Maísa Intelisano
Em 1943, André Luiz, o médico que se tornou conhecido
psicografando livros pela mediunidade de Francisco Cândido Xavier, trouxe a
público o significado dado à palavra na colônia espiritual “Nosso Lar”, onde
passou a viver alguns anos depois de seu desencarne.
Em seu livro também chamado “Nosso Lar”, ele conta
como ouviu falar do Umbral pela primeira vez, quando o enfermeiro Lísias lhe
dava as primeiras informações sobre a colônia e descreveu-o como região onde
existe grande perturbação e sofrimento e para a qual a colônia dedicava atenção
especial.
Desde então, a palavra Umbral, escrita com inicial
maiúscula, como o fez André Luiz no livro “Nosso Lar”, tomou significado
especial, principalmente entre os espíritas, designando a região espiritual imediata
ao plano dos encarnados, para onde iriam e onde estariam todos os espíritos
endividados, perturbados e desequilibrados depois da vida.
Com esta
conotação a palavra difundiu-se muito e transformou-se num quase sinônimo do
Inferno e do Purgatório dos católicos, com localização geográfica, tamanho
etc., conceito este que o próprio Allan Kardec, codificador do Espiritismo, já
havia desmistificado em suas obras, mais de 80 anos antes, especialmente em “O
Livro dos Espíritos”.
Como vemos pelas respostas dos espíritos a Kardec, o
inferno e o paraíso não passam de estados de espírito, condição moral de
sofrimento ou felicidade a que estão sujeitos os espíritos por suas próprias
atitudes, pensamentos e sentimentos durante a vida encarnada e depois dela. E é
bom lembrar que espíritos somos todos, encarnados e desencarnados, vivendo cada
um o seu inferno e o seu paraíso particular. O que nos diferencia dos espíritos
desencarnados é apenas o fato de estarmos temporariamente presos a um corpo
denso de carne. De resto, somos absolutamente iguais a eles, com desejos,
opiniões, frustrações, alegrias, defeitos e qualidades.
Na verdade, a figura geográfica e espacial do inferno
dos católicos serviu de molde aos espíritas para que melhor visualizassem o que
seria o Umbral, assim como o inferno da Igreja Católica foi tomado emprestado e
adaptado do inferno dos povos pagãos para compor os mitos de inferno e paraíso.
Se não existe
inferno ou purgatório porque haveria de existir o Umbral com localização,
medidas, coordenadas etc.?
Tudo o que existe no plano espiritual é criado pela
mente dos espíritos encarnados e desencarnados. Sempre que pensamos nossa mente
dispara um processo pelo qual somos capazes de moldar as energias mais sutis do
universo, criando formas que correspondem exatamente àquilo que somos
intimamente.
Extremamente apegados ao mundo material, nada mais
natural que, mesmo estando fora dele, queiramos tê-lo novamente quando
desencarnados. É aí que nossa mente entra em ação, criando tudo o que desejamos
ardentemente. E várias mentes desejando a mesma coisa juntas têm muito mais
força para criar.
A grande
diferença é que, no mundo físico, podemos embelezar artificialmente o nosso
ambiente e a nossa aparência, enquanto que no plano astral isso não é possível,
pois lá todos os nossos defeitos, mazelas, falhas, paixões, manias e vícios
ficam expostos em nossa aura, exibindo claramente quem somos como consciências
e não como personalidades encarnadas.
No Umbral, tudo o que está fora de nós é consequência
do que está dentro. Tudo o que existe em nosso mundo pessoal e nos acontece é
reflexo do que trazemos na consciência. Assim, o Umbral nada mais é que uma
faixa de frequência vibratória a que se ligam os espíritos desequilibrados,
cujos interesses, desejos, pensamentos e sentimentos se afinizam.
É uma “região”
energética onde os afins se encontram e vivem, onde podem dar vazão aos seus
instintos, onde convivem com o que lhes é característico, para que um dia,
cansados de tanto insistirem contra o fluxo de amor e luz do universo,
entreguem-se aos espíritos em missão de resgate, que estão sempre por lá em
trabalhos de assistência.
