quinta-feira, 30 de junho de 2016

A MENINA QUE CHORAVA NA CALÇADA



Hermínio Correa de Miranda[1]


NUMA DESSAS MANHÃS ensolaradas de domingo, saímos para a habitual caminhada pelas ruas mais tranquilas do bairro em que moramos.
Logo ali em baixo, a uma quadra de distância, chorava uma menina na calçada. Não tinha mais que três ou quatro anos, era bonita e estava bem vestidinha, como se acabasse de se aprontar para um passeio. A poucos passos dela um jovem senhor contemplava-a, amargurado. Não era um choro escandaloso, birrento e malcriado, o dela, mas pranto sofrido, vindo de um sofrimento maior e mais profundo que se mostrava no seu olhar angustiado. A dor da querida e desconhecida irmãzinha doeu em mim também. Antes que desse conta do que fazia, aproximei-me dela e coloquei minha ternura de avô em algumas palavras de solidariedade e consolo. Por que razão estaria chorando aquele ser que apenas reiniciava suas experimentações com a vida? Não quis ser indiscreto, nem invasivo, dado que todos nós temos direito à privacidade, mas o jovem fez, voluntariamente, um comentário sucinto: a menina queria que a mãe também fosse com ela. Não me caberia perguntar mais nada e nem precisava. Desenhou-se logo todo o quadro.
Papai e mamãe estavam, certamente, separados. A justiça decidira que papai ficaria autorizado a vir buscá-la aos domingos para passar o dia com ele. Teria ele outra companheira?
Ou mamãe estaria de marido novo? Não sei. Para a menina que chorava na calçada, eles continuavam sendo papai e mamãe, só que, agora, separados. Falavam pouco ou nunca, um com o outro, mal se olhavam, pareciam inimigos. Mal começara a vida para ela e já as coisas mudavam de maneira brutal, no seu pequeno universo pessoal. De repente, ficaram confusas e incompreensíveis.
Por exemplo: por que razão mamãe não podia ir com ela passar o dia com papai?
Às vezes bem que a gente gostaria de fazer umas mágicas, como naquelas antigas histórias de fadas. Como a de reunir aquele triângulo, mãe, pai e filha. Mas isto importava desfazer outro triângulo, mamãe, papai e a ‘outra’, ou, quem sabe, papai, mamãe e o ‘outro’. Ou, então, pegar aquela criança ao colo e levá-la para uma terra onde ninguém se separasse de ninguém. Mas isso eu não podia fazer e ainda que pudesse, não o faria, sem interferir no livre-arbítrio de cada uma das pessoas envolvidas.
Tratava-se de um drama pessoal com várias pontas espinhentas que machucavam a todos, especialmente a sofrida menina que queria levar consigo a mãe naquele passeio de domingo de sol.
Só me restava seguir meu caminho e vê-los seguirem o deles. Seja como for, levei comigo um pouco daquela dor e deixei com a criança confusa uma vibração de ternura. Levei mais que isso, um tema para meditar.
Vindo de casamentos duradouros, minhas matrizes de avaliação de certas situações da vida encontram-se — reconheço-o honestamente —, talvez desatualizadas e inservíveis para muita gente. Mãe e pai, sogra e sogro só se separam pela morte. Ao escrever estas linhas, minha própria união já passou pelo marco número 50. Não posso, obviamente, responder pelos nossos antepassados; quanto a nós, contudo, sim, houve problemas de relacionamento ao longo do percurso. Quem não os tem? Ademais, estamos aqui precisamente para esmerilhar arestas, corrigir desafeições, ampliar afetos, cultivar entendimentos, pacificar antigos rancores, testemunhar dedicações e devotamentos. Se no primeiro ou no segundo embate, ou no centésimo, damos o processo de ajuste por encerrado, estaremos apenas adiando para não sei quando e onde e como, a oportunidade da paz. É que as harmonias da paz a gente não consegue comprar na farmácia, ou no supermercado — é trabalho lento e difícil para uma vida e até mais.
Exige compreensão, tolerância e renúncia. O lar é um ponto de encontro, o momento cósmico é aquele, as condições estão ali criadas para que tudo dê certo e, se cada um tiver que tomar diferentes rumos após o trabalho da conciliação, partirão todos como amigos que apenas se despedem por algum tempo, com encontros marcados no futuro, para dar prosseguimento aos projetos em comum, e, portanto, para novas etapas evolutivas, dado que somos todos companheiros de viagem. Não adianta a gente abandonar de repente a tarefa do entendimento ou da convivência para seguir sozinho, mesmo que se esteja em condições de fazê-lo. Vai faltar alguma coisa no futuro. Alguma coisa que a gente deixou de fazer quando tinha tudo para concretizá-la.
Uma entidade espiritual contou-nos, a respeito disso, uma historinha ilustrativa. Ela - uma mulher, vinha caminhando com um companheiro de jornada evolutiva. Acerta altura, precisavam dar um passo decisivo. Figurativamente, pararam ambos a uns poucos passos de um portal que prenunciava nova etapa de realizações e progresso, dado que percebiam luzes brilhando lá adiante. Houve um momento de confabulação, pois ele relutava em seguir adiante. Acabaram separando-se. Ele ficou e ela foi em frente. Sofria, agora, por não ter insistido um pouco mais ou, quem sabe, ter permanecido com ele por mais algum tempo, até que ele se decidisse a acompanhá-la. Não o fez e, daquele momento em diante, cada um seguiu sua própria rota. Ela nos contava agora, em pranto, o desacerto da decisão. Perderam-se de vista por muito tempo. Ela caminhou um bom trecho pelos caminhos da luz, mas ele demorou-se pelos seus próprios espaços, provavelmente, porque não estavam mais juntos para negociar com a vida a estratégia da paz.
