Dalmo Duque dos Santos
Comparando a história do
Espiritismo com a do Cristianismo Primitivo, podemos tirar algumas conclusões
importantes para a o futuro da nossa doutrina e o do seu movimento social.
O Cristianismo, cuja pureza
doutrinária do Evangelho e simplicidade de organização funcional dos primeiros
núcleos cristãos foi conquistando lenta e seguramente a sociedade de sua época,
sofreu com o tempo um desgaste ideológico. Corrompeu-se por força dos
interesses políticos, financeiros e institucionais. Os novos adeptos e seus
líderes, não conseguindo penetrar na essência do Evangelho, que é regeneração,
ou seja, o mergulho doloroso no mundo interior e a reversão das atitudes
exteriores, adaptaram o mesmo às suas conveniências psicossociais, atacando
suas ideias mais contundentes à moral animalizada, alimentando os mecanismos de
defesa da mente, fazendo concessões às fraquezas dos adeptos e desviando-os
para o comodismo dos disfarces rituais exteriores. Repressão de forças
espirituais espontâneas e ideias consideradas ameaçadoras ao clero, como a
mediunidade e a reencarnação; a falsificação de tradições e a adoção do
sincretismo dos costumes bárbaros, foram as principais estratégias dessa
clericalização do cristianismo.
O resultado de tudo isso é bem
conhecido: dois milênios de intolerâncias, violências, atraso espiritual,
perpetuação das injustiças sociais, agravamento de compromissos com a lei de
ação e reação e forte comprometimento da regeneração do nosso planeta.
Apesar das advertências dos
Espíritos e do próprio Allan Kardec quanto aos períodos históricos e tendências
do movimento, os espíritas insistem em cometer os mesmos erros do passado. Os
mesmos erros porque provavelmente somos as mesmas almas que rejeitaram e
desviaram o Cristianismo da sua vocação e agora posamos de puristas ortodoxos,
inimigos ocultos do Espírito da Verdade.
Negligentes com a oração e a
vigilância, cedemos constantemente aos tentáculos do poder e da vaidade.
Desprezamos a toda hora a ideia do “amai-vos e instruí-vos”, entendendo-a
egoisticamente, ora como fortalecimento intelectual competitivo, ora como o
afrouxamento dos valores doutrinários. Não conseguindo nos adaptar ao
Espiritismo, compreendendo e vivenciando suas verdades, vamos aos poucos
adaptando a doutrina aos nossos limites, corrompendo os textos da codificação,
ignorando a experiência histórica de Allan Kardec e dos seus colaboradores,
trazendo para os centros espíritas práticas dogmáticas das nossas preferências
religiosas, hábitos políticos das agremiações que frequentamos e mais comumente
a interferência negativas dos nossos caprichos e vaidades pessoais.
Como os primeiros cristãos,
também lutamos pelo crescimento de nossas instituições, deixando-nos seduzir
pelo mundo exterior e imitando os grupos já pervertidos, construindo palácios
arquitetônicos, cuja finalidade sempre foi causar impressão aos olhos e a falsa
ideia de prestígio político; e dentro deles praticamos as mesmas façanhas da
deslealdade, das rivalidades, das perseguições aos desafetos, da autoafirmação
e liderança autoritária, de crítica e boicote às ideias que não concordamos.
E, finalmente, cultivamos uma
equívoca concepção de unificação, esperando ingenuamente que a nossas ideias e
grupos sejam majoritários num Grande Órgão Dirigente do Espiritismo Mundial, do
nosso imaginário, e muitas outras tolices e fantasias que nem vale a pena
enumerar aqui.
E assim caminhamos, unidos em
nossas displicências e divididos nas responsabilidades. Preferimos esquecer
figuras exemplares que atuaram na Sociedade Espírita de Paris quando ignoramos
nossa história sabiamente registrada na Revista
Espírita. Deixamos de lado líderes agregadores – ainda que divergências
normais e toleráveis existissem entre eles – para ouvir e nos deixar dominar
por um disfarçado clero institucional, comando por vozes medíocres e ciumentas,
figueiras estéreis, sofistas encantadores e improdutivos, enfim, velhas almas e
velhas tendências, vinho azedo e frutas podres em nossos mais caros celeiros
doutrinários.
Mas como evitar esse processo de
corrupção e, em alguns casos notórios, de contaminação e má conduta? Como
reverter a situação para reconduzir essas experiências para os rumos
verdadeiramente espíritas? O que fazer com as más instituições, com os maus
dirigentes, os maus médiuns, maus comunicadores, enfim os maus espíritas?
Devemos identificá-los e expulsá-los dos nossos quadros? Devemos denunciá-los e
discriminá-los como fazia a Inquisição com os acusados de heresia? Devemos
queimá-los em praça pública, censurá-los em nossas bibliotecas ou então deixar
que a própria comunidade espírita pratique o livre arbítrio e aprenda a fazer
escolhas corretas e adequadas às suas necessidades?
O Espiritismo foi certamente uma
doutrina elaborada por Espíritos Superiores e isto nos deixa tranquilos quanto
ao seu futuro doutrinário. Mas o seu movimento vem sendo feito por seres
humanos, espíritos ainda imaturos e inexperientes. Isso realmente tem nos
deixado muito preocupados, pois sabemos que, hoje, os inimigos do Espiritismo
estão entre os próprios espíritas.
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