No Capítulo VIII, do Livro dos
Espíritos, item “O Sono e os Sonhos”, temos as respostas recebidas pelo Allan
Kardec, dos Espíritos Superiores, sobre o tema.
Quando questionado se o Espírito
encarnado permanece voluntariamente no envoltório corporal[1],
a resposta recebida foi de que é como perguntar se o prisioneiro está
satisfeito sob as chaves. O Espírito encarnado aspira incessantemente à
libertação, e quanto mais grosseiro é o envoltório, mais deseja ver-se
desembaraçado.
A alma não repousa como o corpo[2].
O Espírito jamais fica inativo. Durante o sono, os liames que o unem ao corpo
se afrouxam e o corpo não necessita do Espírito. Então ele percorre o espaço e
entra em relação mais direta com os outros Espíritos.
Pelos sonhos podemos avaliar a
liberdade do Espírito durante o sono[3].
Sabeis que, quando o corpo repousa, o Espírito dispõe de mais faculdades que no
estado de vigília. Tem a lembrança do passado e às vezes a previsão do futuro;
adquire mais poder e pode entrar em comunicação com os outros Espíritos, seja
deste mundo, seja de outro. Frequentemente dizes: "Tive um sonho bizarro,
um sonho horrível, mas que não tem nenhuma verossimilhança". Enganas-te. É
quase sempre uma lembrança de lugares e de coisas que viste ou que verás numa
outra existência ou em outra ocasião. O corpo estando adormecido, o Espírito
trata de quebrar as suas cadeias para investigar no passado ou no futuro.
Pobres homens, que conheceis tão
pouco dos mais ordinários fenômenos da vida! Acreditais ser muito sábios, e as
coisas mais vulgares vos embaraçam. A esta pergunta de todas as crianças:
"O que é que fazemos quando dormimos; o que são os sonhos?" ficais
sem resposta.
O sono liberta parcialmente a
alma do corpo. Quando o homem dorme, momentaneamente se encontra no estado em
que estará de maneira permanente após a morte. Os Espíritos que logo se
desprendem da matéria, ao morrerem, tiveram sonhos inteligentes. Esses
Espíritos, quando dormem, procuram a sociedade dos que lhes são superiores:
viajam, conversam e se instruem com eles; trabalham mesmo em obras que
encontram concluídas, ao morrer. Destes fatos deveis aprender, uma vez mais, a
não ter medo da morte, pois morreis todos os dias, segundo a expressão de um
santo.
Isto, para os Espíritos
elevados; pois a massa dos homens que, com a morte, devem permanecer longas
horas nessa perturbação, nessa incerteza de que vos têm falado, vão, seja a
mundos inferiores a Terra, onde antigas afeições os chamam, seja à procura de
prazeres talvez ainda mais baixos do que possuíam aqui; vão beber doutrinas
ainda mais vis, mais ignóbeis, mais nocivas do que as que professavam entre
vós. E o que engendra a simpatia na Terra não é outra coisa senão o fato de nos
sentirmos, ao acordar, ligados pelo coração àqueles com quem acabamos de passar
oito ou nove horas de felicidade ou de prazer. O que explica também as
antipatias invencíveis é que sentimos, no fundo do coração, que essas pessoas
têm uma consciência diversa da nossa, porque as conhecemos sem jamais as ter
visto. É ainda o que explica a indiferença, pois não procuramos fazer novos
amigos quando sabemos ter os que nos amam e nos querem. Numa palavra: o sono
influi mais do que pensais, sobre a vossa vida.
Por efeito do sono, os Espíritos
encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos, e é isso o que
faz que os Espíritos superiores consintam, sem muita repulsa, em encarnar-se
entre vós. Deus quis que, durante o seu contato com o vício, pudessem eles retemperar-se
na fonte do bem, para não falirem, eles que vinham instruir os outros. O sono é
a porta que Deus lhes abriu para o contato com os seus amigos do céu; é o
recreio após o trabalho, enquanto esperam o grande livramento, a libertação
final, que deve restituí-los ao seu verdadeiro meio.
O sonho é a lembrança do que o
vosso Espírito viu durante o sono; mas observai que nem sempre sonhais, porque
nem sempre vos lembrais daquilo que vistes, ou de tudo o que vistes.
Isso porque não tendes a vossa
alma em todo o seu desenvolvimento; frequentemente não vos resta mais do que a
lembrança da perturbação que acompanha a vossa partida e a vossa volta, a que
se junta à lembrança do que fizestes ou do que vos preocupa no estado de
vigília. Sem isto, como explicaríeis esses sonhos absurdos, a que estão
sujeitos tanto os mais sábios quanto os mais simples? Os maus Espíritos também
se servem dos sonhos para atormentar as almas fracas e pusilânimes.
De resto, vereis dentro em pouco
desenvolver-se uma outra espécie de sonhos; uma espécie tão antiga como a que
conheceis, mas que ignorais. O sonho de Joana, o sonho de Jacó, o sonho dos
profetas judeus e de alguns adivinhos indianos: esse sonho é a lembrança da
alma inteiramente liberta do corpo, a recordação dessa segunda vida de que há
pouco eu vos falava.
Procurai distinguir bem essas
duas espécies de sonhos, entre aqueles de que vos lembrardes; sem isso,
cairíeis em contradições e em erros que seriam funestos para a vossa fé.
Os sonhos são o produto da
emancipação da alma, que se torna mais independente pela suspensão da vida
ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida, que se estende
aos lugares, os mais distantes ou que jamais se viu, e algumas vezes mesmo a outros
mundos. Daí também a lembrança que retraça na memória os acontecimentos verificados
na existência presente ou nas existências anteriores. A extravagância das imagens
referentes ao que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, entremeadas de
coisas do mundo atual, formam esses conjuntos bizarros e confusos que parecem
não ter nem senso, nem nexo.