— É como se você tivesse, lá no futuro — contou ela —, um valioso tesouro guardado num cofre à sua espera. Você chega primeiro, mas o cofre só poderá ser aberto com duas chaves e você tem apenas a sua; a outra está com a pessoa que ficou para trás. Ou você a espera ou tem que ir buscá-la, para terem, juntos, acesso ao tesouro.
A história daquela irmã ficou em mim como uma parábola. Será que não estamos sendo impacientes demais com os companheiros de viagem? Será que um pouquinho mais de tolerância e compreensão não teriam evitado os desacertos?
A família é a nossa universidade. Ou saímos dela diplomados, com mestrado ou PhD concluídos, prontos para as conquistas pessoais, ou dela nos retiramos precipitadamente interrompendo o curso das esperanças. Tanto quanto pude apurar, na pesquisa feita para escrever a parte que me coube no livro de Deolindo Amorim, ainda não se chegou, após vários milênios de experimentação, a um modelo melhor de célula social do que a família. E posso garantir que não faltou experimentação. Tentou-se de tudo, numerosas fórmulas e processos foram testados, mas o modelo antigo resistiu. Se agora as coisas não estão dando certo, acham os entendidos que a falha não é do modelo, mas das pessoas.
Como não sou especialista do ramo, prefiro não entrar na discussão, o que não significa, de modo algum, que deixe de ter minha opinião a respeito. Tenho-a e muito nítida. Acho que se jogou fora a fórmula antes de ter uma que a substituísse com vantagens, se é que um dia a teremos. Penso mais ainda: que a falência do sistema começou a partir do momento em que se separou sexo para um lado e amor para outro. Vejo nessa dicotomia “amor sexo” a projeção, no plano em que vivemos, de outra dicotomia mais ampla, ou seja, matéria e espírito, na qual o amor é atributo da entidade espiritual e o sexo instrumentação meramente biológica, a fim de assegurar a todos renovadas oportunidades de reencarnação. Juntos, realizam a tarefa da continuidade da vida na carne, ao passo que a separação deles cria turbulências imprevisíveis, porque, desligado do componente espiritual do ser o sexo recorre ao artifício da paixão, que, em vez de chama que ilumina e aquece, é labareda que consome e logo se extingue, em sombras.
Enquanto nossas paixões vão e vêm, ofuscam-nos e apagam, sofrem os seres que se dispuseram a conviver conosco, nesta dimensão.
Conflitos entre pai e mãe, repercutem no âmago dos filhos, sopram-lhes temores aos ouvidos, criam para eles um clima de incertezas e insegurança, paralisam esperanças. Eles precisam de ambos para levar a bom termo o projeto de vida que lhes cabe implementar. Alguns deles vêm para a aventura da vida terrena com o propósito de cimentar a união, reparando fraturas remanescentes de passadas disputas. A tarefa da conciliação constitui elevada prioridade para todos e, por isso, não há esforço ou sacrifício, tolerância ou compreensão que sejam demais. Se o preço parece excessivamente alto é porque a dívida é, igualmente, vultosa.
Se, porém, a despeito de tudo o que for dito, planejado e considerado, a ruptura ocorre mesmo, pelo menos que se faça tudo civilizadamente, sem rancores ou agressões, com um mínimo possível de dor para todos, mas, principalmente, para os filhos.
Estou dramático? Talvez. Apocalíptico? Não. É o que vemos nos painéis que a vida em sociedade vem exibindo nestes tempos difíceis. Se, por acaso, você me perguntar que tenho eu a ver com isso, um septuagenário já no poente da existência, poderei dizer das minhas razões.
Há uns poucos anos, numa das viagens aos Estados Unidos, fui convidado para fazer uma palestra a um grupo de pessoas interessadas nos enigmas e perplexidades da vida. Não que eu tenha soluções prontas e acabadas para as mazelas humanas, mas porque venho insistindo teimosamente, obstinadamente, em que está fazendo uma falta terrível à sociedade em que vivemos a visão da realidade espiritual. Em vez de nos vermos como espíritos temporariamente acoplados a um corpo físico, assumimos a identidade desse corpo, confundimo-lo com a nossa própria individualidade e estamos levando o espírito a reboque, como um traste inútil e que, além de tudo, estaria atrapalhando a plena realização da insensatez que parece instalada na memória coletiva.
Mas e daí? Por que a preocupação, se já está chegando a hora de você ir embora, para essa dimensão cósmica da qual você tanto fala? — insistirá você. É simples, “meu caro minha querida”.
Esta não será, certamente, minha derradeira passagem pela matéria bruta. Terei que voltar para aqui de outras vezes, como também você. Ao retornar, em novo corpo físico, para mais uma existência, não me importa qual será a minha raça, cor, nacionalidade ou condição social. O que desejo, pretendo e peço a Deus é que tenha mãe e pai que se amem e que me amem. E que me proporcionem o apoio e o carinho de que vou necessitar até que possa recomeçar a exploração do mundo com meus próprios recursos. Foi o que disse aos americanos.
Não desejo, se isto for possível, ficar chorando em alguma esquina do mundo futuro, porque minha mãe não pode ficar junto de mim e de meu pai. Vou precisar deles, minuto por minuto, do amor que desejo que tenham por mim, tanto quanto do amor que tenham um pelo outro, por Deus e pela vida. Quero que me falem de Deus, me ensinem de novo a falar com ele, a vê-lo através das minhas lágrimas e a senti-lo em mim, nos momentos de harmonização cósmica. Como iria cumprir um programa desses numa sociedade que se esqueceu d’Ele, tanto quanto de si mesma, porque só cuida do momento que passa e do próximo prazer?




