mundo íntimo
pode estacionar em mera atitude de devassar a subconsciência sem propósitos de
mudança para melhor. O Espiritismo é inesgotável manancial no alcance desse
objetivo. Seu conteúdo moral é autêntico celeiro de rotas para quantos desejam
assumir o compromisso de sua transformação pessoal com segurança e equilíbrio.
Sem psicologismo ou atitudes de superfície, a Doutrina Espírita é um tratado de
crescimento integral que esquadrinha os vários níveis existenciais do ser na
ótica imortalista.
Nem sempre, porém, verifica-se
tanta clareza de raciocínios entre os espíritas acerca dessa questão. Conceitos
mal formulados sobre o que seja a renovação interior têm levado muitos corações
sinceros a algumas atitudes de puritanismo e moralismo, que não correspondem ao
lídimo transformador da personalidade, em direção aos valores capazes de
solidificar a paz, a saúde e a liberdade na vida das criaturas. Por esse
motivo, será imperioso que as agremiações do mundo, erguidas em nome do
Espiritismo ou aquelas outras que expandam a luz da espiritualização entre os
homens, investiguem melhores noções sobre a ética da transformação, a fim de
oferecer a seu profitentes uma base mais cristalina sobre os caminhos e
percalços no serviço da iluminação de si mesmo.
A prática especial e meta
fundamental dos ensinos dos bons Espíritos são a melhora da humanidade, a
formação do homem de bem. O Espiritismo, em verdade, está nos elos que criamos,
uns com os outros, e que passam a fazer parte da personalidade nova que estamos
esculpindo com o buril da educação. Os “ritos” ou práticas doutrinárias são
recursos didáticos para o aprendizado do amor – finalidade maior de nossa
causa. Na falta do amor, as práticas perdem seu sentido divino e primordial.
Em face dessas reflexões,
evidencias-se a urgência da edificação de laços de afetos nos grupamentos
humanos, no intuito de fixarmos na intimidade as mensagens do Evangelho e do
bem universal. Afeto é a seiva vitalizadora dos processos relacionais e o
construtor de sentidos nobres para a existência dos homens.
O autoconhecimento, através das
luzes de imortalidade que se espera dos fundamentos espíritas, é um mapa de
como chegar ao “eu verdadeiro”, a consciência. Todavia, essa viagem não pode
ser feita somente com o mapa, necessita de suprimentos morais preventivos e
fortalecedores, necessita de uma ética de paz consigo próprio.
Somente se conhecer não basta, é
necessário um intenso labor de autoaceitação para não sairmos nas garras de
perigosas ameaças nessa “viagem de retorno a Deus”, cujas mais conhecidas são a
culpa, a autopunição e a baixa autoestima, as quais estabelecem o clima
psicológico do martírio. É preciso uma ética que assegure a transformação
pessoal um resultado libertador de saúde e harmonia interior. Tomar posse da
verdade sobre si mesmo é um ato muito doloroso para a maioria das criaturas.
À guisa de sugestões maleáveis,
consideremos alguns comportamentos que serão efetivos roteiros de combate,
vigília e treinamento para instauração das linhas éticas no processo
autotransformador:
Postura de aprendiz – jamais perder o vistoso interesse em buscar o
novo, o desconhecido. Sempre há algo para aprender e conceitos a reciclar. A
postura de aprendiz se traduz no ato da curiosidade incessante, que brota da
alma como sendo a sede de entender o Universo e nossa parte “dança dos ritmos
cósmicos”. Romper os preconceitos e fugir do estado doentio da
autossuficiência.
Observação de si mesmo – é o estudo atento de nosso mundo
subjetivo, o conhecimento das nossas emoções, o não julgamento e a
autoavaliação constante. Tendemos a avaliar o próximo e esquecer o serviço que
nos compete, no entanto, relembremos que perante a imortalidade só
responderemos por nós, no que tange ao serviço de edificação dos princípios do
bem na intimidade.
Renúncia – a mudança íntima exige uma seletividade social dos
ambientes e costumes, em razão dos estímulos que produzem reflexos no mundo
mental. No entanto, a renúncia deve ampliar-se também ao terreno das opiniões
pessoais e valores institucionais para os quais, frequentemente, o orgulho nos
ilude.
Aceitação da sombra – sem aceitação da nossa realidade presente,
poderemos instaurar um regime de cobranças injustas e intermináveis conosco e
posteriormente como os outros. A mudança para a melhor não implica em destruir
o que fomos, mas dar nova direção e maior aproveitamento a tudo que
conquistamos, inclusive nossos erros.
Autoperdão – a aceitação, para ser plena, precisa do perdão.
