segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Não procures Deus[1]




Não procures Deus nos templos de pedra e de mármore, ó homem que o queres conhecer, e sim no templo eterno da Natureza, no espetáculo dos mundos a percorrer o Infinito, nos esplendores da vida que se expande em sua superfície, na vista dos horizontes variados: planícies, vales, montanhas e mares que a tua morada terrestre te oferece. Por toda parte, à luz brilhante do dia ou sob o manto constelado das noites, à margem dos oceanos tumultuosos, e assim na solidão das florestas, se te sabes recolher, ouvirá as vozes da Natureza e os sutis ensinamentos que murmura ao ouvido daqueles que frequentam suas solidões e estudam seus mistérios.
A Terra voga sem ruído na extensão. Essa massa de dez mil léguas de circuito desliza sobre as ondas do éter qual um pássaro no Espaço, qual um mosquito na luz.
Nada denuncia sua marcha imponente. Nenhum ranger de rodas, nenhum murmúrio de vagas sob seus flancos. Silenciosa, ela passa, rola entre suas irmãs do céu. Toda a potente máquina do Universo se agita; os milhões de sóis e de mundos que a compõem, mundos perto dos qual o nosso vale por uma criança, todos se deslocam, se entrecruzam, prosseguem suas evoluções com velocidades aterradoras, sem que som algum ou qualquer choque venha trair a ação desse gigantesco aparelho. O Universo continua calmo. É o equilíbrio absoluto; é a majestade de um poder misterioso, de uma Inteligência que não se impõe que se esconde no seio das coisas, e cuja presença se revela ao pensamento e ao coração, e que atrai o pesquisador qual a vertigem do abismo.
Se a Terra evolucionasse com estrondo; se o mecanismo do mundo se regulasse com fracasso, os homens, aterrorizados, curvar-se-iam e creriam. Mas, não! A obra formidável se executa sem esforço. Globos e sóis flutuam no Infinito, tão livres quantas plumas sob a brisa. Avante, sempre avante! O rondar das esferas se efetua guiado por uma potência invisível.
A vontade que dirige o Universo se disfarça a todos os olhares. As coisas estão dispostas de maneira que ninguém é obrigado a lhes dar crédito. Se a ordem e a harmonia do Cosmos não bastam para convencer o homem, este é livre no conjeturar. Nada constrange o céptico para ir a Deus.
O mesmo acontece às coisas morais. Nossas existências se desenrolam e os acontecimentos se sucedem sem ligação aparente; mas a imanente justiça domina ao alto, e regula nossos destinos segundo um princípio imutável, pelo qual tudo se encadeia em uma série de causas e de efeitos. Seu conjunto constitui uma harmonia que o espírito emancipado de preconceitos, iluminado por um raio da Sabedoria, descobre e admira. Que nos sabemos do Universo? Nossa vista só percebe um conjunto restrito do império das coisas. Somente os corpos materiais, à nossa semelhança, a afetam. A matéria sutil e difusa nos escapa[2]. Vemos o que há de mais grosseiro, em tudo que nos cerca. Todos os mundos fluídicos, todos os círculos onde a vida superior se agita a vida radiosa, se eclipsam aos olhos humanos. Distinguimos apenas os mundos opacos e pesados que se mova nos céus. O Espaço que os separa nos parece vazio. Por toda parte, profundos abismos parecem abrir-se.
Erro! O Universo está cheio. Entre essas moradas materiais, no intervalo desses mundos planetários, prisões ou presídios flutuam no Espaço, outros domínios da Vida se estendem vida espiritual, vida gloriosa, que nossos sentidos espessos não podem perceber porque, sob suas radiações, quebraria qual se rompe o vidro ao choque de uma pedra.
A sábia Natureza limitou nossas percepções e nossas sensações. É degrau a degrau que ela nos conduz no caminho do saber. É lentamente, trecho por trecho, vidas depois de vidas, que ela nos leva ao conhecimento do Universo, seja visível, seja oculto. O ser sobe, um a um, os degraus da escadaria gigantesca que conduz a Deus. E cada um desses degraus representa para o ser uma longa série de séculos.
Se os mundos celestes nos aparecessem de repente, sem véus, em toda a sua glória, ficaríamos aturdidos, cegos. Mas, nossos sentidos exteriores foram medidos e limitados. Eles avultam e se apuram à medida que o ser se eleva na escala da existência e dos aperfeiçoamentos. O mesmo se dá com o conhecimento, a possessão das leis morais. O Universo se desvenda os nossos olhos, à proporção que a nossa capacidade de compreender as suas leis se desenvolve e engrandece. Lenta é a incubação das Almas sob a luz divina.
*
É a ti, ó Potência Suprema! Qualquer que seja o nome que te deem e por mais imperfeitamente que sejas compreendida; é a ti, fonte eterna da vida, da beleza, da harmonia, que se elevam nossas aspirações, nossa confiança, nosso amor.
Onde estão em que céus profundos, misteriosos, tu te escondes? Quantas Almas acreditaram que bastaria, para te encontrar, o deixar a Terra! Mas tu te conservas invisível no mundo espiritual, quanto no mundo terrestre, invisível para aqueles que não adquiriram ainda a pureza suficiente para refletir teus divinos raios.
Tudo revela e manifesta, no entanto, tua presença. Tudo quanto na Natureza e na Humanidade canta e celebra o amor, a beleza, a perfeição, tudo que vive e respira é mensagem de Deus. As forças grandiosas que animam o Universo proclamam a realidade da Inteligência divina; ao lado delas, a majestade de Deus se manifesta na História, pela ação das grandes Almas que, semelhantes a vagas imensas, trazem às plagas terrestres todas as potências da obra de sabedoria e de amor.
E Deus está, assim, em cada um de nós, no templo vivo da consciência. É aquele o lugar sagrado, o santuário em que se encontra a divina centelha.
Homens! Aprendei a imergir em vós mesmos, a esquadrinhar os mais íntimos recônditos do vosso ser; interrogai-vos no silêncio e no retiro. E aprendereis a reconhecer-vos, a conhecer o poder escondido em vós. É ele que leva e faz resplandecer no fundo de vossas consciências as santas imagens do bem, da verdade, da justiça, e é honrando essas imagens divinas, rendendo-lhes um culto diário, que essa consciência, ainda obscura, se purifica e se ilumina.
Pouco a pouco, a luz se engrandece em nós outros. De igual modo que gradualmente, de maneira insensível, as sombras dão lugar à luz do dia, assim a Alma se ilumina das irradiações desse foco que reside nela e faz desabrochar, em nosso pensamento e em nosso coração, formas sempre novas, sempre inesgotáveis de verdade e de beleza. E essa luz é também harmonia penetrante, voz que canta na alma do poeta, do escritor, do profeta, e os inspira e lhes dita as grandes e fortes obras, nas quais eles trabalham para elevação da Humanidade. Mas, sentem essas coisas apenas aqueles que, tendo dominado a matéria, se tornaram dignos dessa comunhão sublime, por esforços seculares, aqueles cujo senso íntimo se abriu às impressões profundas e conhece o sopro potente que atiça os clarões do gênio, sopro que passa pelas frontes pensativas e faz estremecer os envoltórios humanos.


[1] O Grande Enigma – Léon Denis
[2] Atualmente não conhecemos, nem podemos conhecer, em sua essência, nem o Espírito nem a Matéria.

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