[1] Nossos Filhos São Espíritos -  capítulo 21

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Psicólogo fala dos traumas sofridos por vítimas de estupro[1] [2]


 
13/06/2016
 

Recentemente, um caso de estupro coletivo chocou o Brasil. Uma adolescente de apenas 16 anos foi violentada por 33 homens, em uma sessão de estupro coletivo no Rio de Janeiro, gerando revoltas e protestos no Brasil. O caso, de repercussão internacional, é apenas mais um entre tantos crimes do tipo ocorridos contra as mulheres. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, e os dados contabilizados representam apenas 35% da quantidade real. O que nos mostra que existe um problema sério, que deve ser combatido pela sociedade.
O psicólogo e escritor Alexandre Bez faz uma análise sobre o assunto e descreve os danos causados à vítima que sofre estupro, como a jovem carioca. As imagens do ato ainda foram divulgadas nas redes sociais.
Segundo Alexandre Bez, o estuprador extrai do ato um prazer baseado em uma "perversão sexual", os sentimentos que envolvem o ato são raiva, sensação de poder e sadismo imperativo. Muito provavelmente este tipo de homem tem dificuldade em se relacionar.
Também é importante destacar que ao cometer esse ato, o agressor está causando um dano mental irreversível e danos emocionais quase irreparáveis, pois ao violentar sexualmente uma mulher, o indivíduo assassina a existência da vítima, cometendo dois delitos.
O ato sexual não consentido pode ainda frear o comportamento sexual da vítima, deixando-a em um estado de medo e apreensão constante. Outros sentimentos como nojo, culpa e vergonha também são comumente despertados nesses casos.
O especialista enumera diversos danos que as vítimas podem vir a sofrer após sofrerem crimes como esse:
o        Falta de concentração
o        Transtornos de ansiedade
o        Insônia
o        Transtornos alimentares
o        Perda de memória (o que possibilita não reviver o trauma)
o        Exclusão da vida social
o        Possíveis tentativas de suicídio
 
"Nenhuma mulher merece ser violentada, independentemente se veste roupas longas ou curtas. As leis que envolvem nosso país precisam ser mais severas, proporcionando a estes agressores o fator medo e punição. O medo é regulador da sociedade, com a adoção de leis corretas, os delitos tendem a diminuir, pois os mesmos são covardes e temem a eficácia das leis", conclui Bez.
 
Jorge Hessen[3] comenta
Estima-se que, em média, o número de estupros é de mil por um milhão de habitantes/dia. Alguns cientistas presumem uma cifra 40 vezes maior. Possivelmente ocorram, a cada dia, de 7 a 140 milhões de estupros no mundo ou, por ano, entre 2,5 bilhões e 100 bilhões. Para o psicólogo e escritor Alexandre Bez, o estuprador retira do ato um prazer baseado em uma "perversão sexual", cujos sentimentos tendem para raiva, sensação de poder e sadismo imperativo. Ao violentar sexualmente uma mulher, o indivíduo destrói a existência da vítima, causando diversos danos como: a falta de concentração, transtornos de ansiedade, insônia, desordens alimentares, perda de memória (o que possibilita não reviver o trauma), exclusão da vida social e possíveis tentativas de suicídio[4].
O recente fato ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, onde uma adolescente de 16 anos foi violentada sexualmente por mais de 30 homens, em uma sessão de estupro coletivo, vem gerando revoltas e protestos no Brasil com ampla repercussão internacional. É assombroso ver notícias como esta estampadas na imprensa mundial. Como é que em pleno século XXI ainda acontece algo dessa natureza? Entre aberrações morais existentes, principalmente no domínio da sexualidade, um dos mais nefastos e assombrosos é, sem nenhuma dúvida, a conjunção carnal forçada, imposta pela força física ou pela coação moral (psicológica). Tradicionalmente, onde impera o tráfico de armas e drogas, o estupro em massa de uma mulher, seja ela jovem ou apenas pré-adolescente em processo de transformação, encaminhando-a para a devassidão é uma prática corriqueira e, do ponto de vista dos marginais traficantes e cafetões, absolutamente necessária para conseguir a sua adaptação na prostituição.
A violência sexual é o fruto apodrecido da animalidade humana. A melhor maneira de tornar uma sociedade justa e altruísta é a educação das gerações jovens. Lamentavelmente nunca se buscou tanto “prazer” sexual como na época presente. São jovens na desmoralizada troca de companheiros e muitos casais mergulhados na desventura extraconjugal. Será que o ser humano necessita tanto assim de “prazer sexual”? Será que tal “prazer” constitui o amor? Obviamente não, pois a manifestação dos impulsos sexuais é um fenômeno mecânico e biológico de atração magnética, enquanto que o amor é um anseio sublime. O sexo é apenas um instrumento de sensações. Quando a sexualidade é abastecida pelas emoções excelsas do amor, ilumina o ser; contudo, sem a higienização desta carga erótica, ela aflige a mente e cristaliza a emoção.
Na violência sexual, será que a vítima está quitando moralmente o pretérito delituoso? Óbvio que não! Pois nem todas as tribulações que experimentamos na vida foram previstas ou escolhidas por nós. A escolha se resume ao gênero da prova. O Espírito de Verdade nos adverte: "Se o Espírito quis nascer entre malfeitores, por exemplo, sabia a que tentações se expunha, mas ignorava cada um dos atos que viesse a praticar. Estes atos são efeito de sua vontade, ou de seu livre-arbítrio[5]”. O estupro, assim, não pode estar dentro de uma programação reencarnatória. Entretanto, em advindo, vítima e agressor submetem-se às Leis de Deus, sujeitos à apreciação espiritual do assunto, derivando para a vítima, por padecer a prova com bravura e paciência, condição de evolução espiritual e, para o estuprador, dolorosa trilha de restauração do erro, ansiando contar ainda com o perdão da vítima como forma de ajuda para superação das próprias deficiências morais.
E para nós, que nos insurgimos revoltados quando conhecemos os episódios de estupro, bradando por justiça “vingativa”, saibamos que nada resiste aos desígnios da Lei do Criador e, antes de nos fazermos implacáveis juízes dos criminosos, observemos a mensagem de Jesus que disse para os condenadores da mulher adúltera: "atire a primeira pedra". Importa que nos abriguemos na oração inclusive em favor dos criminosos, a fim de que os mesmos possam sair da situação em que se encontram, refletindo os seus crimes, requerendo igualmente nova oportunidade de arrependimento, reparação e expiação, visando seu adiantamento espiritual.
Em face desses dantescos panoramas, e em que pese os contrastes da vida social, considerando as várias culturas terrenas, naturalmente Deus não abdicou do comando dos mundos. Há uma ordem nas coisas e não estamos abandonados pelo Governador da Terra e pelos Operários divinos da espiritualidade, que acompanham cada acontecimento e oferecem sempre a oportunidade de melhoria para o violador das leis e o amparo ao que sofre uma ação perversa dos criminosos.
É ocasião de silenciar e exorar misericórdia ao Criador, posto que agindo assim estaremos contribuindo com a magna obra do Evangelho.




