Allan Kardec
História de sua
vida ditada por ele mesmo à Srta. Dufaux
Falando da História de Joana
d’Arc ditada por ela mesma, e da qual nos propomos citar diversas passagens,
dissemos que a senhorita Dufaux havia escrito da mesma maneira a História de
Luís XI. Esse trabalho, um dos mais completos no gênero, contém documentos
preciosos do ponto de vista histórico.
Nele Luís XI revelasse o
profundo político que conhecemos; mas, além disso, dá-nos a chave de vários
fatos até hoje inexplicados. Do ponto de vista espírita é uma das mais curiosas
mostras de trabalhos de fôlego produzidos pelos Espíritos. A esse respeito,
duas coisas são particularmente notáveis: a rapidez de execução (quinze dias
foram suficientes para ditar a matéria de um grosso volume) e, em segundo
lugar, a lembrança tão precisa que um Espírito pode conservar dos
acontecimentos da vida terrestre. Aos que duvidarem da origem desse trabalho, e
o creditarem à memória da senhorita Dufaux, responderemos que seria preciso,
com efeito, da parte de uma menina de catorze anos, uma memória bem fenomenal e
um talento de precocidade não menos extraordinário, para escrever, de uma
assentada, uma obra dessa natureza; mas, supondo que assim o fosse, perguntamos
onde essa criança teria haurido as explicações inéditas da nebulosa política de
Luís XI, e se não teria sido mais conveniente a seus pais atribuir-lhe o mérito.
Das diversas histórias escritas por seu intermédio, a de Joana d’Arc é a única
que foi publicada. Fazemos votos porque as outras o sejam logo e lhes
predizemos um sucesso tanto maior quanto mais difundidas se acham hoje as
ideias espíritas. Extraímos, da de Luís XI, a passagem relativa à morte do
conde de Charolais.
Os historiadores, defrontando-se
com o fato histórico de que “Luís XI deu ao conde de Charolais a tenência geral
da Normandia”, confessam não compreender por que um rei, que foi tão grande
político, haja cometido tão grande falta[2].
As explicações dadas por Luís XI
são difíceis de contradizer, visto estarem confirmadas por três episódios de
todos conhecidos: a conspiração de Constain, a viagem do conde de Charolais, em
seguida à execução do culpado e, enfim, a obtenção por esse príncipe da
tenência geral da Normandia, província que reunia os Estados do duque de
Borgonha, inimigos sempre ligados contra Luís XI.
Luís XI assim se exprime:
O conde de Charolais foi gratificado com a tenência
geral da Normandia e com uma pensão de trinta e seis mil libras. Era uma grande
imprudência aumentar dessa forma o poder da casa de Borgonha. Embora essa
digressão nos afaste da sequência dos negócios da Inglaterra, creio dever
indicar os motivos que me fizeram agir assim.
Algum tempo depois de seu retorno dos Países Baixos, o
duque Filipe de Borgonha tinha caído gravemente enfermo. O conde de Charolais
amava verdadeiramente seu pai, apesar dos desgostos que lhe havia causado; é
verdade que seu caráter ardente, impetuoso e, sobretudo, minhas pérfidas
insinuações, poderiam desculpá-lo. Cuida dele com uma afeição toda filial e não
deixa, nem de dia nem de noite, a cabeceira de seu leito.
O perigo do velho duque me levara a sérias reflexões;
eu odiava o conde e acreditava ter tudo a temer dele; aliás, não tinha senão
uma filha de tenra idade, o que ocasionou, após a morte do duque, que parecia
não dever viver muito tempo, uma minoridade que os flamengos, sempre
turbulentos, teriam tornado extremamente tempestuosa. Eu poderia ter-me
apoderado facilmente, senão de todos os bens da casa de Borgonha, ao menos de
uma parte, seja disfarçando essa usurpação com uma aliança, seja lhe deixando
tudo quanto a força tem de mais odioso. Havia mais razões do que era preciso
para mandar envenenar o conde de Charolais; a ideia de um crime, aliás, não me
chocava mais.
Consegui seduzir o copeiro do príncipe, Jean Constain;
a Itália, de algum modo, era o laboratório dos envenenadores: foi para lá que
Constain enviou Jean d’Ivy, que havia conquistado graças a uma soma
considerável, a qual deveria ser-lhe paga quando retornasse. D’Ivy quis saber a
quem se destinava o veneno; o copeiro teve a imprudência de confessar que era
para o conde de Charolais.
Depois de ter dado conta de sua tarefa, d’Ivy
apresentou-se para receber a importância prometida; mas, longe de lhe pagar,
Constain o cobriu de injúrias. Furioso com essa recepção, d’Ivy jurou
vingar-se. Foi encontrar-se com o conde de Charolais, confessando-lhe tudo que
sabia. Constain foi preso e conduzido ao castelo de Rippemonde. O medo da
tortura o fez confessar tudo, exceto minha cumplicidade, talvez esperando que
eu intercedesse por ele. Já se achava no alto da torre, local destinado ao
suplício e já se preparavam para o decapitar, quando externou o desejo de falar
ao conde. Contou-lhe então o papel que eu havia desempenhado nessa tentativa.
Apesar do espanto e da cólera que experimentou, o conde de Charolais calou-se e
as pessoas presentes não puderam fazer senão conjecturas vagas, fundadas nos
movimentos de surpresa que o relato provocou. Malgrado a importância dessa
revelação, Constain foi decapitado e seus bens confiscados, mas restituídos à
sua família pelo duque de Borgonha.
Seu delator experimentou a mesma sorte, devido em parte
à resposta imprudente que deu ao príncipe de Borgonha; havendo este perguntado,
caso a soma prometida lhe tivesse sido paga, se teria denunciado o complô, teve
ele a inconcebível temeridade de responder que não.
Quando o conde veio a Tours, pediu-me uma entrevista
particular; nela deixou extravasar todo o seu furor e me cobriu de censuras. Eu
o apaziguei, dando-lhe a tenência geral da Normandia e a pensão de trinta e
seis mil libras; a tenência geral não passou de um título sem resultado; quanto
à pensão, não recebeu senão o primeiro vencimento.
Continua no segundo artigo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário