J. Herculano Pires
Se os espíritas soubessem o que é o Centro Espírita, quais são realmente
as suas funções e a sua significação, o Espiritismo seria hoje o mais
importante movimento cultural e espiritual da Terra.
Temos no Brasil – e isso é um
consenso universal – o maior, mais ativo e produtivo movimento espírita do
planeta. A expansão do Espiritismo em nossa terra é incessante e prossegue em
ritmo acelerado. Mas o que fazemos, em todo este vasto continente espírita, é
um imenso esforço de igrejificar o Espiritismo, de emparelhá-lo com as
religiões decadentes e ultrapassadas, formando por toda parte núcleos místicos
e, portanto fanáticos, desligados da realidade imediata. Dizia o Dr. Souza
Ribeiro, de Campinas, nos últimos tempos de sua vida de lutas espíritas:
"Não compareço a reuniões de espíritas rezadores”! E tinha razão, porque
nessas reuniões ele só encontrava turba dos pedintes, suplicando ao Céu ajuda.
Ninguém estava ali para aprender
a Doutrina, para romper a malha de teia de aranha do igrejismo piedoso e
choramingas. A domesticação católica e protestante criara em nossa gente uma
mentalidade de rebanho. O Centro Espírita tornou-se uma espécie de sacristia
leiga em que padres e madres ignorantes indicavam aos pedintes o caminho do
Céu. A caridade esmoler, fácil e barata, substituiu as gordas e faustosas
doações à Igreja. Deus barateara a entrada do Céu, e até mesmo os intelectuais
que se aproximam do Espiritismo e que tem o senso crítico, se transformam em
penitentes. Associações espíritas, promissoramente organizadas, logo se
transformam em grupos de rezadores pedinchões. O carimbo da igreja marcou fundo
a nossa mentalidade em penúria. Mais do que subnutrição do povo, com seu
cortejo trágico de endemias devastadoras, o igrejismo salvacionista depauperou
a inteligência popular, com seu cortejo de carreirismo político – religioso,
idolatria mediúnica, misticismo larvar - o que é pior, aparecimento de uma
classe dirigente de supostos missionários e mestres farisaicos, estufados de
vaidade e arrogância. São os guardiões dos apriscos do templo, instruídos para
rejeitar os animais sacrificiais impuros, exigindo dos beatos a compra de
oferendas puras nos apriscos sacerdotais. Essa tendência mística popular,
carregada de superstições seculares, favorece a proliferação de pregadores
santificados, padres vieiras sem estalo, tribunos de voz empostada e
gesticulação ensaiada. Toda essa carga morta esmaga o nosso movimento
doutrinário e abre as suas portas para a infestação do sincretismo religioso
afro-brasileiro, em que os deuses ingênuos da selva africana e das nossas
selvas superam e absorvem o antigo e cansado deus cristão.
Não há clima para o
desenvolvimento da Cultura Espírita. As grandes instituições Espíritas
Brasileiras e as Federações Estaduais investem-se por vontade própria de
autoridade que não possuem nem podem possuir, marcadas que estão por desvios
doutrinários graves, como no caso do roustainguismo da FEB e das pretensões
retrógradas de grupelhos ignorantes de adulterados.
Teve razões de sobra André
Dumas, do Espiritismo Francês, em denunciar recentemente, em entrevista à
revista Manchete, a situação católica e na verdade de anti-espírita do
Movimento Espírita brasileiro. A domesticação clerical dos espíritas ameaça
desfibrar todo o nosso povo, que por sua formação igrejeira tende a um tipo de
alienação esquizofrênica que o Espiritismo sempre combateu, desde a proclamação
de fé racional contra a fé cega e incoerente, submissa e farisaica das pregações
igrejeiras.
Jesus ensinou a orar e vigiar,
recomendou o amor e a bondade, pregou a humanidade, mas jamais aconselhou a
viver de orações e lamúrias, santidade fingida, disfarçada em vãs aparências de
humildade, que são sempre desmentidas pelas ambições e a arrogância
incontrolável do homem terreno.
Para restabelecermos a verdade
espírita entre nós e reconduzirmos o nosso movimento a uma posição doutrinária
digna e coerente, é preciso compreender que a Doutrina Espírita é um chamado
viril à dignidade humana, à consciência do homem para deveres e compromissos no
plano social e no plano espiritual, ambos conjugados em face das exigências da
lei superior da Evolução Humana. Só nos aproximaremos da angelitude, o plano
superior da Espiritualidade, depois de nos havermos tornado Homens.
Os espíritas atuais, na sua
maioria, tanto no Brasil como no mundo, não compreenderam ainda que estão num
ponto intermediário da filogênese da divindade. Superando os reinos inferiores
da Natureza, segundo o esquema poético de Léon Denis, na sequência divinamente
fatal de Kardec: mineral, vegetal, animal e homem, temos o ponto neutro de
gravidade entre duas esferas celestes, e esse ponto é o que chamamos ESPÍRITA.
As visões fragmentárias da Realidade se fundem dialeticamente na concepção
monista preparada pelo monoteísmo. Liberto, no ponto neutro, da poderosa reação
da Terra, o espírita está em condições de se elevar ao plano angélico. Mas
estar em condições é uma coisa, e dar esse passo para a divindade é outra
coisa. Isso depende do grau de sua compreensão doutrinária e da sua vontade
real e profunda, que afeta toda a sua estrutura individual. Por isso mesmo,
surge então o perigo da estagnação no misticismo, plano ilusório da falsa
divindade, que produz as almas viajoras de Plotino, que nada mais são do que os
espíritos errantes de Kardec. Essas almas se projetam no plano da Angelitude,
mas não conseguem permanecer nele, cedendo de novo a atração terrena da
encarnação.