[2] Notícia publicada no Portal MSN, em 1º de junho de 2016.
[3] Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.
[5] Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questões 258 a 273, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1999.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Mágoa[1]



Espírito Hammed[2]

 
“Mágoa não elaborada se volta contra o interior da criatura, alojando-se em determinado órgão e produzindo somatizações, notadamente, na formação de displasias e tumores.”

 
Ao afirmarmos: “Ninguém nunca conseguirá me magoar”, não queremos dizer que não damos o devido valor aos nossos sentimentos, que não nos importamos com o mundo e que não valorizamos as criaturas com quem convivemos.
Querer “não sentir dor”, pode dessensibilizar as comportas dos nossos mais significativos sentimentos, inclusive atingindo de forma generalizada, nossa capacidade de amar. Muitas vezes, queremos representar que possuímos uma segurança absoluta quando, na realidade, todos nós somos vulneráveis de alguma forma. Nosso estilo de vida, em muitas ocasiões, é ilógico e neurótico.
O “querer viver” uma existência inteira desprovida de decepções e ingratidão, com aceitação e consideração incondicionais, é desastrosamente irreal.
É profundamente irracional nutrir a crença de que nunca seremos traídos e de que sempre seremos amados e entendidos plenamente por todos. Portanto, não podemos passar uma vida inteira ocultando de nós mesmos que nunca ficaremos magoados. Devemos, sim, admitir a mágoa quando ela realmente existir, para que possamos resolver nossos conflitos e desarranjos comportamentais.
A maneira decisiva de atingirmos o equilíbrio interior, é aceitarmos nossas emoções e sentimentos como realmente eles se apresentam, pois, deixando de ignorá-los, passaremos a nos adaptar firmemente à realidade dos fatos e dos acontecimentos que estamos vivenciando. O que não pode ser visto, não pode ser mudado.
Os mecanismos inconscientes dos quais nos utilizamos para nos enganar são em grande parte imperceptíveis, principalmente àqueles que não iniciaram ainda a autodescoberta do mundo interior, através do auto-aprimoramento espiritual. Ignorar o sentimento de mágoa pode, muitas vezes, parecer um simples esquecimento natural, mas também poderá ser visto como atividade psicológica para afastar de nosso dia-a-dia, detalhes desagradáveis que não queremos admitir. Para não tomarmos consciência de que ficamos magoados, simplesmente não notamos uma série quase infinita de fatos e feitos que demonstrariam, de forma segura, o ofensor e a intenção da ofensa.
O ato de ignorar é uma defesa que apaga somente uma parte do ocorrido, deixando consciente apenas aquilo que nos interessa no momento. O fato de criarmos o hábito de desviar a atenção como forma de dispersar a dor da agressão e de isso funcionar muito bem em determinados momentos expressivos de nossa vida, mantendo a mágoa dissimulada, poderá se tornar um estilo comportamental inadequado, pois distorce a realidade de nossos relacionamentos.
Mágoa não elaborada se volta contra o interior da criatura, alojando-se em determinado órgão, tornando-o doente. Mágoa se transforma com o tempo em rancor, exterminando gradativamente nosso interesse pela vida e desajustando-nos quanto a seu significado maior.
A mágoa é um sentimento de frustração no qual a emoção está sob relativo controle da razão. Ou do ressentimento, quando a emoção sobrepuja a razão. Ou ainda, do ódio e da vingança, quando a emoção e a razão já desencadeiam ação e atitude.
As interpretações emocionais da frustração, dependendo da intensidade e da frequência com que são geradas, produzem somatizações, notadamente, na formação de displasias e tumores. Muitos portadores de câncer, por exemplo, são pessoas no mínimo magoadas, e esse sentimento gera por indução ou imantação, um campo energético adequado ao desenvolvimento da doença.
Assim não se formam expectativas nem frustrações seguidas de mágoas, ressentimentos, ódio e vingança, que sempre acabam em somatizações. Sentimentos não morrem. Podemos enterrá-los, mas mesmo assim continuarão conosco. Se não forem admitidos, não serão compreendidos e, consequentemente, estarão desvirtuando a nossa visão do óbvio e do mundo objetivo.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Doloroso Engano[1]


