domingo, 28 de junho de 2015

O Amor[1]




          O amor é a celeste atração das almas e dos mundos, a potência divina que liga os Universos, governa-os e fecunda; o amor é o olhar de Deus!
          Não se designe com tal nome a ardente paixão que atiça os desejos carnais. Esta não passa de uma imagem, de um grosseiro simulacro do amor. O amor é o sentimento superior em que se fundem e se harmonizam todas as qualidades do coração; é o coroamento das virtudes humanas, da doçura, da caridade, da bondade; é a manifestação na alma de uma força que nos eleva acima da matéria, até alturas divinas, unindo todos os seres e despertando em nós a felicidade íntima, que se afasta extraordinariamente de todas as volúpias terrestres.
          Amar é sentir-se viver em todos e por todos, é consagrar-se ao sacrifício, até à morte, em benefício de uma causa ou de um ser. Se quiserdes saber o que é amar, considerai os grandes vultos da Humanidade e, acima de todos, o Cristo, o amor encarnado, o Cristo, para quem o amor era toda a moral e toda a religião. Não disse ele: “Amai os vossos inimigos”?
          Por essas palavras, o Cristo não exige da nossa parte uma afeição que nos seja impossível, mas sim a ausência de todo ódio, de todo desejo de vingança, uma disposição sincera para ajudar nos momentos precisos aqueles que nos atribulam, estendendo-lhes um pouco de auxílio.
          Uma espécie de misantropia, de lassidão moral por vezes afasta do resto da Humanidade os bons Espíritos. É necessário reagir contra essa tendência para o insulamento; devemos considerar tudo o que há de grande e belo no ser humano, devemos recordar-nos de todos os sinais de afeto, de todos os atos benévolos de que temos sido objeto. Que poderá ser o homem separado dos seus semelhantes, privado da família e da pátria? Um ente inútil e desgraçado. Suas faculdades estiolam-se, suas forças se enfraquecem, a tristeza invade-o. Não se pode progredir isoladamente. É imprescindível viver com os outros homens, ver neles companheiros necessários, O bom humor constitui a saúde da alma. Deixemos o nosso coração abrir-se às impressões sãs e fortes. Amemos para sermos amados!
          Se nossa simpatia deve abranger a todos os que nos rodeiam, seres e coisas, a tudo o que nos ajuda a viver e mesmo a todos os membros desconhecidos da grande família humana, que amor profundo, inalterável, não devemos aos nossos genitores: ao pai, cuja solicitude manteve a nossa infância, que por muito tempo trabalhou em aplanar a rude vereda da nossa vida; à mãe, que nos acalentou e nos reaqueceu em seu seio, que velou com ansiedade os nossos primeiros passos e as nossas primeiras dores! Com que carinhosa dedicação não deveremos rodear-lhes a velhice, reconhecer-lhes o afeto e os cuidados assíduos!
          À pátria também devemos o nosso concurso e o nosso sacrifício. Ela recolhe e transmite a herança de numerosas gerações que trabalharam e sofreram para edificar uma civilização de que recebemos os benefícios ao nascer. Como guarda dos tesouros intelectuais acumulados pelas idades, ela vela pela sua conservação, pelo seu desenvolvimento; e, como mãe generosa, os distribui por todos os seus filhos. Esse patrimônio sagrado, ciências e artes, leis, instituições, ordem e liberdade, todo esse acervo produzido pelo pensamento e pelas mãos dos homens, tudo o que constitui a riqueza, a grandeza, o gênio da nação, é compartilhado por todos. Saibamos cumprir os nossos deveres para com a pátria na medida das vantagens que auferimos. Sem ela, sem essa civilização que ela nos lega, não seríamos mais que selvagens.
          Veneremos a memória desses que têm contribuído com suas vigílias e com seus esforços para reunir e aumentar essa herança; veneremos a memória dos heróis que têm defendido a pátria nas ocasiões criticas, de todos esses que têm, até à hora da morte, proclamado a verdade, servido à justiça, e que nos transmitiram, tingidas pelo seu sangue, as liberdades, os progressos que agora gozamos.
          O amor, profundo como o mar, infinito como o céu, abraça todas as criaturas. Deus é o seu foco. Assim como o Sol se projeta, sem exclusões, sobre todas as coisas e reaquece a natureza inteira, assim também o amor divino vivifica todas as almas; seus raios, penetrando através das trevas do nosso egoísmo, vão iluminar com trêmulos clarões os recônditos de cada coração humano. Todos os seres foram criados para amar. As partículas da sua moral, os germes do bem que em si repousam, fecundados pelo foco supremo, expandir-se-ão algum dia, florescerão até que todos sejam reunidos numa única comunhão do amor, numa só fraternidade universal.
          Quem quer que sejais, vós que ledes estas páginas, sabei que nos encontraremos algum dia, quer neste mundo, nas existências vindouras, quer em esfera mais elevada ou na imensidade dos espaços; sabei que somos destinados a nos influenciarmos no sentido do bem, a nos ajudarmos na ascensão comum. Filhos de Deus, membros da grande família dos Espíritos, marcados na fronte com o sinal da imortalidade, todos somos irmãos e estamos destinados a conhecermo-nos, a unirmo-nos na santa harmonia das leis e das coisas, longe das paixões e das grandezas ilusórias da Terra. Enquanto esperamos esse dia, que meu pensamento se estenda sobre vós como testemunho de terna simpatia; que ele vos ampare nas dúvidas, vos console nas dores, vos conforte nos desfalecimentos e que se junte ao vosso próprio pensamento para pedir ao Pai comum que nos auxilie a conquistar um futuro melhor.


[1] Depois da Morte – Leon Denis – Capítulo 49

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