Léon Denis
Como tínhamos dito, o homem deve
antes de tudo aprender a se conhecer a fim de clarear seu porvir. Para caminhar
com passo firme, precisa saber para onde vai. É conformando seus atos com as
leis superiores que o homem trabalhará eficazmente para a própria melhoria e do
meio social. O importante é discernir essas leis, determinar os deveres que
elas nos impõem, prever as consequências de suas ações. O dia em que estiver
compenetrado da grandeza de sua função, o ser humano poderá melhor se desapegar
daquilo que o diminui e rebaixa; poderá se governar com sabedoria, preparar por
seus esforços a união fecunda dos homens em uma grande família de irmãos.
Mas estamos longe desse estado
de coisas. Ainda que a humanidade avance na via do progresso, pode-se dizer,
entretanto, que a imensa maioria de seus membros caminha pela via comum, em
meio à noite escura, ignorante de si mesma, nada compreendendo do propósito real
da existência.
Espessas trevas obscurecem a
razão humana. As radiações da verdade chegam empalidecidas, enfraquecidas,
impotentes para aclarar as rotas sinuosas trilhadas pelas inumeráveis legiões
em marcha e para fazer resplender aos seus olhos o objetivo ideal e longínquo.
Ignorando seus destinos,
flutuando sem cessar entre o preconceito e o erro, o homem maldiz, por vezes, a
vida. Curvando-se sob seu fardo, lança sobre seus semelhantes a culpa das
provas que suporta e que, muito frequentemente, são geradas por sua
imprevidência. Revoltado contra Deus, a quem acusa de injustiça, chega mesmo,
algumas vezes, na sua loucura e desespero, a desertar do combate salutar, da
luta que, por si só, poderia fortificar sua alma, esclarecer seu julgamento,
prepara-lo para os trabalhos de uma ordem mais elevada.
Por que é assim? Por que o homem
desce fraco e desarmado na grande arena onde trava sem trégua, sem descanso, a
eterna e gigantesca batalha? É porque este globo, a Terra, está em um degrau
inferior na escala dos mundos. Aqui residem em sua maior parte espíritos
infantis, isto é, almas nascidas há pouco tempo para a razão. A matéria reina
soberana em nosso mundo. Nos curva sob seu jugo, limita nossas faculdades,
estanca nossos impulsos para o bem e nossas aspirações para o ideal.
Além disso, para discernir o
porquê da vida, para entrever a lei suprema que rege as almas e os mundos, é
preciso saber se libertar dessas pesadas influências, desapegar-se das
preocupações de ordem material, de todas essas coisas passageiras e cambiantes
que encobrem nosso espírito e que obscurecem nossos julgamentos. É nos elevando
pelo pensamento acima dos horizontes da vida, fazendo abstração do tempo e do
lugar, pairando, de alguma forma, acima dos detalhes da existência, que perceberemos
a verdade.
Por um esforço de vontade,
abandonemos um instante a Terra e gravitemos nessas alturas imponentes. De cima
se desenrolará para nós o imenso panorama das idades sem conta, e dos espaços
sem limites. Da mesma forma que o soldado, perdido no conflito, não vê senão
confusão em torno dele, enquanto o general, cujo olhar abraça todas as
peripécias da batalha, calcula e prevê os resultados; da mesma forma que o
viajante, perdido nas sinuosidades do terreno pode, escalando a montanha,
vê-las se fundir em um plano grandioso; assim a alma humana, da altura onde
plana, longe dos ruídos da terra e longe dos baixios obscuros, descobre a
harmonia universal — aquilo que, aqui em baixo, lhe parece contraditório,
inexplicável e injusto, quando visto do alto, se reata, se aclara; as
sinuosidades do caminho se endireitam; tudo se une, se encadeia; ao espírito,
fascinado, aparece a ordem majestosa que regula o curso das existências e a
marcha do universo.
Dessas alturas iluminadas, a
vida não é mais, para os nossos olhos, como é para os da multidão — uma vã
perseguição de satisfações efêmeras — mas antes um meio de aperfeiçoamento
intelectual, de elevação moral, uma escola onde se aprende a doçura, a
paciência e o dever. E essa vida, para ser eficaz, não pode ser isolada.
Fora de seus limites, antes do
nascimento e após a morte, vemos, em uma espécie de penumbra, desenrolar-se
inúmeras existências através das quais, ao preço do trabalho e do sofrimento,
conquistamos, peça por peça, retalho por retalho, o pouco de saber e de
qualidades que possuímos; por elas igualmente conquistaremos o que nos falta:
uma razão perfeita, uma ciência sem lacunas, um amor infinito por tudo que
vive.
A imortalidade se assemelha a
uma cadeia sem fim e se desenrola para cada um de nós na imensidade dos tempos.
Cada existência é um elo que se religa, na frente e atrás, a elos distintos, a
vidas diferentes, mas solidárias entre si. O presente é a consequência do
passado e a preparação do futuro. De degrau em degrau, o ser se eleva e cresce.
Artesã de seu próprio destino, a alma humana, livre e responsável, escolhe seu
caminho e, se este caminho é mau, as quedas que advirão, as pedras e os
espinhos que a dilacerarão, terão o efeito de desenvolver sua experiência e
esclarecer sua razão nascente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário