Allan Kardec
Chaudruc-Duclos
1. Evocação.
– Estou aqui.
Médium vidente, o Sr.
Adrien, que jamais o vira em vida, fez-lhe o seguinte retrato, considerado
muito exato pelas pessoas presentes que o haviam conhecido: Rosto comprido;
faces escavadas; fronte arqueada e enrugada. Nariz um pouco grande, levemente
curvado; olhos cinzentos e um pouco à flor das órbitas; boca pequena e
zombeteira; tez um pouco pálida; cabelos grisalhos e longa barba. Estatura
acima da média. Paletó de tecido azul, todo puído e esburacado; calças pretas,
surradas e em farrapos; colete claro; lenço de cor imprecisa, amarrado à guisa
de gravata.
2. Lembrais da vossa última existência terrestre?
– Perfeitamente.
3. Que motivo vos fez levar o gênero de vida que adotastes?
– Estava fatigado da vida e tinha pena dos homens e dos
motivos de suas ações.
4. Dizem que era por vingança e para humilhar um parente
rico; é verdade?
– Não apenas por isso; ao humilhar esse homem, eu
humilhava muitos outros.
5. Se era uma vingança, ela vos custava caro, porquanto
durante longos anos ficastes privado de todos os prazeres sociais, a fim de
satisfazê-la. Isso não vos era muito pesado?
– Eu os desfrutava de outra maneira.
6. Havia, ao lado disso, um pensamento filosófico que fez
com que o comparassem a Diógenes?
– Havia alguma relação com a parte menos sadia da
filosofia desse homem.
7. Que pensais de Diógenes?
– Pouca coisa; um pouco daquilo que penso de mim. Sobre
nós Diógenes tinha a vantagem de ter feito, alguns milhares de anos mais cedo,
aquilo que agora faço e em meio a homens menos civilizados do que aqueles em
cujo meio eu vivia.
8. Entre vós e Diógenes há, entretanto, uma diferença: neste
a conduta era consequência de seu sistema filosófico, enquanto a vossa teve
origem numa vingança!
– Em mim a vingança conduziu a uma filosofia.
9. Sofrestes por vos ver assim isolado e ser objeto de
desprezo e de repugnância, considerando-se que vossa educação vos afastava da sociedade
dos mendigos e vagabundos e éreis repelido pelas pessoas educadas?
– Eu sabia que não temos amigos na Terra; eu o havia
provado, infelizmente.
10. Quais as vossas ocupações pessoais e onde passais o tempo?
– Percorro mundos melhores e me instruo... Lá existem
tantas almas boas que nos revelam a ciência celeste dos Espíritos!
11. Viestes algumas vezes ao Palais-Royal depois de vossa morte?
– Que me importa o Palais-Royal!
12. Dentre as pessoas que aqui se acham, reconheceis alguma que
conhecestes em vossas peregrinações no Palais-Royal?
– Como não as reconheceria?
13. É com prazer que as revedes?
– Com prazer maior ainda: foram boas para mim.
14. Revistes vosso amigo Charles Nodier?
– Sim, sobretudo depois de sua morte.
15. Está errante ou reencarnado?
– Errante como eu.
16. Por que escolhestes o Palais-Royal, então o local mais frequentado
de Paris, para os vossos passeios? Isto não estaria em desacordo com vossos
gostos de misantropo?
– Lá eu via todo mundo, todas as tardes.
17. Não haveria de vossa parte, talvez, um sentimento de orgulho?
– Sim, infelizmente; o orgulho teve uma boa parte em
minha vida.
18. Sois mais feliz agora?
– Oh! Sim.
19. Entretanto, vosso gênero de vida não deveria ter contribuído
para o vosso aperfeiçoamento?
– Essa existência terrena! Muito mais do que poderíeis
pensar; eu não passava momentos sombrios quando entrava sozinho e desolado em
casa. Lá eu tinha tempo de amadurecer minhas ideias.
20. Se tivésseis que escolher outra existência, como o
faríeis?
– Não na Terra; hoje posso esperar melhor.
21. Lembrais de vossa penúltima existência?
– Sim, e de outras também.
22. Onde vivestes essas existências?
– Na Terra e em outros mundos.
23. E a penúltima?
– Na Terra.
