Rodolfo Calligaris
A Doutrina Espírita ensina que a
[…] fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar,
desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, instituiu para si uma espécie
de destino, que é a consequência mesma da posição em que vem a achar-se
colocado […] [2].
Essas provas planejadas são de natureza física (deficiências no corpo físico,
doenças, limitações financeiras etc.), […] pois, pelo que toca às provas morais
e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao
mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquear, um bom
Espírito pode vir lhe em auxílio, mas não pode influir sobre ele de maneira a
dominar lhe a vontade 1.
As doutrinas que pregam a
existência de um fatalismo comandando a vida da pessoa em todos os sentidos, do
nascimento à morte, ensinam […] que todos os acontecimentos estão previamente
fixados por uma causa sobrenatural, cabendo ao homem apenas o regozijar se, se
favorecido com uma boa sorte, ou resignar se, se o destino lhe for adverso. Os
predestinacionistas baseiam-se na soberania da graça divina, ensinando que
desde toda a eternidade algumas almas foram predestinadas a uma vida de retidão
e, depois da morte, à bem-aventurança celestial, enquanto outras foram de
antemão marcadas para uma vida reprovável e, consequentemente, pré-condenadas
às penas eternas do inferno. Se Deus regula, antecipadamente, todos os atos e
todas as vontades de cada indivíduo — argumentam —, como pode este indivíduo
ter liberdade para fazer ou deixar de fazer o que Deus terá decidido que ele
venha a fazer? [3]
Os deterministas, a seu turno,
sustentam que as ações e a conduta do indivíduo, longe de serem livres,
dependem integralmente de uma série de contingências a que ele não pode
furtar-se, como os costumes, o caráter e a índole da raça a que pertença; o
clima, o solo e o meio social em que viva; a educação, os princípios religiosos
e os exemplos que receba; além de outras circunstâncias não menos importantes,
quais o regime alimentar, o sexo, as condições de saúde etc.[4].
Essas doutrinas, como se vê,
reduzem o homem a simples autômato, sem mérito nem responsabilidade.
O Espiritismo nos apresenta
ensinamentos mais concordantes com a justiça, bondade e a misericórdia divinas.
A fatalidade é entendida como um produto do livre-arbítrio, cujos
acontecimentos resultam de escolhas previamente definidas, na maioria das
vezes, no plano espiritual. Essas escolhas refletem sempre a necessidade de
progresso espiritual, e podem ser modificadas segundo o livre-arbítrio da
pessoa, ou replanejadas em se considerando o benefício que pode resultar para
alguém. Na verdade, o planejamento reencarnatório é flexível, adaptado às
circunstâncias e aos resultados esperados. É por esta razão que os Espíritos
Superiores afirmam: “A fatalidade, verdadeiramente, só existe quanto ao momento
em que deveis aparecer e desaparecer deste mundo” [5].
Afastada, nesta situação, a
hipótese do suicídio — sempre vista como uma transgressão à Lei Divina —, não
devemos temer qualquer perigo que ameace a nossa integridade física, porque não
pereceremos se a nossa hora não tiver chegado. Porém, é oportuno destacar, que,
pelo fato de ser infalível a hora da morte, não se deve deduzir que sejam
inúteis as precauções para evitá-la. O fato de o homem pressentir que a sua
vida corre perigo constitui um aviso dos bons Espíritos para que se desvie do
mal e reprograme seus atos.
Existem pessoas que parecem ser
perseguidas por uma fatalidade, independentemente da maneira como procedem.
Neste caso, são provas que, escolhidas anteriormente, aconteceriam de qualquer
forma. No entanto, devemos considerar a hipótese de que tais provações reflitam
apenas as consequências de faltas cometidas em razão de atos impensados, na
atual existência. O exercício do livre-arbítrio, tendo vista a nossa felicidade
espiritual, é uma tarefa árdua que devemos persistir sem desânimo. A luta e o
trabalho são tão imprescindíveis ao aperfeiçoamento do espírito, como o pão
material é indispensável à manutenção do corpo físico. É trabalhando e lutando,
sofrendo e aprendendo, que a alma adquire as experiências necessárias na sua
marcha para a perfeição[6].
Nunca há fatalidade nas opções
morais, pois uma decisão pessoal infeliz não deve ser vista como uma má-sorte
ou como imposição de Deus aos seus filhos. Esta é a razão de os Espíritos
Superiores nos afirmarem: […] “Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é
sempre livre de fazê-la, ou não”. Se soubesse previamente que, como homem
[encarnado], teria que cometer um crime, o Espírito estaria a isso
predestinado. Ficai, porém, sabendo que ninguém há predestinado ao crime e que
todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do
livre-arbítrio[7].
Em suma, a fatalidade que parece
presidir aos destinos, é resultante de escolhas estipuladas no nosso
planejamento reencarnatório e do nosso livre-arbítrio nas ações cotidianas.
Dessa forma, atentos à orientação que um dos Espíritos da Codificação nos dá: “Tu
mesmo escolheste a tua prova. Quanto mais rude ela for e melhor a suportares,
tanto mais te elevarás”. Os que passam a vida na abundância e na ventura humana
são Espíritos pusilânimes, que permanecem estacionários. Assim, o número dos
desafortunados é muito superior ao dos felizes deste mundo, atento que os
Espíritos, na sua maioria, procuram as provas que lhes sejam mais proveitosas.
[…] Acresce que a mais ditosa existência é sempre agitada, sempre perturbada,
quando mais não seja, pela ausência da dor[8].
[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de
Guillon Ribeiro. 89. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 851 , p. 438.
[3] CALLIGARIS, Rodolfo. As Leis Morais. 11. ed. Rio de
Janeiro: FEB, 2004, (O Livre-arbítrio), p. 152.
[4] Idem, ibidem - p. 153.
[5] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de
Guillon Ribeiro. 89. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 859 , p. 441.
[6] XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito
Emmanuel. 24. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003, questão 131 , p. 83.
[7] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de
Guillon Ribeiro. 89. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 861 , p. 442.
[8] Id. - Questão 866, p. 444-445.
Nenhum comentário:
Postar um comentário