Estudo do Evangelho com Chico Xavier sob o Abacateiro
*Joana Abranches[1]
Gilberto Gil tem uma canção que diz: “Tanta gente!...
E estava tudo vazio. Tanta gente!... E o meu cantar tão sozinho.”
O que teria
isso a ver com o cotidiano dos grupos espíritas na atualidade?... Muita
coisa!...
Em Casas
equivocadamente agigantadas, equipes trabalham por turno e mal se conhecem,
pessoas viram números e o velho e essencial acolhimento que começaria “dentro
de casa” acaba se perdendo em meio à distribuição de senhas para o passe e
outras novidades em nome da organização. A preocupação é atender e impressionar
bem aos que chegam, aos que vem de fora. Enquanto isso, no interior dos grupos,
quanta gente sofrendo de solidão acompanhada... Minguando afetivamente!
Importante
avaliar como tem sido a nossa relação com os companheiros de dentro, no
cotidiano institucional espírita. Conseguimos perceber seu olhar mais triste
nesse ou naquele dia? Quando desaparecem por algum tempo, o nosso primeiro
pensamento é de censura ou preocupação? Passa pela nossa cabeça que possam
estar atravessando uma fase difícil e, em caso afirmativo, nos mobilizamos para
ampará-los? Aos que retornam após um período de ausência, a manifestação tem
sido de acolhimento e alegria ou de cobrança?
Ah, as tais
cobranças... Das piadinhas sarcásticas e olhares enviesados ao dedo em riste,
vale tudo para manter o “bom andamento das atividades, em nome de Jesus”...
Porém, vale a pena pensar se tem sido oferecido afeto, compreensão e
solidariedade na mesma medida em que se cobra.
Favorecidos por
regras monásticas que inibem a espontaneidade e a afetividade entre os
trabalhadores, os grupos acabam resvalando para o extremismo. “O silencio é uma
prece”. Antes, durante e depois das reuniões. Ignora-se que onde não há espaço
para diálogo e autenticidade não pode haver uma relação saudável e verdadeira.
Assim, vestindo a armadura do formalismo que afasta - em lugar da naturalidade
que aproxima - temos nos tornado meros tarefeiros, cada vez mais robotizados e
indiferentes. Sem perceber, em vez de estar uns com os outros temos apenas
passado uns pelos outros, como se as pessoas fizessem parte dos móveis e
utensílios da Casa Espírita.
Muito comum
entrar no grupo, assinar a lista de frequência (uma espécie sutil de folha de
ponto para espíritas) e ligar no automático. A preocupação em ser impecável
sobrepõe-se então ao importar-se com. É que andamos muito ocupados em ser
perfeitos. Mesmo que ser perfeito signifique apegar-se a detalhes ínfimos e
apontar a imperfeição alheia para colocar em destaque a pretensa superioridade
que ainda estamos longe de possuir... Quanta ilusão!
Se o
companheiro procura ajuda, lá vem o julgamento implacável implícito na
“receitinha de bolo”: Prece, água fluidificada, redobrar a vigilância... Com
direito, é claro, a sorrisinho paternalista e tapinha nas costas. Dali cada
qual pro seu lado e a cômoda sensação de dever cumprido, sem que tenhamos,
entretanto, caminhado um milímetro sequer em direção às reais necessidades do
outro. Sem contar que, convenhamos, numa quase ditadura da pseudo-santidade
como critério de “promoção” a trabalhador espírita, raros são os que têm
coragem de expor suas dificuldades, por mais que estejam passando o pão que o
diabo amassou. Afinal, reza a lenda que espírita não pode estar sujeito aos
problemas existenciais inerentes aos “reles mortais”, como stress, depressão,
frustração amorosa ou coisa que o valha. Daí o receio de se abrir, pois mostrar
alguma fragilidade pode significar perda de credibilidade e exclusão dos
trabalhos, pode render o estigma indigesto de obsediado.