 
Encerrávamos a nossa reunião da noite de 1 de março de 1956, quando nossos Instrutores trouxeram às faculdades psicofônicas do médium o Espírito R. S., desditosa irmã desencarnada que, em soluços comovedores, nos ofertou a sua história de médium transviada, história essa que passamos à consideração de nossos leitores, como doloroso exemplo a ser estudado e meditado:
 Deus de bondade e de amor dai-me forças para que a minha voz não trema na confissão-ensinamento, a que, me sinto obrigada!  Ajudai-me o coração para que a minha palavra não vacile!
Benfeitores Espirituais que me assistis, sustentai-me a fim de que a vergonha não favoreça qualquer inverdade em minha boca!
Meus irmãos, fala-vos pobre mulher desencarnada que, até agora, tem vagueado no charco de choro e sangue. Uma pobre criatura que por escárnio à própria responsabilidade atirou-se ao lago de sofrimento e remorso em que se afoga sem consumir-se. Fui médium, conheci a graça da revelação espírita, partilhei os banquetes da oração e deslumbrei-me diante das lições de luz que meu coração recebia do Céu!
Viúva aos trinta anos, com uma filha para conduzir e orientar na existência, trazia o espírito assim como um barco sem leme. Faltava-me, um ideal religioso para o caráter. A pobreza, a provação e o obstáculo espancavam-me. Por isso mesmo, os sintomas da mediunidade conturbada, que se me fizeram mais graves, acentuaram em nossa casa os problemas e os dissabores.
A conselho de afeições queridas, procurei um santuário espírita, sendo recebida com o amor que vos caracteriza as casas de fé renovadora, que, neste momento, não posso dizer sejam nossas, porque delas me afastei deliberadamente. O primeiro contato com a filosofia simples do Espiritismo, foi para o meu coração como um banho de luz.
Reconfortei-me, refazendo a própria saúde. Meus olhos adquiriram o estranho poder de enxergar além da carne e pude, muitas vezes, em pranto de emotividade, receber a palavra direta do inolvidável benfeitor Dr. Bezerra de Menezes, que costumava dizer-me em tom compassivo:
- Filha, é chegada para a sua alma a hora diferente. Trazem as suas mãos a sublime força da cura. Poderá você aliviar o sofrimento dos semelhantes e, sobretudo, oferecer carinho providencial às irmãs nossas que se sentem defrontadas pelos aguilhões da maternidade dolorosa. Siga a sua estrada, oferecendo a Jesus o coração limpo e a consciência reta, porque a assistência do Céu não lhe faltará ao serviço nem se fará surda aos seus apelos!
Desde então, meus amigos, minhas mãos passaram à instrumentalidade da cura mediúnica. Sem maior estudo para a sustentação de minhas responsabilidades nos compromissos graves que eu estava abraçando, devotei-me à leitura dos tratados de magnetismo.
A princípio, eram a confiança em nossos Benfeitores Espirituais e o poder da prece as forças, em que me inspirava para trabalhar, sendo admiravelmente sucedida nas tarefas a que me devotava, confiante. Muitas de nossas irmãs, no momento exato da “délivrance”, recebiam por meus braços essa abençoada energia que desce do Alto para quantos se fazem canais do bem.
Contudo, na vida privada, eu era uma simples lavadeira. A pobreza marcava-nos o dia e a noite, o leito e o alimento. Calos doloridos multiplicavam-se nas mãos, desde cedo habituadas a duros misteres no serviço caseiro.
E minha Edméia crescia, solicitando assistência, pedindo instrução, reclamando amparo.
Meu coração de mulher, no entanto, não sabia integrar-se nos exemplos e nas lições do Cristo, e, em razão disso, com muita facilidade passei da claridade para a sombra. Sentia fome do dinheiro fácil e pouco a pouco a sedução da prosperidade material modificou-me o pensamento.
No templo espírita, as preleções exortavam-me à simplicidade, ao sacrifício, à renúncia, à fidelidade e ao dever corretamente cumprido. Pelos ensinamentos aí adotados, eu devia continuar a ser a mulher resignada e humilde, à frente das tempestades da vida, rendendo culto à minha fé, sem exigir retribuição de quem quer que fosse. E por isso mesmo as lições que me eram administradas se fizeram insípidas ao meu modo de ser.
Pretextando trabalho inadiável, fugi do contato com aqueles companheiros que amavam na simplicidade o caminho da renovação. E comecei a aceitar as requisições que me eram endereçadas.
Muitas senhoras reclamavam-me a colaboração e muitas outras foram chegando, que me pediam o concurso para a delinquência disfarçada em salvação social. Moças de diversas procedências, damas jovens acostumadas à preguiça e à irresponsabilidade, ofereciam-se à minha porta, pagando alto preço por meus serviços. O dinheiro era tentador e as somas eram largas.
A atividade era fácil. O passe magnético com a administração de algumas drogas, aparentemente simples, davam resultados perfeitos.
E sem ouvir as sugestões do nosso amigo Doutor Bezerra, que procurou afastar-me das sombras, enquanto era tempo, devotei-me de corpo e alma às trevas crescentes que se avolumavam em minha porta.
