Allan Kardec
Um dos escolhos que apresentam
as comunicações espíritas é o dos Espíritos impostores, que podem induzir em
erro quanto à sua identidade e que, escudados em um nome respeitável, tentam
passar os mais grosseiros absurdos. Em diversas ocasiões já nos pronunciamos
sobre este perigo, que deixa de existir para quem quer que investigue,
simultânea e rigorosamente, a forma e o fundo da linguagem dos seres invisíveis
com os quais nos comunicamos.
Não vamos repetir aqui o que a
respeito já dissemos; lede o assunto com atenção, nesta Revista, em O Livro
dos Espíritos e em nossa Instrução Prática, e vereis que nada é mais
fácil do que se premunir contra semelhantes fraudes, por menor que seja nossa
boa vontade.
Reproduziremos somente a
comparação que se segue, que citamos em outra parte: “Suponde que, num quarto
vizinho ao em que estais, há várias pessoas que não conheceis, nem podeis ver,
mas que ouvis perfeitamente; por sua conversação não seria fácil reconhecer se
são ignorantes ou sábios, gente honesta ou malfeitores, homens sérios ou
estouvados, enfim, pessoas educadas ou grosseiras?”
Tomemos outra comparação, sem
sair de nossa humanidade material: suponhamos que um homem se vos apresente sob
o nome de um distinto literato; diante de tal nome o recebeis, de início, com
toda a consideração devida ao seu suposto mérito; mas se ele se exprimir como
um mariola, reconhecereis logo o engano e o expulsareis, como se faz a um
impostor.
O mesmo acontece com os
Espíritos: são reconhecidos por sua linguagem; a dos Espíritos superiores é
sempre digna e em harmonia com a sublimidade de seus pensamentos; jamais uma
trivialidade lhes macula a pureza. A grosseria e a baixeza das expressões não
pertencem senão aos Espíritos inferiores. Todas as qualidades e todas as
imperfeições dos Espíritos revelam-se por sua linguagem e se pode, com razão,
aplicar-lhes o adágio de um célebre escritor: O estilo é o homem.
Essas reflexões nos são
sugeridas por um artigo que encontramos no Spiritualiste de la
Nouvelle-Orléans, do mês de dezembro de 1857. É uma conversa que se
estabeleceu entre dois Espíritos, através da mediunidade, em que um dizia-se o
Padre Ambrósio e o outro se fazia passar por Clemente XIV. O padre Ambrósio era
um respeitável sacerdote, morto na Luisiana no século passado; era um homem de
bem e altamente inteligente, havendo deixado uma memória venerada.
Nesse diálogo, onde o ridículo
disputa com o desprezível, é impossível que nos equivoquemos quanto à qualidade
dos interlocutores, e é preciso convir que aqueles Espíritos tomaram bem poucas
precauções para se disfarçarem. Que homem de bom-senso, ainda que por um
instante, poderia supor que o Padre Ambrósio e Clemente XIV tivessem podido
descer a tamanhas trivialidades, que mais parece uma exibição circense?
Comediantes da mais baixa categoria, que parodiassem essas duas personagens,
não se teriam exprimido de modo diferente.
Estamos persuadidos de que o
círculo de Nova Orléans, onde se deu o fato, compreendeu como nós; duvidar
disso seria cometer injúria. Lamentamos somente que, ao publicá-lo, não o
tenham feito seguir de algumas observações corretivas, que teriam impedido as
pessoas superficiais de o tomarem por amostra do estilo sério de além-túmulo.
Apressamo-nos, no entanto, a dizer que o círculo não tem somente comunicações
desse gênero: outras há, de caráter muito diverso, onde se encontra toda a
sublimidade do pensamento e da expressão dos Espíritos superiores.
Pensamos que a evocação do
verdadeiro e do falso Padre Ambrósio poderia oferecer material útil de
observação sobre os Espíritos impostores; foi o que fizemos, como se pode
julgar pela entrevista seguinte:
1. Rogo a Deus Todo-Poderoso permitir ao Espírito do
verdadeiro Padre Ambrósio, falecido na Luisiana, no século passado, e que
deixou uma memória venerada, que se comunique conosco.
– Aqui estou.
2. Poderíeis dizer-nos se realmente fostes vós que tivestes,
com Clemente XIV, a conversa referida no Spiritualiste de la
Nouvelle-Orléans, cuja leitura fizemos em nossa sessão passada?
– Lamento os homens que foram enganados pelos Espíritos,
tanto quanto lamento estes.
3. Qual foi o Espírito que tomou vosso nome?
– Um charlatão.
4. E o interlocutor era realmente Clemente XIV?
– Era um Espírito simpático àquele, que havia tomado meu
nome.
5. Como pudestes permitir semelhante coisa em vosso nome, e
por que não desmascarastes os impostores?
