Allan Kardec
O fenômeno das aparições
apresenta-se hoje sob um aspecto de certo modo novo, projetando viva luz sobre
os mistérios da vida de além-túmulo. Antes de abordar os estranhos fatos que
vamos relatar, julgamos de nosso dever repetir a explicação que foi dada e
completá-la.
Não se deve de maneira alguma
perder de vista que, durante a vida, o Espírito se encontra unido ao corpo por
uma substância semimaterial, que constitui um primeiro envoltório e que
designamos sob o nome de perispírito. Tem, pois, o Espírito dois envoltórios:
um grosseiro, pesado e destrutível – o corpo; e outro etéreo, vaporoso e
indestrutível – o perispírito. A morte nada mais é que a destruição do
envoltório grosseiro, é a roupa usada que deixamos; o envoltório semimaterial
persiste, constituindo, por assim dizer, um novo corpo para o Espírito. Essa
matéria eterizada – é bom que notemos – absolutamente não é a alma, é apenas o
seu primeiro envoltório. A natureza íntima dessa substância ainda não é
perfeitamente conhecida, mas a observação nos colocou no caminho de algumas de
suas propriedades. Sabemos que desempenha um papel capital em todos os
fenômenos espíritas; após a morte, é o agente intermediário entre o Espírito e
a matéria, assim como o corpo durante a vida. Por aí se explica uma porção de
problemas até então insolúveis. Veremos em artigo subsequente o papel que ele
representa nas sensações dos Espíritos. A descoberta do perispírito, portanto,
se assim nos podemos expressar, permitiu que a ciência espírita desse um passo
enorme e entrasse numa via inteiramente nova. Mas, direis, não será esse
perispírito uma criação fantástica da imaginação? Não seria mais uma dessas
suposições feitas pela ciência para explicar certos efeitos? Não; não é obra da
imaginação, porque foram os próprios Espíritos que o revelaram; não se trata de
ideia fantástica, desde que pode ser constatado pelos sentidos, ser visto e
tocado. A coisa existe, apenas o termo é nosso. Necessitamos de palavras novas
para exprimir coisas novas. Os próprios Espíritos o adotaram nas comunicações
que tivemos com eles.
Por sua natureza e em seu estado
normal, o perispírito é invisível para nós, embora possa sofrer modificações
que o tornam perceptível à vista, seja por uma espécie de condensação, seja por
uma mudança em sua disposição molecular: é então que nos aparece sob uma forma
vaporosa. A condensação – termo que utilizamos à falta de outro melhor, mas que
não deve ser tomado ao pé da letra – a condensação, dizíamos, pode ser de tal
intensidade que o perispírito passa a adquirir as propriedades de um corpo
sólido e tangível, conquanto seja capaz de retomar instantaneamente o seu
estado etéreo e invisível. Podemos ter uma ideia desse efeito pelo vapor, que é
capaz de passar da invisibilidade ao estado brumoso, depois ao líquido, em
seguida ao sólido e vice-versa. Esses diferentes estados do perispírito são o
produto da vontade do Espírito, e não de uma causa física exterior. Quando ele
nos aparece é que dá ao seu perispírito a propriedade necessária para torná-lo
visível, e essa propriedade ele a pode estender, restringir e fazer cessar à
vontade.
Uma outra propriedade da
substância do perispírito é a de penetrabilidade. Nenhuma matéria lhe opõe
obstáculo: ele as atravessa todas, como a luz atravessa os corpos
transparentes.
Separado do corpo, o perispírito
assume uma forma determinada e limitada, e essa forma normal é a do corpo
humano, embora não seja constante; o Espírito pode dar-lhe, à vontade, as mais
variadas aparências, mesmo a de um animal ou de uma chama.
Aliás, concebe-se isso muito
facilmente. Não vemos homens que imprimem ao rosto as mais diversas expressões,
imitando, a ponto de nos enganarem, a voz e as expressões de outras pessoas,
parecerem corcundas, coxas etc.? Quem na rua reconheceria certos atores que só
são vistos caracterizados no palco? Se, portanto, o homem pode assim dar ao seu
corpo material e rígido aparências tão contrárias, com mais forte razão o
Espírito poderá fazê-lo com um envoltório eminentemente flexível e que se pode
prestar a todos os caprichos da vontade.
