O homem é o único “animal ético”
que existe. Não obstante, um exame da sociedade, nas suas variadas épocas,
devido à agressividade bélica, à indiferença pela vida, à barbárie de que dá
mostras em inúmeras ocasiões, nos demonstre o contrário. Somente ele pode
apresentar uma “consciência criativa”, pensar em termos de abstrações como a
beleza, a bondade, a esperança, e cultivar ideais de enobrecimento. Essa
consciência ética nele existe em potencial, aguardando que seja desenvolvida mediante
e após o autodescobrimento, a aquisição de valores que lhe proporcionem o senso
de liberdade para eleger as experiências que lhe cabem vivenciar.
Atavicamente receoso,
experimenta conflitos que o atormentam, dificultando-lhe discernir entre o
certo e o errado, o bem e o mal, o bom e o pernicioso. Ainda dominado pelo
egocentrismo da infância, de que não se libertou, pensa que o mundo existe para
que ele o desfrute, e as pessoas a fim de que o sirvam, disputando e tomando, à
força, o que supõe pertencer-lhe por direito ancestral.
Diversos caminhos, porém, deverá
ele percorrer para que a autoconsciência lhe descortine as aquisições éticas
indispensáveis: a afirmação de si mesmo, a introspecção, o amadurecimento
psicológico e a autovalorização entre outros...
O “negar-se a si mesmo” do
Evangelho, que faculta a personalidades patológicas o mergulho no abandono do
corpo e da vida, em reação cruel, destituído de objetivo libertador, aqui
aparece como mecanismo de fuga da realidade, medo de enfrentar a sociedade e de
lutar para conseguir o seu “lugar ao Sol”, como membro atuante e útil da
humanidade, que necessita crescer graças à sua ajuda. Este conceito cristão
mantém as suas raízes na necessidade de “negar-se” ao ego prepotente e
dominador, a vassalagem do próximo, em favor das suas paixões, a fim de seguir
o Cristo, aqui significando a verdade que liberta.
O desprezo a si mesmo,
literalmente considerado, constitui reação de ódio e ressentimento pela vida e
pela humanidade, mortificando o corpo ante a impossibilidade de flagiciar a
sociedade.
O homem que se afirma pela ação
bem direcionada, conquista resistência para perseverar na busca das metas que
estabelece, amadurecendo a consciência ética de responsabilidade e dever, o que
o credencia a logros mais audaciosos.
Ele rompe as algemas da timidez,
saindo do calabouço da preocupação, às vezes, patológica, de parecer bem, de
ser tido como pessoa realizada ou de viver fugindo do contato social. Ou, pelo
contrário, canaliza a agressividade, a impetuosidade de que se vê possuído para
superar os impulsos ansiosos, aprendendo a conviver com o equilíbrio e em
grupo, no qual há respeito entre os seus membros, sem dominadores nem
dominados.
Consegue o senso de planejamento das suas ações, criando um ritmo de trabalho
que o não exaure no excesso, nem o amolenta na ociosidade, participando do
esforço geral para o seu e o progresso da comunidade. Adquire um conceito
lógico de tempo e oportunidade para a realização dos seus empreendimentos,
confiando com tranquilidade no resultado dos esforços dispendidos.
Mediante a autoconsciência,
aplica de maneira salutar as experiências passadas, sem saudosismo, sem
ressentimentos, planejando as novas com um bem delineado programa que resulta
do processamento dos dados já vividos e adicionados às expectativas em pauta a
viver.
Por sua vez, o fenômeno da
autoconsciência consiste no conhecimento lógico do que fazer e como executá-lo,
sem conceder-lhe demasiada importância, que se transforme numa obsessão, pela
minudência de detalhes e face ao excesso de cuidados, correndo o risco do
lamentável perfeccionismo. Ele resulta de uma forma de dilatação do que se
sabe, de uma consciência vigilante e lúcida do que se realiza, expandindo a
vida e, como efeito, graças ao dinamismo adquirido, sentir-se liberado de
tensões, fora de conflitos. Esta conquista de si mesmo enseja maior soma de
realizações, mais amplo campo de criatividade, mais espontaneidade.