Minha Edméia era então menina e moça. Exigia chapéus e vestidos, joias e adornos, tanto quanto uma casa mais digna da sua beleza física.
Enganada por terríveis ilusões, afastei minha filha do trabalho correto. Internei-a num colégio elegante, onde Edméia aprendeu palavras e hábitos que eu mesma desconhecia. Minha filha era bela e devia ter um destino diferente do de sua mãe - pensava eu. Devia brilhar no campo social, obrigando-me, assim, a amealhar uma fortuna fácil que nos garantisse um palacete, com rendimento e conforto.
Corria o tempo e o dinheiro avultava-me nas mãos. Uma caderneta de banco assegurava-me depósitos expressivos.
Dez anos passaram, com atividades intensas. Não satisfeita com meu próprio trabalho, contratei o serviço de duas companheiras que me representavam noutros bairros, trazendo-me os casos difíceis e incentivando a clientela. Essas duas companheiras passaram a colaborar com segurança e eficiência. Nunca mais me acomodei com as lições dos livros espíritas.
Para o meu coração enganado, os santuários da Consoladora Doutrina eram simplesmente lugares em que se reuniam pessoas de inteligência menos desenvolvida, porque uma força enorme me apoiava os braços e fazia que todos os partos, sob minha responsabilidade, se desdobrassem com êxito, exonerando-me de qualquer dever para com a prece.
Queria dinheiro, dinheiro fácil e, respondendo-me aos apelos, o dinheiro aparecia.
O palacete destinado à nossa residência estava sendo construído em linhas quase majestosas. Edméia, titulada num educandário de ensino superior, possuía agora o seu carro particular. Comparecia às festas e reuniões mundanas, impressionando sempre por sua beleza bem adornada, beleza que eu incensava apaixonadamente, cega em meus falsos princípios.
Dez anos, repito, passaram apressados em meu afã de reter o dinheiro nascido na empresa do crime. Nossa casa, engalanada, preparava-se para receber-nos. Adquirira tapeçarias e telas raras, ao gosto de minha filha. Tudo obedecia aos planos por ela traçados. Sentia-me finalmente ajustada à aristocracia do ouro, desfrutando a madureza tranquila, remunerada pela fortuna terrestre.
Eis, porém, que, certa noite, uma de minhas associadas bate à porta de meu gabinete particular, pedindo concurso. Uma jovem fora por ela mal atendida. Rogava-me urgente inspeção.
Chego à porta e pergunto:
- É uma cliente que pode realmente pagar com a dignidade precisa?
A companheira responde que sim. Tratava-se de jovem muito rica. Dera-lhe, de imediato, dois contos de réis. Mando entrar.
A moça desmaiada é trazida à mesa de operações. Entretanto, estarrecida, naquele belo corpo a esvair-se em sangue, reconheço Edméia.
Minha filha era também uma cliente da indústria do aborto. Horrorizada, passei a colher o fruto de minha irresponsabilidade. Tremeram-me as mãos. Entonteceu-se-me a cabeça.
Era a primeira vez que eu meditava no tormento das mães, humilhadas pela delinquência dos filhos! Em vão, tentei o socorro tardio.
- Tudo estava no fim.
Esmagada de sofrimento, recordei as antigas lições da casa de fé que eu visitava, em minhas dificuldades primeiras.
Edméia morreu em meus braços. Também no meu coração eu não possuía nada mais que o esquife do meu próprio sonho morto. Tombei, desalentada.
Removida para meu leito, um médico foi chamado. Debalde busquei pronunciar algumas explicações. Minha boca estava hirta, meus membros inteiriçados não respondiam a qualquer ordem do cérebro. A dor rompera-me um vaso importante e por dois meses agonizei, até que a morte me arremessou à sinistra região em que me vejo cercada por largas nuvens de lodo e sangue, escutando os comoventes vagidos de criancinhas assassinadas.
Tenho vertido lágrimas amargosas! Nunca pude pisar no palacete que minha filha e eu mandáramos construir. Nunca mais afaguei o anjo de minhas esperanças maternas. Nunca mais meus olhos descansaram naqueles olhos que eu desejava felizes.
Tenho vivido num lago de sangue, de treva, de dor, de angústia, de maldição.
Somente agora, depois de muito orar e padecer, ouvi novamente a voz de Dr. Bezerra, o nosso amado benfeitor. Um novo serviço ser-me-á confiado.
Devo, por dez anos, trabalhar nos lupanares e nos gabinetes em que o aborto se transformou em criminoso negócio, no sentido de amparar as jovens irrefletidas e as mulheres desorientadas.
Devo evitar que o infanticídio se processe, oferecendo minhas forças para que algum entezinho possa escapar à foice sanguinolenta manejada pela mulher esquecida da própria alma.
Devo servir por dez anos nesse laborioso caminho cujas misérias conheço, para, depois, experimentar, por minha vez, a dor de tantas crianças que as minhas mãos sufocaram!
Rogo preces, para minh’alma sofredora!... Amparai a irmã que caiu!
Minha palavra não tem outro objetivo senão este - implorar a esmola da oração em meu benefício e acordar as mulheres, nossas irmãs, para que não se afastem da Bênção de Deus.
 