Recomeço é a palavra de ordem nos serviços de transformação pessoal. Sem ela o
sofrimento e a flagelação poderão estipular provas dolorosas para a alma. É uma
postura de perdão às faltas que cometemos, mas que gostaríamos de não cometer
mais.
Cumplicidade com a decisão de crescer – o objetivo da renovação
espiritual é gradativo e exige devoção. Não é serviço para fim de semana
durante a nossa presença às tarefas do bem, mas serviço continuado a cada
instante da nossa vida, onde estivermos. Somente assumindo com muita seriedade
esse desafio o levaremos avante. Imprescindível a atitude de comprometimento
com a meta de crescimento que assumimos. Somos egressos de experiências
frustradas no desafio do aperfeiçoamento pessoal, portanto, muito facilmente
somos atraídos para ilusões variadas. Somente com muita severidade e muita
disciplina construiremos o homem novo e almejado.
Vigilância – é a atitude de cuidar da vida mental. Cultivar o
hábito de higiene dos pensamentos, da meditação no conhecimento de si, da
absorção de nutrição mental digna nas boas leituras, conversas, diversões e
ações sociais. Vigilância é a postura da mente alerta, ativa, sempre voltada a
ideais enriquecedores.
Oração – é a terapia da mente. Sem oração dificilmente recolheremos
os germens divinos do bem que constituem as correntes de energia superior da
vida. Através dela, igualmente, despertamos na intimidade forças nobres que se
encontram adormecidas ou sufocadas pelos nossos descuidos de cada dia.
Tolerância – toda evolução é concretizada na tolerância. Deus é
tolerância. Há tempo para tudo e tudo tem seu momento. Os objetivos da melhoria
requerem essa complacência conosco para que haja mais resultados satisfatórios.
Complacência não significa conivência ou conformismo, mas caridade com nossos
esforços.
Amor incondicional – aprender o autoamor é o maior desafio de quem
assume o compromisso da reforma íntima, porque a tendência humana é desgostar
de sua história de evolução, quem toma consciência do ponto em que se encontra
ante os estatutos universais da lei divina. Sem autoamor a reforma íntima
reduz-se a “tortura íntima”. Aprender a gostar de si mesmo, independente do que
fizemos no passado e do que queremos ser no futuro, é estima a si próprio, o
estado interior de júbilo com nosso retorno lento, porém gradativo, para uma
identificação plena com o pai.
Socialização – seu interesse pessoal é o grande adversário de nosso
progresso, então a ação em grupos de educação espiritual será excelente
meditação contra o personalismo e a vaidade. Destaquemos assim o valor das
tarefas doutrinárias regadas de afetividade e siso moral. São treinamentos na
aquisição de novos impulsos.
Caridade – se socializar pode imprimir novos impulsos e reflexões
no terreno da vida mental, a caridade é o “dínamo de sentimentos nobres” que
secundaram o processo socializador, levando-o ao nível de abençoada escola do
afeto e revitalização dos ensinamentos espíritas.
* * *
Conviveremos bem com os outros
na proporção em que estivermos bem conosco mesmo. A adoção de uma ética de paz,
no transcorrer da metamorfose de nós próprios, será medida salutar no alcance
das metas que almejamos, ao tempo em que constituirá garantia de bem-estar e
motivação para a continuidade do processo.
O exercício de negar a si mesmo
não inclui o descuido ou o descrédito pessoal, confundindo a sombra que
precisamos reciclar com necessidades pessoais que não devemos desprezar, para o
bem-estar e equilíbrio. Cuidemos apenas de atrelar essas necessidades de
conformidade com os novos rumos que escolhemos.
Fazemos essa menção porque
muitos corações queridos do ideal supõe que reformar é negar ou mesmo castigar
a si, quando o objetivo do projeto de mudança espiritual é tornar o homem mais
feliz é integrado a sua divina tarefa perante a vida.
Nos celeiros de luz dos
repositórios do Evangelho, verificamos um exemplo de rara beleza e oportunidade
que servirá como diretriz segura para a “despersonificação” dos servidores do
Cristo na obra do amor: Ananias, o apóstolo chamado para curar o Doutor de
Tarso. Quando o Mestre o chama pelo nome, o colaborador humilde, com prontidão
e livre dos interesses pessoais, responde sabiamente: “Eis-me aqui,
Senhor”.(Atos dos Apóstolos, 9:10) O nome dessa virtude no dicionário cristão é
disponibilidade para servir e aprender , o programa ético mais completo e
eficaz para quantos desejam a autoiluminação.
[2] Reforma Intima
Sem Martírio - Cap.2 - Psicografia
Wanderley S. de Oliveira
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