Alguns autores
descrevem o Umbral como uma sequência de anéis que envolvem e interpenetram o
planeta Terra, indo desde o seu núcleo de magma até várias camadas para fora de
seus limites físicos.
O que acontece é que os espíritos se reúnem
obedecendo, apenas e unicamente, à sintonia entre si e acabam formando anéis
energéticos em torno do planeta, ou melhor, em torno da humanidade terrena, pois
ela é parte da humanidade espiritual que o habita e é também o foco de atenção
de todos os desencarnados ligados a ele.
As camadas descritas em alguns livros são mais um
recurso didático para facilitar o entendimento e o estudo do mundo espiritual,
pois não há limites precisos entre elas, assim como não há divisas exatas entre
um bairro e outro de uma mesma cidade, ainda que eles sejam de classes sociais
bem diferentes.
Esse mesmo mecanismo de sintonia é o que cria regiões
“especializadas” no Umbral, como o Vale dos Suicidas, descrito por Camilo
Castelo Branco, pela psicografia de Yvonne A. Pereira, em seu livro
"Memórias de um Suicida".
Espíritos com
experiências de suicídio, vivendo os mesmos dramas, sofrimentos, dificuldades,
agrupam-se por pura afinidade e formam regiões vibratórias específicas. Assim
também acontece com faixas energéticas ligadas às drogas, ao aborto, aos
distúrbios psíquicos, às guerras, aos desequilíbrios sexuais etc.
Apesar de toda perturbação e desequilíbrio dos
espíritos que vivem no Umbral, não devemos nos iludir. Existe muita disciplina,
organização e hierarquia nos ambientes umbralinos.
É o que nos mostra, por exemplo, o espírito Ângelo
Inácio, pela psicografia de Robson Pinheiro, em seu livro "Tambores de
Angola", e o espírito Nora, pela psicografia de Emanuel Cristiano, em seu
livro "Aconteceu na Casa Espírita". Vemos ali o quanto esses
espíritos podem ser inteligentes, organizados, determinados e disciplinados em
suas práticas negativas, criando instituições, métodos, exércitos e até cidades
inteiras para servir aos seus propósitos.
É preciso que compreendamos que todos nós já estamos
vivendo numa dessas “camadas” de Umbral que envolvem a Terra e que todos nós
criamos o nosso próprio Umbral particular sempre que contrariamos as leis
divinas universais, as quais podem ser resumidas numa única expressão: amor
incondicional.
Mas o Umbral
não é um mundo só de desencarnados. Muitos projetores conscientes (encarnados
que fazem projeções astrais conscientes) narram passagens por regiões escuras e
densas, semelhantes às descrições de André Luiz em "Nosso Lar".
Todos os encarnados desprendem-se do corpo físico
durante o sono e circulam pelo mundo espiritual. Esse é um fenômeno
absolutamente natural e inerente a todo espírito encarnado. Uma grande parte
continua a dormir em espírito, logo acima de onde está descansando o corpo
físico. Outros se limitam a passear inconscientes pelo próprio quarto ou casa,
repetindo, mecanicamente, o que fazem todos os dias durante a vigília. E há os
que saem de casa e vão além.
Dentre estes, uma pequena parte procura manter uma
conduta ética elevada, 24h por dia, tentando sempre melhorar-se como pessoa,
buscando sempre ajudar e crescer e, muitas vezes, é levada ao Umbral em missão
de resgate ou assistência, trabalhando com espíritos mais preparados, doando
suas energias pelo bem de outros espíritos.
Mas há um
grande número dos que conseguem sair de seu próprio lar durante o sono e vão
para o Umbral por afinidade, em busca daquilo que tinham em mente no momento em
que adormeceram ou obedecendo a instintos e desejos inferiores que, embora
muitas vezes não estejam explícitos na vigília, estão bem vivos em sua mente e
surgem com toda força quando projetados.