24. Podeis torná-la conhecida?
– Não o posso; era uma existência obscura e oculta.
25. Sem nos revelar essa existência, poderíeis dizer que
relação possuía com a que conhecemos, porquanto uma deve ser a consequência da outra?
– Não exatamente uma consequência, mas um complemento; eu
tinha vida infeliz, pelos vícios e defeitos que se modificaram bastante, antes
que viesse animar o corpo que conhecestes.
26. Poderemos fazer alguma coisa que vos seja útil e
agradável?
– Ah! Pouco; hoje estou muito acima da Terra.
Diógenes Duclos
1. Evocação.
– Ah! Como venho de longe!
2. Podereis aparecer ao Sr. Adrien, nosso médium vidente, tal
qual éreis na existência que vos conhecemos?
– Sim; e até mesmo, se quiserdes, vir com minha lanterna.
Fronte larga, com
saliências laterais bem pronunciadas; nariz fino e aquilino, boca grande e
séria; olhos negros e encovados; olhar penetrante e zombeteiro. Rosto um pouco
alongado, magro e cheio de rugas; tez pálida; bigodes e barba incultos; cabelos
cinzentos e ralos. Roupas brancas e muito sujas; braços nus, assim como as
pernas; corpo magro e ossudo. Sandálias em mau estado, amarradas às pernas por
correias.
3. Dissestes que vínheis de longe; de que mundo viestes?
– Não o conheceis.
4. Teríeis a bondade de responder a algumas pergunta?
– Com prazer.
5. A existência que vos conhecemos sob o nome de Diógenes, o
Cínico, foi proveitosa para a vossa felicidade futura?
– Bastante. Laborais em erro levando-a ao ridículo, como
fizeram meus contemporâneos. Admiro-me mesmo de que a História haja esclarecido
tão pouco minha existência e que a posteridade tenha sido, pode-se dizer,
injusta a meu respeito.
6. Que bem pudestes fazer, considerando-se que vossa existência
foi muito pessoal?
– Trabalhei para mim, mas podiam ter aprendido muito
comigo.
7. Quais as qualidades que gostaríeis de encontrar no homem que
procuráveis com vossa lanterna?
– Firmeza.
8. Se tivésseis encontrado em vosso caminho o homem que acabamos
de invocar, Chaudruc-Duclos, teríeis achado nele o homem que procuráveis?
Também ele voluntariamente se privava de tudo quanto fosse supérfluo?
− Não.
9. Que pensais dele?
– Sua alma perdeu-se na Terra; quantos são como ele sem o
saberem; pelo menos ele o sabia.
10. Acreditastes possuir as qualidades que buscáveis no homem?
– Sem dúvida; esse era o meu critério.
11. Dos filósofos do vosso tempo, qual o que vos merece a preferência?
– Sócrates.
12. Qual o que preferis agora?
– Sócrates.
13. O que dizeis de Platão?
– Muito duro; sua filosofia é bastante severa. Eu admitia
os poetas; ele, não.
14. O que se conta a respeito de vossa entrevista com Alexandre
é verdade?
– Muito real; a História até a truncou.
15. Em que a História a truncou?
– Ouço falar das outras conversas que fizemos juntos;
acreditais que ele me tivesse vindo ver para dizer somente uma palavra?
16. As palavras que se lhe atribui, de que se ele não fosse Alexandre
gostaria de ser Diógenes, são verdadeiras?
– Talvez as tenha dito, mas não à minha frente. Alexandre
era um jovem maluco, vão e orgulhoso; a seus olhos eu era um mendigo. Como o tirano
ousaria mostrar-se instruído pelo miserável?
17. Depois de vossa existência em Atenas reencarnastes na Terra?
– Não, mas em outros mundos. Atualmente pertenço a um
orbe em que não somos escravos, ou seja: se vos evocassem em estado de vigília
não poderíeis atender ao chamado, como o faço esta noite.
18. Poderíeis traçar-nos o quadro das qualidades que buscáveis
no homem, tais como as concebíeis então e tais como as concebeis agora?
– Sim:
§ Antes
: Coragem, ousadia, segurança de si mesmo e poder sobre os homens pela razão.
§ Agora
: Abnegação, doçura e poder sobre os homens pelo coração
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