Os Espíritos, pois, geralmente
nos aparecem sob a forma humana; em seu estado normal não tem essa forma nada
de bem característico, nada que os distinga uns dos outros de uma maneira muito
nítida; nos Espíritos bons, ela é ordinariamente bela e regular: longos cabelos
flutuantes sobre os ombros e túnicas a envolver-lhes o corpo. Mas quando querem
fazer-se reconhecidos, tomam exatamente todos os traços sob os quais eram
conhecidos e, quando necessário, até mesmo a aparência do vestuário. Assim,
para exemplificar, como Espírito, Esopo não é disforme: mas se for evocado como
Esopo, ainda que tivesse tido várias existências posteriores, apareceria feio e
corcunda, com a indumentária tradicional. Essa vestimenta, talvez, é o que mais
espanta; porém, se considerarmos que faz parte integrante do envoltório
semimaterial, concebe-se que o Espírito possa dar a esse envoltório a aparência
de tal ou qual vestuário, como a de tal ou qual fisionomia.
Tanto podem os Espíritos
aparecer em sonho como em estado de vigília; essas últimas não são raras nem
novas; sempre existiram em todos os tempos e a História as registra em grande
número; mas sem retroceder tanto, hoje essas visões são bastante frequentes e
muita gente, num primeiro instante, tomou-as por alucinações. São frequentes,
sobretudo nos casos de morte de pessoas ausentes, que vêm visitar seus parentes
ou amigos. Muitas vezes não têm um fim determinado, mas, em geral, podemos
dizer que os Espíritos que assim nos aparecem a nós são atraídos por simpatia.
Conhecemos uma jovem senhora que à noite, em sua casa, com ou sem iluminação,
via homens que entravam e saíam, embora as portas estivessem fechadas. Isso a
deixava muito espantada, tornando-a de uma pusilanimidade que tocava as raias
do ridículo.
Certo dia viu distintamente seu
irmão, então na Califórnia e que absolutamente não havia morrido, o que vem
provar que o Espírito dos vivos pode vencer as distâncias e aparecer num
determinado lugar, enquanto seu corpo repousa alhures. Desde que foi iniciada
no Espiritismo essa senhora não mais teve medo, porque se deu conta das visões
e sabe que os Espíritos que a vêm visitar não podem fazer-lhe nenhum mal.
Quando seu irmão apareceu, é provável que estivesse dormindo; se pudesse ter
explicado a sua presença poderia ter mantido conversação com ele, o qual, ao
despertar, talvez conservasse uma vaga lembrança desse encontro. Além disso, é
provável que nesse momento ele sonhasse que se achava ao lado da irmã.
Dissemos que o perispírito pode
adquirir a tangibilidade; já falamos desse assunto quando nos referimos às
manifestações produzidas pelo Sr. Home. Sabemos que por diversas vezes fez
aparecessem mãos, que se podia apalpar como se fossem vivas mas que, repentinamente,
se desvaneciam como uma sombra; mas não se tinham visto ainda corpos inteiros
sob essa forma tangível, embora esse fato não seja impossível. Numa família do
conhecimento íntimo de um de nossos assinantes, um Espírito se vinculou à filha
do dono da casa, menina de seus dez ou onze anos, sob a forma de um belo garoto
da mesma idade. Fazia-se visível para ela qual se fora uma pessoa comum, e
visível ou invisível para os outros conforme lhe aprouvesse; prestava-lhe toda
sorte de bons serviços, trazia-lhe brinquedos, bombons, fazia o serviço
doméstico, ia comprar aquilo de que precisavam e o que mais o valha. Não se
trata absolutamente de uma lenda da mística Alemanha, e de forma alguma é uma
anedota da Idade Média, mas, sim, de um fato atual, que se passa quando
escrevemos, numa cidade da França e numa família muito honrada. Fizemos até
mesmo estudos bastante interessantes sobre esse fato, os quais nos forneceram
as mais estranhas e inesperadas revelações. Haveremos de entreter nossos
leitores de modo mais completo em artigo especial que publicaremos brevemente.
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