Irmão X (Humberto de Campos)
Dr. Abelardo Tourinho era,
indiscutivelmente, verdadeira águia de inteligência. Advogado de renome, não
conhecia derrotas. Sua palavra sugestiva, nos grandes processos, tocava-se de
maravilhosa expressão de magnetismo pessoal. Seus pareceres denunciavam apurada
cultura. Abelardo se mantinha, horas e horas, no gabinete particular,
surpreendendo as colisões das leis humanas entre si. Mas, seu talento
privilegiado caracterizava-se por um traço lamentável. Não vacilava na defesa
do mal, diante do dinheiro.
Se o cliente prometia pagamento
farto, o advogado torturava decretos, ladeava artigos, forçava interpretações e
acabava em triunfo espetacular. Chamavam-lhe “grande cabeça” nos círculos de
convivência comum. Era temido pelos colegas de carreira. Os assistentes se
atropelavam a fim de atendê-lo no que desejasse.
Muitas vezes, foi convidado a
atuar, em posição destacada, nas esferas político-administrativas; entretanto,
esquivava-se, porque as gratificações dum deputado eram singelas, perto dos
honorários que recebia. Seus clientes degradantes eram sempre numerosos. Sua
banca era frequentada por avarentos transformados em sanguessugas do povo, por
negociantes inescrupulosos ou por criminosos da vida econômica, detentores de
importante ficha bancária. Abelardo nunca foi visto lutando em causa humilde,
defendendo os fracos contra os poderosos, amparando infortunados contra os
favorecidos da sorte. Afirmava não se interessar por questões pequenas.
Mas, havia alguém que o
acompanhava, sem tecer elogios precipitados. Era sua mãe, nobre velhinha
cristã, que o alertava, de quando em quando, com sinceridade e amor. Dizia ela:
- Abelardo, não te descuides na
missão do Direito. Não admitas que a ideia de ganho te avassale as cogitações.
Creio que a tarefa da justiça terrestre é muito delicada, além de profundamente
complexa. Ser advogado ou juiz é difícil ministério da consciência.
Por vezes, observo-te as
inquietações na defesa dos clientes ricos e fico preocupada. Não te
impressiones pelo dinheiro, meu filho! Repara, sobretudo, o dever cristão e o
bem a praticar. Sinto falta dos humildes, em derredor de teu nome.
Ouço os aplausos de teus colegas
e conheço a estima que desfrutas, no seio das classes abastadas, mas ainda não
vi, em teu círculo, os amigos apagados de que Jesus se cercava sempre. Nunca
pensaste, Abelardo, que o Mestre Divino foi advogado da mulher infeliz e que,
na própria cruz, foi ardoroso defensor dum ladrão arrependido? Creio que o teu
apostolado é também santo... O eminente advogado balançava a cabeça, em sinal
de desacordo, e respondia:
- Mãezinha, os tempos são
outros. Devo preservar as conquistas efetuadas. Não posso, por isso,
satisfazer-lhe as sugestões.
Compreende a senhora que o
advogado de renome necessita cliente à altura. Aliás, não desprezo os mais
fracos. Tenho meu gabinete vasto, onde dou serviço a companheiros iniciantes,
junto aos quais os menos favorecidos do campo social encontram os recursos que
necessitam...
- Oh! Meu filho! Estimaria tanto
ver-te a sementeira evangélica! ...
O advogado interrompia lhe as
observações, sentenciando:
- A senhora, porém, necessita
compreender que não sou ministro religioso. Não devo ligar-me a preceituação
estranha ao Direito. E é tão escasso o tempo para a leitura e analise dos
códigos que me não sobra ensejo para estudos do Evangelho. Além do mais – e
fazia um gesto irônico -, que seria de meus filhos e de mim mesmo se apenas me
rodeasse de pobretões? Seria o fim da carreira e a bancarrota geral.
A genitora discutia amorosa,
fazendo-lhe sentir a beleza dos ensinamentos cristãos, mas Abelardo, que se
habituara aos conceitos religiosos de toda gente, não se curvava às
advertências maternas, conservando mordaz sorriso ao canto da boca.
A experiência terrestre foi
passando devagar, como quem não sentia pressa em revelar a eternidade da vida
infinita.
A Senhora Tourinho regressou à
espiritualidade, muito antes do filho.
Abelardo, todavia, jamais cedeu
aos seus pedidos.
E foi assim que a morte o
recolheu, envolvido em extensa rede de compromissos (com a lei divina).
Compreendeu, tarde demais, as tortuosidades perigosas que traçara para si
mesmo. Muito sofreu (no umbral) e chorou nos caminhos novos. Não conseguia
levantar-se, achava-se caído, na expressão literal. Crescera-lhe a cabeça
enormemente, retirando-lhe a posição de equilíbrio normal. Colara-se à terra,
entontecido e frequentemente atormentado pelas vítimas ignorantes e sofredoras
(pessoas que ele prejudicou quando os fez perder a causa tornaram-se
obsessores).
A devotada mãezinha visitou-o
por anos, sem alcançar resultados animadores. Ele prosseguia na mesma situação
de imobilidade, deformação e sofrimento. A mãe, reparando na ineficácia de seus
carinhos, trouxe um elevado orientador de almas à paisagem escura (umbral).
Pretendia um parecer, a fim de
traçar diretrizes de ação.
O prestimoso amigo examinou o
paciente, registrou lhe as pesadas vibrações mentais, pensou, pensou e
dirigiu-se à abnegada mãe, compadecido:
- Minha irmã, o nosso amigo
padece de inchação da inteligência pelos crimes cometidos com as armas
intelectuais. Seus órgãos da ideia foram atacados pela hipertrofia de
amor-próprio. Ao que vejo, a única medida capaz de lhe apressar a cura é a
hidrocefalia no corpo terrestre.
A nobre genitora chorou
amargurada, mas não havia remédio senão conformar-se.
E, daí a algum tempo, pela
inesgotável bondade do Cristo, Abelardo Tourinho reencarnou e podia ser
identificado por amigos espirituais numa desventurada criança do mundo, colada
a triste carrinho de rodas, apresentando um crânio terrivelmente disforme, para
curar os desvarios da “grande cabeça”.
Observação: Se todos acreditassem na reencarnação, pensariam duas
vezes antes de transgredir as leis de Deus. Saberiam que a lei é a de causa e
efeito (o que causarmos de bom e de ruim a tudo que conviva conosco neste
planeta, seja uma pessoa, um animal, a Natureza e a nós mesmos sofreremos as
consequências); colheremos aquilo que plantarmos; seja nessa ou em outra
encarnação, ninguém sofre a toa e, consequentemente, Deus é justo.
Podemos concluir então que a maioria que retorna com hidrocefalia, congênita ou adiquirida, tiveram o mesmo desatino na vida pregressa?
ResponderExcluirPodemos concluir então que a maioria que retorna com hidrocefalia, congênita ou adiquirida, tiveram o mesmo desatino na vida pregressa?
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