R. S.




[1] Vozes do Grande Além – Francisco Cândido Xavier

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Afinal, é possível ouvir os mortos?[1]


 
Chico Xavier doou todos os direitos autorais dos mais de 400 livros que escreveu em vida. O gesto não era apenas generosidade do médium. Ele dizia que não havia escrito nenhum livro. “Eles escreveram”, repetia.
De acordo com a ciência, Chico não poderia falar com os mortos, claro. Tudo teria sido produzido pelo seu próprio cérebro. Se ele ouvia vozes, eram vozes produzidas por sua mente.
Afinal, a ciência mostra que a consciência (a mente, ou a alma) é fabricada pelo cérebro e está confinada nele. Ou seja, quando o corpo morre, a consciência desaparece.
Não existem hipóteses científicas que sustentem a concepção de algum tipo de alma que sobreviva à morte. 
Mas, diante do acúmulo de casos como o de Chico Xavier, que não foi explicado pelas leis da natureza ou considerado categoricamente como fraude, um grupo de cientistas decidiu questionar a ciência - e não os médiuns.
A conclusão dos pesquisadores está no livro Irreducible Mind (“Mente Irredutível”, sem tradução para o português).
A obra parte da lógica de que fenômenos como a mediunidade, a telepatia e experiências de quase-morte são indícios de que o modelo teórico vigente nos meios científicos é incompleto.
Os autores defendem uma mudança na forma de encarar casos como o de Chico: tirá-los do campo do folclore e da superstição e analisá-los. Hoje, são ignorados.
Para o grupo coordenado pelo psiquiatra da Universidade da Virgínia (EUA) Edward Kelly, a ciência vem ignorando um princípio científico básico, o da “falseabilidade”, defendido pelo filósofo Karl Popper.
Popper dizia que era muito fácil - e perigoso - ficar catando evidências favoráveis para defender uma tese. Difícil era encontrar o argumento que a desmontaria de vez.
Para Popper, todo cientista sério deveria estar sempre procurando um furo na sua tese - e não o contrário.
Kelly e seus colegas defendem que a mediunidade pode ser um desses furos - e pode desvendar o mistério da consciência, que instiga filósofos e cientistas há mais de 2 mil anos.
Eles acreditam que parte do problema está em considerar mente e cérebro uma coisa só. Em Irreducible, os pesquisadores propõem que o cérebro seja encarado como um aparelho de TV.
A consciência seriam seus programas. Um defeito na TV pode alterar a qualidade da imagem, mas não necessariamente o conteúdo dos programas - eles não existem apenas dentro daquele aparelho.
Ou seja, sem a TV, não podemos enxergar nosso seriado favorito, mas ele existe mesmo assim. Só não pode ser assistido.
Funcionaria de um jeito parecido com a consciência: dependemos do cérebro para percebê-la, mas ela não está, segundo a proposta, confiada dentro do aparelho (o cérebro).
E isso garantiria sua sobrevida além do corpo, abrindo a possibilidade de explicar a ideia de que a consciência segue vagando por aí após a morte e pode se comunicar com as outras consciências, vivas ou não.
Kelly e os colegas não sabem dizer se estão certos nem têm provas irrefutáveis a favor dessa concepção. Eles oferecem a hipótese apenas para sensibilizar seus colegas da psicologia e da neurociência.
Querem que os cientistas tradicionais questionem suas convicções e prestem mais atenção em fenômenos hoje ignorados, como a mediunidade.
Os argumentos a favor dessas teorias ganham força com alguns estudos, como uma pesquisa publicada há dois anos na prestigiada revista científica Plos One.
Em parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora e com a Universidade da Pensilvânia, o psicólogo e neurocientista Júlio Peres, da USP, viajou aos Estados Unidos com dez médiuns brasileiros.
Os voluntários eram destros e tinham entre 15 e 47 anos de experiência mediúnica - cada um com, em média, 18 psicografias por mês. Nenhum deles tinha transtorno mental diagnosticado.
No Centro de Radiologia e Medicina Nuclear da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, os voluntários receberam uma substância radioativa para captar a atividade cerebral por meio de um exame de imagem chamado spect.
Peres e Andrew Newberg, o cientista americano conhecido por estudar o cérebro de freiras rezando e monges em meditação, avaliaram as diferenças nas imagens do cérebro dos voluntários em dois momentos: durante a psicografia e fora do estado de transe, escrevendo um texto comum, de autoria “própria”.
Os resultados mostraram uma diferença significativa. Em transe, enquanto supostamente escreviam guiados pela voz ou pela mão dos espíritos, os médiuns apresentaram níveis mais baixos de atividade no lobo frontal, que está associado à razão, à linguagem e ao planejamento.
“Esse resultado possivelmente reflete a ausência de consciência na psicografia”, explica Peres. Enquanto escreviam normalmente, essas regiões cerebrais, que costumam estar alertas durante uma tarefa intelectual, como a escrita, voltavam ao normal.
Os cientistas resolveram, então, comparar o conteúdo dos dois textos. Se era verdade que o cérebro estava com a capacidade de raciocínio limitada durante a psicografia, os pesquisadores levantaram a hipótese de que os textos produzidos em transe refletissem isso e fossem mais pobres.
Para a surpresa geral, ocorreu justamente o contrário. O conteúdo das psicografias era mais complexo e elaborado do que os textos feitos em estado pleno de consciência.  Entre os médiuns mais experientes, essa variação era ainda mais perceptível.
“Os médiuns referem que ‘a autoria dos textos psicografados foi dos espíritos comunicantes e não pode ser atribuída a seus próprios cérebros’. Essa é, sim, uma hipótese plausível entre as várias possibilidades de compreendermos esses primeiros achados”, diz Peres. 
Opiniões à parte, o estudo tem pelo menos uma conclusão clara: mesmo que tudo seja obra da mente dos médiuns, como diz a ciência, boa parte deles não tem consciência disso.




terça-feira, 21 de junho de 2016

COMO OS ESPÍRITOS OBSESSORES SUGAM A ENERGIA VITAL DE ENCARNADOS, DESENCADEANDO O APARECIMENTO DE ALGUMAS ENFERMIDADES[1]



Marlene Rossi Severino Nobre[2]