Muitas vezes repetem a
tentativa, permanecendo errantes entre as hipóstases do Céu e da Terra. Plotino
viu essa realidade na intuição filosófica e na vidência platônica. Mas Kardec a
verificou em suas pesquisas espíritas, escudadas na observação racional dos
fatos. Apoiado na Razão, essa bússola do Real, ele nos livrava dos
psicotrópicos do misticismo, oferecendo-nos a verdade exata da Doutrina
Espírita. Nela temos a orientação precisa e segura dos planos ou hipóstases
superiores, sem o perigo dos ciclos muitas vezes repetidos do chamado Círculo
Vicioso das Reencarnações, que os ignorantes pretendem opor à realidade
incontestável da reencarnação. Pois se existe esse círculo vicioso, é isso
bastante para provar o processo reencarnatório. O vício não está no processo,
mas na precipitação dos homens e dos espíritos não devidamente amadurecidos, que
tentam forçar a Porta do Céu.
Se no Brasil sofremos os
prejuízos do religiosismo ingênuo de nossa formação cultural, na França e nos
demais países europeus - segundo as próprias declarações de André Dumas – o
prejuízo provém de um cientificismo pretensioso, que despreza a tradição
francesa da pesquisa científica espírita, procurando substituí-la pelas
pesquisas e interpretações parapsicológicas. Esse menosprezo pedante pelo
trabalho modelar de Kardec levou o próprio Dumas a desrespeitar a tradição secular
da Revue Spirite, transformando-a num simulacro da revista científica do Ano
2.000. As pesquisas da parapsicologia seguiram o esquema de Kardec e foram
cobrindo no tempo, sucessivamente, todas as conquistas do sábio francês. Pegada
por pegada, Rhine e seus companheiros cobriram o rastro científico de Kardec. O
mesmo já acontecera com Richet na metapsíquica, com Crookes e Zollner e todos
os demais. Toda a pesquisa psíquica honesta é válida, nesse campo, até mesmo a
dos materialistas russos atuais ficaram presas ao esquema de Kardec, o que
prova a validade irrevogável desta. Começando pela observação dos fenômenos
físicos, todas as Ciências Psíquicas, nascidas do Espiritismo fizeram a
trajetória fatal traçada pelo gênio de Kardec e chegaram as suas mesmas conclusões.
As discordâncias interpretativas
foram sempre marcadas indelevelmente pelos preconceitos e as precipitações da
advertência de Descartes no Discurso do Método e pela sujeição aos interesses
das Igrejas, como Kardec já assinalara em seu tempo. A questão da terminologia
é puramente supérflua, e como dissera Kardec, serve apenas para provar a
leviandade do espírito humano, mesmo dos sábios, sempre mais apegado à forma
que ao fundo do problema. No Espiritismo o quadro fenomênico foi dividido por Kardec
em duas seções: Fenômenos Físicos e Fenômenos Inteligentes. Na Metapsíquica,
Richet apresentou o esquema de Metapsíquica objetiva e Metapsíquica subjetiva.
Na Parapsicologia os fenômenos espíritas passaram a chamar-se Fenômeno Psi, com
divisão de Psicapa (objetivos) e Psigama (subjetivos). Quanto aos métodos de
pesquisa, Crookes e Richet ativeram-se à metodologia científica da época, e
Rhine limitou-se a passar dos métodos qualitativos para os quantitativos,
inventando aparelhagens apropriadas aos processos tecnológicos atuais, apelando
à estatística como forma de controle e comprovação dos resultados, o que
simplesmente corresponde às exigências atuais nas Ciências.
Kardec teve a vantagem de haver
acentuado enfaticamente a necessidade de adequação do método ao objeto
específico da pesquisa. O próprio método hipnótico de regressão da memória,
para as pesquisas da reencarnação aplicado por Albert De Rochas do século
passado, foi aproveitado pelo Prof. Vladimir Raikov. Na Romênia, o preconceito
quanto ao Espiritismo gerou uma nova denominação para Parapsicologia:
Psicotrônica. Com esse nome rebarbativo, os materialistas romenos pretendem
exorcizar os perigos de renascimento espírita em seu país.
Todos esses fatos nos
mostram que a Doutrina Espírita não chegou ainda a ser conhecida pelos seus
próprios adeptos em todo o mundo. Integrado no processo doutrinário de trabalho
e desenvolvimento, o Centro Espírita carecia até agora de um estudo sobre as suas
origens, o seu sentido e a sua significação no panorama cultural do nosso
tempo. É o que procuramos fazer neste volume, com as nossas deficiências, mas
na esperança de que outros estudiosos procurem completar o nosso esforço.
Lembrando o Apóstolo Paulo, podemos dizer que os espíritas estão no momento
exato em que precisam desmamar das cabras celestes para se alimentarem de
alimentos sólidos. Os que desejam atualizar a Doutrina, devem antes cuidar de
se atualizarem nela.
[1] O Centro
Espírita – J. Herculano Pires
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