terça-feira, 16 de julho de 2024

MORTE DE LUÍS XI[1] - 2º artigo

 


Allan Kardec

 

Extraído do manuscrito ditado por Luís XI à Senhorita Ermance Dufaux.

 

Nota – Rogamos aos nossos leitores que se reportem às observações que fizemos sobre estas notáveis comunicações em nosso artigo de março último.

 

Não me sentindo bastante firme para ouvir pronunciar a palavra morte, muitas vezes tinha recomendado a meus oficiais que apenas me dissessem, quando me vissem em perigo: “Falai pouco”, e eu saberia o que isso significava. Quando já não havia mais esperança, Olivier le Daim me disse duramente, na presença de Francisco de Paula e de Coittier:

– Majestade, é preciso que nos desobriguemos de nosso dever. Não tenhais mais esperanças neste santo homem, nem em qualquer outro, porquanto chegastes ao fim; pensai em vossa consciência; não há mais remédio.

A essas palavras cruéis, toda uma revolução operou-se em mim; eu já não era o mesmo homem e me surpreendia comigo mesmo. O passado desenrolou-se rapidamente ante meus olhos e as coisas me pareceram sob um aspecto novo: não sei que de estranho se passava em mim. O duro olhar de Olivier le Daim, fixado sobre o meu rosto, parecia interrogar-me. Para subtrair-me a esse olhar frio e inquisidor, respondi com aparente tranquilidade:

– Espero que Deus me ajude; talvez eu não esteja tão doente como imaginais.

Ditei minhas últimas vontades e mandei para junto do jovem rei aqueles que ainda me cercavam. Encontrei-me só com meu confessor, Francisco de Paula, le Daim e Coittier. Francisco me fez uma exortação tocante; a cada uma de suas palavras parecia que os meus vícios se apagavam e que a natureza retomava seu curso; senti-me aliviado e comecei a recobrar um pouco de esperança na clemência de Deus.

Recebi os últimos sacramentos com uma piedade firme e resignada. Repetia a cada instante: “Nossa Senhora de Embrun, minha boa Senhora, ajudai-me!”

Terça-feira, 30 de agosto, cerca de sete horas da noite, caí em nova prostração; todos os que estavam presentes, crendo-me morto, retiraram-se. Olivier le Daim e Coittier, temendo a execração pública, permaneceram junto ao meu leito, já que não tinham outro asilo.

Logo recobrei inteiramente a consciência. Ergui-me, sentei-me na cama e olhei em torno de mim; ninguém de minha família lá estava; nenhuma mão amiga buscava a minha nesse momento supremo, para suavizar-me a agonia numa última carícia.

Àquela hora, talvez, meus filhos, se divertissem, enquanto seu pai morria. Ninguém pensou que o culpado ainda pudesse ter um coração que compreendesse o seu. Procurei ouvir um soluço abafado, mas só ouvi as risadas dos dois miseráveis que estavam junto de mim.

Em um canto do quarto, percebi minha galga favorita que morria de velha. Meu coração estremeceu de alegria: tinha um amigo, um ser que me estimava.

Fiz-lhe sinal com a mão; a galga se arrastou com dificuldade até o pé de meu leito e veio lamber-me a mão agonizante.

Olivier percebeu esse movimento; praguejando, levantou-se bruscamente e golpeou o infeliz animal com um bastão até que morresse; ao morrer, meu único amigo lançou-me um longo e doloroso olhar.

Olivier empurrou-me violentamente sobre o leito. Deixei-me cair e entreguei a Deus a minha alma culpada.

 

Continua no 3º artigo.



[1] Revista Espírita – maio/1858 – Allan Kardec

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