– Porque nem sempre posso impedir os homens e os
Espíritos de se divertirem.
6. Concebemos isso quanto aos Espíritos; entretanto, eram
sérias as pessoas que recolheram aquelas palavras, e de modo algum buscavam
divertir-se.
– Uma razão de sobra: por isso mesmo deviam pensar que
tais palavras mais não seriam que a linguagem de Espíritos zombeteiros.
7. Por que não ensinam os Espíritos, em Nova Orléans,
princípios idênticos aos que são ensinados aqui?
– A Doutrina que vos é ditada logo lhes servirá; não
haverá senão uma.
8. Considerando-se que essa Doutrina deve ser ali ensinada
mais tarde, parece-nos que, se o fosse imediatamente, aceleraria o progresso e
evitaria que a incerteza prejudicial tomasse conta de algumas pessoas.
– Os desígnios de Deus são frequentemente impenetráveis;
porventura não haverá outras coisas que vos parecem incompreensíveis nos meios
que Ele emprega para alcançar seus fins? É preciso que o homem se habitue a
distinguir o verdadeiro do falso, embora nem todos possam subitamente
receber a luz sem se ofuscarem.
9. Poderíeis, eu vos peço, dar-nos a vossa opinião pessoal
sobre a reencarnação?
– Os Espíritos são criados ignorantes e imperfeitos; uma
só encarnação não lhes bastaria para tudo aprenderem; é necessário que
reencarnem, a fim de aproveitarem a felicidade que Deus lhes reserva.
10. A reencarnação pode ocorrer na Terra, ou somente em
outros globos?
– A reencarnação se dá conforme o progresso do Espírito,
em mundos mais ou menos perfeitos.
11. Isso não esclarece se a reencarnação pode ocorrer na
Terra.
– Sim, pode ocorrer; e se o Espírito a solicitasse como
missão, isso seria mais meritório para ele e o faria avançar mais, do que se
pedisse para renascer em mundos mais perfeitos.
12. Rogamos a Deus Todo-Poderoso permitir ao Espírito que
tomou o nome do Padre Ambrósio, que se comunique conosco.
– Eis-me aqui; mas não queirais me confundir.
13. És verdadeiramente o Padre Ambrósio? Em nome de Deus,
intimo-te a dizer a verdade.
– Não.
14. Que pensas do que disseste em seu nome?
– Penso como pensavam os que me ouviam.
15. Por que te serviste de um nome respeitável para dizer
semelhantes tolices?
– Aos nossos olhos, os nomes nada valem: as obras são
tudo; como podiam ver o que eu era pelo que dizia, não liguei maior
importância ao empréstimo desse nome.
16. Por que não sustentas a tua impostura em nossa presença?
– Porque minha linguagem é uma pedra de toque com a qual
não vos podeis enganar.
Observação – Disseram-nos muitas vezes que a
impostura de certos Espíritos é uma prova à nossa capacidade de julgar; é uma
espécie de tentação permitida por Deus a fim de que, como disse o Padre
Ambrósio, o homem possa habituar-se a distinguir o verdadeiro do falso.
17. Que pensas de teu camarada Clemente XIV?
– Não vale mais do que eu; ambos necessitamos de
indulgência.
18. Em nome de Deus Todo-Poderoso, rogo-te que venhas.
– Estou aqui desde que o falso Padre Ambrósio chegou
entre vós.
19. Por que abusaste da credulidade de pessoas respeitáveis,
para dar uma falsa ideia da Doutrina Espírita?
– Por que nos inclinamos ao erro? É porque não somos
perfeitos.
20. Não pensastes, ambos, que um dia vosso embuste seria
descoberto, e que os verdadeiros Padre Ambrósio e Clemente XIV não se
exprimiriam como o fizestes?
– Os embustes já eram conhecidos e castigados por Aquele
que nos criou.
21. Pertenceis à mesma classe dos Espíritos a que chamamos
batedores?
– Não, porque ainda é preciso raciocínio para fazer o que
fizemos em Nova Orléans.
22. (Ao verdadeiro Padre Ambrósio). Esses Espíritos
impostores vos estão vendo aqui?
– Sim, e sofrem com o meu olhar.
23. São errantes ou reencarnados esses Espíritos?
– Errantes; não seriam suficientemente perfeitos para se
desprenderem, caso estivessem encarnados.
24. E vós, Padre Ambrósio, em que situação vos encontrais?
– Encarnado num mundo feliz e desconhecido de vós.
25. Nós vos agradecemos pelos esclarecimentos que tivestes a
bondade de dar-nos; seríeis por demais benévolo para virdes outra vez entre
nós, dizer-nos palavras de bondade e ditar-nos uma mensagem, capaz de mostrar a
diferença entre o vosso e o estilo daquele que vos usurpou o nome?
– Estou com aqueles que querem o bem na verdade.
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