A introspecção ajuda-o, por ser
o processo de conduzir a atenção para dentro, para a análise das possibilidades
íntimas, para a reflexão do conteúdo emocional e a meditação que lhe desenvolva
as forças latentes. Desse modo, não pode afastar o homem para lugares especiais, ou favorecer
comportamentos exóticos, desligando-se do mundo objetivo e caindo em alienação.
Vivendo-se no mundo, torna-se
inevitável vencer-lhe os impositivos negativos, tempestuosos das pressões
esmagadoras. Diante dos seus desafios, enfrenta-los com natural disposição de
luta, não alterando o comportamento, nem o deixando estiolar-se.
E muito comum a atitude
apressada de viver-se emocionalmente
acontecimentos futuros que certamente não se darão, ou que ocorrerão de forma
diversa da que a ansiedade estabelece. As impressões do futuro, como
consequência de tal conduta, antecipam-se, afligindo, sem que o indivíduo viva
as realidades do presente, confortadoras.
Para esta conduta ansiosa Jesus
recomendava que “a cada dia baste a sua aflição”, favorecendo o ser com o
equilíbrio para manter-se diante de cada hora e fruí-la conforme se apresente.
A introspecção cria o clima de
segurança emocional para a realização de cada ação de uma vez e a vivência de
cada minuto no seu tempo próprio. Ajuda a manter a calma e a valorizar a
sucessão das horas. O homem introspectivo, todavia, não se identifica pela
carranca, pela severidade do olhar, pela distância da realidade, tampouco pela
falsa superioridade em relação às outras pessoas. Tais posturas são
formalistas, que denunciam preocupação com o exterior sem contribuição íntimo-transformadora.
Antes, surge com peculiar luminosidade na face e no olhar, comedido ou atuando
conforme o momento, porem sem perturbar-se ou perturbar, transmitindo
serenidade, confiança e vigor. A introspecção torna-se um ato saudável, não um
vício ou evasão da realidade.
À medida que o homem se penetra,
mais amadurece psicologicamente, saindo da proteção fictícia em que se esconde
— dependência da mãe, da infância, do
medo, da ansiedade, do ódio e do ressentimento, da solidão — para assumir a sua
identidade, a sua humanidade.
As ações humanistas são o passo
que desvela a consciência ética no indivíduo que já não se contenta com a
experiência do prazer pessoal, egoísta, dando-se conta das necessidades que lhe
vigem em volta, aguardando a sua contribuição.
Nesse sentido, a sua humanidade
se dilata, por perceber que a felicidade é um estado de bem-estar que se
irradia, alcançando outros indivíduos ao invés de recolher-se em detrimento do
próximo. Qual uma luz, expande-se em todas as direções, sem perder a plenitude
do centro de onde se agiganta. Amplia-se-lhe, desta forma, o senso da
responsabilidade pela vida em todas as suas expressões, tornando-o um ser
humano ético, que é agente do progresso, das edificações beneficentes e
culturais.
A perseguição da inveja não o
perturba, tampouco a bajulação da indignidade o sensibiliza.
Paira nele uma compreensão dos
reais valores, que o propele a avançar sem timidez, sem pressa, sem temor. A
sua se transforma em uma existência útil para o meio social, tornando-se parte
ativa da comunidade que passa a servir, sem autoritarismo nem prejuízo
emocional para si mesmo ou para o grupo.
A consciência ética é a
conquista da iluminação, da lucidez intelecto-moral, do dever solidário e
humano. Ela proporciona uma criatividade construtiva ilimitada, que conduz à
santificação, na fé e na religião; ao heroísmo, na luta cotidiana e nas
batalhas profissionais; ao apogeu, na arte, na ciência, na filosofia, pelo
empenho que enseja em favor de uma plena identificação com o ideal esposado.
São Vicente de Paulo, Nietzsche,
Allan Kardec, Freud, Schweitzer, Cézanne são exemplos diversos de homens que
adquiriram um estado de consciência ética aplicada em favor da humanidade.
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