Some-se a tudo
isso o fato que, embora espíritas, a maioria de nós tem vivido na prática como
bons materialistas. Interagindo numa sociedade altamente competitiva, temos
sido sutilmente seduzidos pelo supérfluo, em detrimento do essencial. O
objetivo primordial da vida passou a ser o sucesso profissional, social e
financeiro, que inclui produzir, consumir e ostentar (desde títulos acadêmicos
e profissionais a bens materiais). Mas ser “bem sucedido” dá muito trabalho. Os
inúmeros cursos, viagens e horas extras à noite, fins de semana e feriados,
somados à necessidade exacerbada de ter, tomam-nos muito tempo. Então os
compromissos espirituais deixam de ser prioridade. Vão sendo adiados ou
assumidos pela metade, encaixados nas sobras de tempo que restam de tudo o que
é material e “urgente.” Passa-se então a ir à Casa Espírita quando dá... Só pra
bater o ponto... E de preferência “correndinho,” como quem dá um pulinho no
supermercado mais próximo só pra suprir uma ou outra coisa que está em falta na
despensa. Nem bem acabou o “assim seja” e as pessoas já saem feito foguete para
“levar ou buscar Fulaninho e Beltraninha não sei onde”... Ou para compromissos
que poderiam tranquilamente ser agendados em outra data.
Ora, quanto
mais superficial a convivência, mais frieza nas relações. Passamos então a nos
esbarrar na Instituição, não como irmãos, mas como meros colegas de trabalho; a
viver uma vida paralela fora do Grupo Espírita, com um circulo de relações à
parte, onde dificilmente há lugar para os companheiros de ideal.
Em que vão
escuro do preciosismo doutrinário e do igrejismo teremos perdido a
sensibilidade, o prazer de estar juntos, os laços de amizade que extrapolavam
os muros da Casa Espírita? Em que lugar do tempo foram parar as gostosas
confraternizações extra-reuniões... Os agradáveis bate-papos após as
atividades... A amizade parceira que se estendia para os programas de lazer em
comum... O olhar atento que detectava quando esse ou aquele amigo não estava
bem... O interesse verdadeiro pelo bem-estar uns dos outros?... Talvez seja mais fácil culpar a correria e o
medo da violência dos dias atuais - alegando que é perigoso chegar tarde em casa
ou pretextando falta de tempo ou pretextando “a ante os”?- do que responder
honestamente a essas perguntas, mas uma coisa é inegável: Coragem é questão de
fé, e tempo é questão de prioridade.
E são tantos os
irmãos que reclamam atenção especial... Companheiros solitários para os quais
os fins de semana são intermináveis e que, se acolhidos, com certeza se
sentiriam muito melhor!... Companheiros em processos reencarnatórios difíceis
ou em períodos de crise existencial, para os quais faria toda a diferença uma
conversa amorosa, a presença amiga naquele momento crucial ou a festinha
surpresa de aniversário. Celebrar gente é trabalhar a auto-estima individual e
coletiva. Quando as pessoas se sentem valorizadas, quando são envolvidas em
ambiente de carinho, alegria e leveza, todo o grupo se torna mais harmônico,
feliz e produtivo.
“Espíritas,
amai-vos e instruí-vos!” - Recomendou o Espírito de Verdade. A construção da
frase sinaliza, clara e pedagogicamente, para a ação prioritária. Teoria já
temos de sobra. Agora é aplicá-la no cotidiano das relações. É avaliar com
honestidade até que ponto ser impecável, indispensável e PHD em Espiritismo,
tem sido mais importante do que ser irmão.
“Reconhecereis
os meus discípulos por muito se amarem” – afirmou Jesus. Neste momento é
imperioso resgatar a nossa identidade de seguidores sinceros do Mestre,
buscando interagir com sinceridade e companheirismo. Como distribuir aos que
chegam o afeto, o aconchego e a tolerância que sequer conseguimos construir
entre nós, companheiros de caminhada e de ideal?
Repensemos.
Continuar a brincar de ser fraternos, alimentando a distância entre o discurso
e a pratica da legítima fraternidade, é um enorme desserviço a nossa própria
evolução e felicidade. O mundo espiritual tem nos alertado que das boas
intenções de teóricos e indiferentes espíritos-espíritas o umbral já está
cheio... E os hospitais das colônias espirituais também!. Muito embora - pra
sorte nossa - em casos de extrema pobreza e vulnerabilidade espiritual a
Misericórdia Divina nunca negue licença pra mais um puxadinho.
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