A simbiose prejudicial é conhecida como parasitose mental. Esse processo é tão antigo como o próprio homem. Após a morte, os espíritos continuam a disputar afeição e riquezas com os que permanecem na carne ou arruam empreitadas de vingança e violência contra eles. Na parasitose mental temos o vampirismo. Por esse processo, os desencarnados sugam a vitalidade dos encarnados, podendo determinar nos hospedeiros doenças das mais variadas e até mesmo a morte prematura. Para o mundo espiritual, "vampiro é toda entidade ociosa que se vale indebitamente das possibilidades alheias e, em se tratando de vampiros que visitam os encarnados, é necessário reconhecer que eles atendem aos sinistros propósitos a qualquer hora, desde que encontrem guarida no estojo de carne dos homens".
O médico desencarnado Dias da Cruz lembra que "toda forma de vampirismo está vinculada à mente deficitária, ociosa ou inerte que se rende às sugestões inferiores que a exploram sem defensiva". E explica a técnica utilizada pelos espíritos vampirizadores, situando-a nos processos de hipnose. Por ação do hipnotizador, o fluido magnético derrama-se no campo mental do paciente voluntário, que lhe obedece o comando. Uma vez neutralizada a vontade do sujeito, as células nervosas estarão subjugadas à invasão dessa força. Os desencarnados de condição inferior, consciente ou inconscientemente, utilizam esse processo na cultura do vampirismo.
 SUGANDO AS ENERGIAS
Justapõem-se à aura das criaturas que lhes oferecem passividade, sugando-lhes as energias, tomam conta de suas zonas motoras e sensoriais, inclusive os centros cerebrais (linguagem e sensibilidade, memória e percepção), dominando-as à maneira do artista que controla as teclas de um piano. Criam, assim, doenças fantasmas de todos os tipos, mas causam também degeneração dos tecidos orgânicos, estabelecendo a instalação de doenças reais que persistem até a morte. Entre essas doenças, Dias da Cruz afirma que "podemos encontrar desde a neurastenia até a loucura complexa e do distúrbio gástrico à raríssima afemia estudada por Broca".
Relaciona ainda outras moléstias: “pelo ímã do pensamento doentio e descontrolado, o homem provoca sobre si a contaminação fluídica de entidades em desequilíbrio, capazes de conduzi-lo à escabiose e à ulceração, à dipsomania e à loucura, à cirrose e aos tumores benignos ou malignos de variada procedência, tanto quanto aos vícios que corroem a vida moral. Através do próprio pensamento desgovernado, pode fabricar para si mesmo as mais graves eclosões de alienação mental, como são as psicoses de angústia e ódio, vaidade e orgulho, usura e delinquência, desânimo e egocentrismo, impondo ao veículo orgânico processos patogênicos indefiníveis, que lhe favorecem a derrocada ou a morte”.
Em Nos Domínios da Mediunidade, André Luiz se refere a um caso interessante de um homem desencarnado e uma mulher encarnada que vivem em regime de escravidão mútua, nutrindo-se da emanação um do outro. Ela busca ajuda na sessão do trabalho desobsessivo realizado por um centro espírita e, com o concurso de entidades abnegadas, consegue o afastamento momentâneo do espírito obsessor. Bastou, porém, que o espírito fosse retirado para que ela o fosse procurar, reclamando sua presença. Há muitos casos em que o encarnado julga querer o reajustamento, porém, no íntimo, alimenta-se dos fluidos doentios do companheiro desencarnado e se apega a ele instintivamente.
Em Obreiros da Vida Eterna, André Luiz descreve cenas de vampirismo em uma enfermaria de hospital. "Entidades inferiores, retidas pelos próprios enfermos, em grande viciação da mente, postavam-se em leitos diversos, inflingindo-lhes padecimentos atrozes, sugando-lhes vampirescamente preciosas forças, bem como atormentando-os e perseguindo-os", afirma. E confessa que os quadros lhe traziam grande mal-estar.
 VAMPIRISMO COM REPERCUSSÕES ORGÂNICAS
Na possessão, temos um grau mais avançado de atuação do espírito obsessor, constrangendo de forma quase absoluta a ação do obsediado. Kardec a compreendeu como "uma substituição, posto que parcial, de um espírito errante a um encarnado". Como se trata de um grau mais avançado de vampirismo, as patologias orgânicas estão sempre presentes.
Dentro desse item de vampirismo com repercussões orgânicas, destacamos os casos de epilepsia e obsessão, como por exemplo, no livro Nos Domínios da Mediunidade, caso Pedro. Analisando essa casuística, constatamos que a possessão tem características e mecanismos diversos. No caso Pedro-Camilo, instalou-se ao longo de 20 anos sob a atuação de um único obsessor. Durante esse período, o quimismo espiritual ou a fisiologia do perispírito se desequilibrou e, consequentemente, desencadeou distúrbios orgânicos, entre os quais a ameaça de amolecimento cerebral.
No caso Margarida, estabeleceu-se mais efetivamente em dez dias, com organização técnica competente e atuação de uma falange composta de, aproximadamente, 60 obsessores, entre os quais dois hipnotizadores e dezenas de parasitas ovoides, decretando a falência orgânica quase total em virtude do controle do sistema endócrino, da pressão sanguínea e de funções importantes da economia orgânica.
 INFECÇÕES FLUÍDICAS
Da mesma maneira como existem infecções orgânicas, acontecem também as fluídicas, resultantes do desequilíbrio mental.
O instrutor Aniceto, em conversa com André Luiz, argumenta que "se temos a nuvem de bactérias produzidas pelo corpo doente, temos a nuvem de larvas mentais produzidas pela mente enferma, em identidade de circunstâncias. Desse modo, na esfera das criaturas desprevenidas de recursos espirituais, tanto adoecem corpos como almas".
Os homens não têm preparo quase nenhum para a vida espiritual. Em geral, não têm á mínima ideia de que "a cólera, a intemperança, os desvarios do sexo e as viciações de vários matizes formam criações inferiores que afetam profundamente a vida íntima".
E cada uma dessas viciações da personalidade produz as larvas mentais que lhe são consequentes, contaminando o meio ambiente onde quer que o responsável pela sua produção circule ou estagie. Elas não têm forma esférica, nem são do tipo bastonete, como as bactérias biológicas, mas formam colônias densas e terríveis. E tal qual acontece no plano físico, o contágio também pode se verificar na esfera psíquica.
Na condição de parasitismo mental, as larvas servem de alimento habitual, porque são portadoras de vigoroso magnetismo animal.
Para nutrir-se desse alimento, bastará ao desencarnado agarrar-se aos companheiros de ignorância ainda encarnados como erva daninha aos galhos das árvores e sugar-lhes a substância vital.
 SUBSTÂNCIAS PARA DOMINAR O PENSAMENTO
Dentro do estudo a que nos propomos, temos de considerar também a produção dos espíritos inferiores desencarnados. As “substâncias” destrutivas produzidas dentro do quimismo que lhes é próprio atingem os pontos vulneráveis de suas vítimas. Esses produtos, conhecidos como simpatinas e aglutininas mentais, têm a propriedade de modificar a essência do pensamento dos encarnados, que vertem contínuos dos fulcros energéticos dó tálamo, no diencéfalo. Esse ajuste entre desencarnados e encarnados é feito automaticamente, em absoluto primitivismo nas linhas da natureza. Os obsessores tomam conta dos neurônios do hipotálamo, "acentuando a dominação sobre o feixe amielínico que o liga ao córtex frontal, controlando as estações sensíveis do centro coronário que aí se fixam para o governo das excitações e produzindo nas suas vítimas, quando contrariados em seus desígnios, inibições de funções viscerais diversas, mediante influência mecânica sobre o simpático e o parassimpático".
Temos aí um intrincado processo de vampirismo, que leva as vítimas ao medo, à guerra nervosa, alterando-lhes a mente e o corpo. É possível compreender, assim, os casos de possessos relatados nos Evangelhos, que se curaram de doenças físicas quando os espíritos inferiores que os subjugavam foram retirados pela ação curadora de nosso mestre Jesus ou dos apóstolos.
Por enquanto, os médicos estão às voltas com a extensa variedade de microorganismos patogênicos que devem combater diuturnamente. Mas, no futuro, "a medicina da alma absorverá a medicina do corpo. Poderemos, na atualidade da Terra, fornecer tratamento ao organismo de carne. Semelhante tarefa dignifica a missão do consolo, da instrução e do alivio, mas no que concerne à cura real, somos forçados a reconhecer que esta pertence exclusivamente ao homem-espírito".




[2] Associação Médico-Espírita do Brasil