Essas pessoas, muitas vezes, acabam sendo vítimas de
espíritos profundamente perturbados ligados ao Umbral que as vampirizam e
manipulam, em alguns casos chegando até a interferir em sua vida física,
criando problemas familiares, doenças, perturbações psicológicas, dificuldades
profissionais e financeiras etc.
Vemos, assim, que o Umbral, de que falam André Luiz e
tantos outros autores encarnados e desencarnados, está mais próximo de nós,
encarnados, do que muitos de nós imaginam.
E, o que é
mais importante, somos nós mesmos que ajudamos a manter esse mundo denso com
nossos pensamentos e sentimentos menos elevados. Somos nós que damos aos
espíritos perturbados, que se encontram ligados a essa faixa vibratória, grande
parte da matéria-prima de que se valem para sustentar seu mundo de trevas e
sofrimento.
O Umbral está
em todo lugar e em lugar nenhum, pois está dentro de quem o cria para si mesmo
e acompanha o seu criador para onde quer que ele vá.
Toda vez que
nos deixamos levar por impulsos de raiva, agressividade, ganância, inveja,
ciúmes, egoísmo, orgulho, arrogância, preguiça, estamos acessando uma faixa
mais densa desse Umbral. Toda vez que julgamos, criticamos ou condenamos os
outros, estamos nos revestindo energeticamente de emanações típicas do Umbral.
Toda vez que desejamos o mal de alguém, que nos
deprimimos, que nos revoltamos ou entristecemos, criamos um portal automático
de comunicação com o Umbral. Toda vez que nos entregamos aos vícios, à
exploração dos outros, aos desejos de vingança, aos preconceitos, criamos
ligações com mentes que vibram na mesma faixa doentia e estão sintonizadas com
o Umbral.
O Umbral só
existe porque nós mesmos o criamos, e só continuará existindo enquanto nós
mesmos insistirmos em mantê-lo com nossos desequilíbrios.
O Umbral é nosso também, faz parte do nosso mundo e
não podemos renegá-lo ou simplesmente ignorá-lo. Assim como não podemos também
fingir que não temos nada a ver com ele. Lá estão também algumas de nossas
próprias criações mentais, de nossos sentimentos inferiores, de nossos
pensamentos mais densos. E lá vivem espíritos divinos como nós, temporariamente
desviados do caminho de luz em que foram colocados por Deus.
Por isso é importante que não vejamos o Umbral como um
lugar a ser evitado ou uma ideia a não ser comentada, mas como desequilíbrio
espiritual temporário de espíritos como nós que, muitas vezes, só precisam de
um pouco de atenção e orientação para se recuperarem e voltarem ao curso sadio
de suas vidas.
É comum
encontrarmos médiuns e doutrinadores que têm medo ou aversão ao trabalho com
espíritos do Umbral, evitando atendê-los, ignorando-os friamente ou tratando-os
como criminosos sem salvação que não merecem qualquer compaixão ou respeito.
Estas pessoas
esquecem-se de um dos preceitos básicos da espiritualidade: a caridade.
Os habitantes do Umbral não são nossos inimigos, mas
espíritos que precisam de compreensão e ajuda.
Não são
irrecuperáveis, mas perderam o rumo do crescimento espiritual. Não estão
abandonados por Deus, mas não sabem disso e desistem de procurar orientação.
Não são diferentes de nós, mas tão semelhantes que vivem lado a lado conosco,
todos os dias, observando nossos atos, analisando nossos pensamentos, vigiando
nossos sentimentos, prestando atenção às nossas atitudes.
E, se não queremos ir ao Umbral por afinidade, que nos
ocupemos em nos tornar seres humanos melhores, mais dignos, mais éticos, 24h
por dia.
Desse modo,
nossa passagem pelo Umbral será sempre na condição de quem leva ajuda sem medo,
sem preconceito e sem sofrimento, e não de quem precisa de ajuda para superar
seus próprios medos, preconceitos e dores.
[1] Artigo originalmente escrito para a revista
“Espiritismo e Ciência”, da Editora Mythos e publicado na edição 16 - Ano 2 - http://somostodosum.ig.com.br/clube/artigos.asp?id=2875
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