A incoerência dos sonhos ainda
se explica pelas lacunas decorrentes da lembrança incompleta do que nos
apareceu no sonho. Tal como um relato ao qual se tivessem truncado frases ou
partes de frases ao acaso: os fragmentos restantes, sendo reunidos, perderiam
toda significação racional.
Nisso que chamas sono só tens o
repouso do corpo, porque o Espírito está sempre em movimento. No sono, ele
recobra um pouco de sua liberdade e se comunica com os que lhe são caros, seja
neste ou em outros mundos. Mas, como o corpo é de matéria pesada e grosseira,
dificilmente conserva as impressões recebidas pelo Espírito, mesmo porque o Espírito
não as percebeu pelos órgãos do corpo[4].
Os sonhos não são verdadeiros[5],
como entendem os ledores da sorte, pelo que é absurdo admitir que sonhar com
uma coisa anuncia outra. Eles são verdadeiros no sentido de apresentarem
imagens reais para o Espírito, mas que, frequentemente, não têm relação com o que
se passa na vida corpórea. Muitas vezes ainda, como já dissemos são uma
recordação.
Podem ser, enfim, algumas vezes,
um pressentimento do futuro, se Deus o permite, ou a visão do que se passa no
momento em outro lugar, a que a alma se transporta. Não tendes numerosos
exemplos de pessoas que aparecem em sonhos para advertir parentes e amigos do
que lhes está acontecendo? O que são essas aparições, senão a alma ou o
Espírito dessas pessoas que se comunicam com a vossa? Quando adquiris a certeza
de que aquilo que vistes realmente aconteceu, não é isso uma prova de que a
imaginação nada tem com o fato, sobretudo se o ocorrido absolutamente não
estava no vosso pensamento durante a vigília?
Frequentemente se veem em sonhos
coisas que parecem pressentimentos e que não se cumprem[6],
porém podem cumprir-se para o Espírito, se não se cumprem para o corpo. Quer
dizer que o Espírito vê aquilo que deseja, porque vai procurá-lo. Não se deve
esquecer que, durante o sono, a alma está sempre mais ou menos sob a influência
da matéria, e, por conseguinte, não se afasta jamais completamente das ideias.
Disso resulta que as preocupações da vigília podem dar, àquilo que se vê, a
aparência do que se deseja ou do que se teme. A isso é que realmente se pode
chamar um efeito da imaginação. Quando se está fortemente preocupado com uma
ideia, liga-se a ela tudo o que se vê.
Quando vemos em sonho pessoas
vivas, que conhecemos perfeitamente, praticarem atos em que absolutamente não
pensam, não é isso um efeito de pura imaginação?[7]
Em que absolutamente não pensam? Como o sabes? Seus Espíritos podem visitar o
teu, como o teu pode visitar os deles, e nem sempre sabes o que pensam. Além
disso, frequentemente aplicais, a pessoas que conheceis, e segundo os vossos
desejos, aquilo que se passou ou se passa em outras existências.
Não é necessário o sono completo
para a emancipação do Espírito[8].
O Espírito recobra a sua liberdade quando os sentidos se entorpecem; ele
aproveita, para se emancipar, todos os instantes de descanso que o corpo lhe
oferece. Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende,
e quanto mais fraco estiver o corpo,
mais o Espírito estará livre.
É assim que o cochilar, ou um
simples entorpecimento dos sentidos, apresenta muitas vezes as mesmas imagens
do sonho.
Parece-nos, às vezes, ouvir em
nosso íntimo palavras pronunciadas distintamente, e que não têm nenhuma relação
com o que nos preocupa, e até mesmo frases inteiras, sobretudo quando os
sentidos começam a se entorpecer[9].
É, às vezes, o fraco eco de um Espírito que deseja comunicar-se contigo.
Muitas vezes, num estado que
ainda não é o cochilo, quando temos os olhos fechados, vemos imagens distintas,
figuras das quais apanhamos os pormenores mais minuciosos[10].
Entorpecido o corpo, o Espírito trata de quebrar a sua cadeia: ele se
transporta e vê, e se o sono fosse completo, isso seria um sonho.
Têm-se às vezes, durante o sono
ou o cochilo, ideias que parecem muito boas, e que, apesar dos esforços que se
fazem para recordá-las, se apagam da memória[11].
É o resultado da liberdade do Espírito, que se emancipa e goza, nesse momento,
de mais amplas faculdades. Frequentemente, também, são conselhos dados por
outros Espíritos.
Essas ideias pertencem, algumas
vezes, mais ao mundo dos Espíritos que ao mundo corpóreo, mas o mais frequente
é que se o corpo as esquece, o Espírito as lembra, e a ideia volta no momento
necessário, como uma inspiração do momento[12].
Muitas vezes, o Espírito
encarnado, nos momentos em que se desprende da matéria e age como Espírito, pressente
a época de sua morte[13];
e às vezes tem dela uma consciência bastante clara, o que lhe dá, no estado de
vigília, a sua intuição. É por isso que algumas pessoas preveem às vezes a própria
morte com grande exatidão.
A atividade do Espírito, durante
o repouso ou o sono do corpo, pode fatigar a este[14],
porque o Espírito está ligado ao corpo, como o balão cativo ao poste. Ora, da
mesma maneira que as sacudidelas do balão abalam o poste, a atividade do
Espírito reage sobre o corpo, e pode produzir-lhe fadiga.
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