Allan Kardec
Sobre as diversas questões psicofisiológicas Um médico
de grande talento, que designaremos pelo nome de Xavier, morto há alguns meses,
e que se ocupou muito de magnetismo, havia deixado um manuscrito que supunha viesse
revolucionar a Ciência. Antes de morrer, havia lido O Livro dos Espíritos
e desejado um contato com o seu autor. A doença de que sucumbiu não lhe deixou
tempo para isso. Sua evocação ocorreu a pedido da família, e as respostas que
encerra, eminentemente instrutivas, levaram-nos a inseri-las nesta coletânea,
suprimindo, entretanto, tudo quanto fosse de interesse particular.
1. Lembrais do manuscrito
que deixastes?
– Ligo-lhe pouca
importância.
2. Qual a vossa opinião
atual sobre esse manuscrito?
– Obra vã, de um ser que
se ignorava a si mesmo.
3.
Pensáveis, entretanto, que essa obra poderia fazer uma revolução na Ciência?
– Agora vejo muito
claramente.
4. Como Espírito, poderíeis
corrigir e acabar esse manuscrito?
– Parti de um ponto que
conhecia mal; talvez fosse preciso refazer tudo.
5. Sois feliz ou infeliz?
– Espero e sofro.
6. Que esperais?
– Novas provas.
7. Qual é a causa de vossos
sofrimentos?
– O mal que fiz.
8. Entretanto, não fizestes
o mal intencionalmente.
– Conheceis bem o
coração do homem?
9. Sois errante ou
encarnado?
– Errante.
10. Quando entre nós, qual
a vossa opinião sobre a Divindade?
– Não acreditava nela.
11. E agora?
– Não creio bastante.
12. Tínheis desejo de
entrar em contato comigo; lembrai-vos?
– Sim.
13. Vedes a mim e me reconheceis
como sendo a pessoa com quem queríeis entrar em relação?
– Sim.
14. Que impressão vos
deixou O Livro dos Espíritos?
– Transtornou-me.
15. Que pensais dele agora?
– É uma grande obra.
16. Que pensais do futuro
da Doutrina Espírita?
– É grande, mas certos
discípulos a prejudicam.
17. Quais são os que a
prejudicam?
–
Os que atacam o que existe: as religiões, as primeiras e mais simples crenças
dos homens.
18. Como médico, e em razão
dos estudos que fizestes, sem dúvida podeis responder às seguintes perguntas:
Pode o corpo conservar por
alguns instantes a vida orgânica após a separação da alma?
– Sim.
19. Por quanto tempo?
– Não há tempo.
20. Precisai vossa
resposta, eu vos peço.
- Isso não dura senão alguns instantes.
21. Como se opera a
separação entre a alma e o corpo?
– Como um fluido que
escapa de um vaso qualquer.
22. Há uma linha de
demarcação realmente nítida entre a vida e a morte?
– Esses dois estados se
tocam e se confundem; assim, o Espírito se desprende pouco a pouco de seus
laços; ele os desenlaça, não os arrebenta.
23. Esse desprendimento da
alma opera-se mais prontamente em uns do que em outros?
–
Sim: nos que em vida já se elevaram acima da matéria, porque, então, sua alma
pertence mais ao mundo dos Espíritos do que ao mundo terrestre.
24. Em que momento se opera
a união entre a alma e o corpo na criança?
– Quando a criança
respira; como se recebesse a alma com o ar exterior.
Observação – Essa opinião
é consequência do dogma católico. Com efeito, ensina a Igreja que a alma não
pode ser salva senão pelo batismo; ora, como a morte natural intrauterina é
muito frequente, em que se tornaria essa alma, privada, segundo ela, desse
único meio de salvação, se existisse no corpo antes do nascimento? Para ser
coerente, seria preciso que o batismo fosse realizado, senão de fato, pelo
menos de intenção, desde o momento da concepção.
25. Como, então, explicais
a vida intrauterina?
– É a da planta que
vegeta. A criança vive vida animal.
26. Há crime em privar da
vida uma criança, antes do seu nascimento, uma vez que, nessa fase, não tendo
alma, ainda não seria um ser humano?
– A mãe, ou qualquer
outra pessoa que tirar a vida de uma criança antes de nascer, cometerá sempre
um crime, porquanto impede a alma de suportar as provas de que o corpo deverá
servir de instrumento.
27. A expiação que deveria
sofrer a alma impedida de se encarnar, não obstante, poderá ocorrer?
–
Sim, mas Deus sabia que a alma não se uniria àquele corpo; assim, nenhuma alma
deveria unir-se àquele envoltório corporal: era uma prova para a mãe.
28. Dado o caso que o nascimento da criança
pusesse em perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira
para salvar a segunda?
– Não; preferível é se
sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.
29. A união entre a alma e
o corpo opera-se instantânea ou gradualmente? Isto é, será necessário um tempo
apreciável para que essa união seja completa?
– O Espírito não entra
bruscamente no corpo. Para medir esse tempo, imaginai que o primeiro sopro que
a criança recebe é a alma que entra no corpo: o tempo que o peito se eleva e se
abaixa.
30. Há predestinação na
união da alma com tal ou qual corpo, ou só na última hora é feita a escolha do
corpo que ela tomará?
– Deus a marcou; essa
questão exige maiores desenvolvimentos. Tendo o Espírito escolhido a prova a
que queira submeter-se, pede para encarnar. Ora, Deus, que tudo sabe e vê, já antecipadamente
sabia e vira que tal Espírito se uniria a tal corpo. Quando o Espírito nasce
nas baixas camadas sociais, sabe que sua vida será de labor e sofrimento. A
criança que vai nascer tem uma existência que resulta, até certo ponto, da
posição de seus pais.
31. Por que pais bons e
virtuosos dão nascimento a filhos de natureza perversa? Em outras palavras, por
que as boas qualidades dos pais não atraem sempre, por simpatia, um Espírito bom
para lhes animar o filho?
– Um Espírito mau pede
bons pais na esperança de que seus conselhos o dirijam por um caminho melhor.
32. Podem os pais, por seus
pensamentos e suas preces, atrair ao corpo do filho um Espírito bom , ao invés
de um Espírito inferior?
– Não; mas podem
melhorar o Espírito da criança a que deram nascimento: é seu dever; os maus
filhos são uma prova para os pais.
33. Concebe-se o amor
maternal para a conservação da vida da criança, mas, uma vez que esse amor está
na Natureza, por que há mães que odeiam seus filhos e, muitas vezes, desde o nascimento?
– Espíritos maus, que
tratam de entravar o Espírito da criança, a fim de que sucumba sob a prova que
desejou.
34. Agradecemos as
explicações que tivestes a bondade de nos dar.
– Tudo farei para vos
instruir.
Observação – A teoria
dada por esse Espírito sobre o instante da união entre a alma e o corpo não é
absolutamente exata.
A união começa desde a concepção, isto é, a partir do
momento em que o Espírito, sem estar encarnado, liga-se ao corpo por um laço fluídico,
que cada vez mais se vai apertando até o instante em que a criança vê a luz. A
encarnação só se completa quando a criança respira. (Vide O Livro dos
Espíritos, nº 344 e seguintes.)[2]
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