terça-feira, 23 de julho de 2024

CONFISSÕES DE LUÍS XI[1] - 3º artigo

 

Allan Kardec

 

Extrato da Vida de Luís XI, ditado por ele mesmo à senhorita Ermance Dufaux

(Ver os números de março e maio de 1858)

 

ENVENENAMENTO DO DUQUE DE GUYENNE

“(...) Em seguida ocupei-me da Guyenne. Odet d’Aidies, senhor de Lescun, que se havia indisposto comigo, fazia os preparativos da guerra com uma atividade impressionante. Era com muita dificuldade que alimentava o ardor belicoso de meu irmão, o duque de Guyenne. Tinha de combater um adversário temível no espírito de meu irmão: a senhora de Thouars, amante de Carlos, duque de Guyenne.

Essa mulher nada procurava, a não ser tirar vantagem do império que exercia sobre o jovem duque, com vistas a dissuadi-lo da guerra, não ignorando que esse conflito tinha por fim o casamento do amante. Seus inimigos secretos tinham afetado louvar, em sua presença, a beleza e as brilhantes qualidades da noiva: isso foi o bastante para convencê-la de que sua desgraça seria certa se aquela princesa desposasse o duque de Guyenne. Certa da paixão de meu irmão, recorreu às lágrimas, às preces e a todas as extravagâncias de uma mulher perdida em semelhante situação. O frágil Carlos cedeu, dando conhecimento de suas novas resoluções a Lescun. Este logo preveniu o duque da Bretanha, e demais interessados: eles se alarmaram e mandaram representações a meu irmão, cujo efeito só serviu para mergulhá-lo ainda mais em suas hesitações.

Entretanto, a favorita conseguiu, não sem dificuldade, demovê-lo novamente da guerra e do casamento; desde então, sua morte foi decidida por todos os príncipes. Temendo que meu irmão viesse atribui-la a Lescun, cuja antipatia pela senhora de Thouars lhe era conhecida, resolveram conquistar Jean Faure Duversois, monge beneditino, confessor de meu irmão e abade de Saint-Jean d’Angély.

Esse homem era um dos partidários mais entusiastas da senhora de Thouars, e ninguém ignorava o ódio que votava a Lescun, cuja influência política invejava. Não era provável que meu irmão lhe atribuísse jamais a morte de sua amante, pois aquele sacerdote era um dos favoritos em quem mais confiança ele depositava. Uma vez que apenas a sede das grandezas o ligava à favorita, deixou-se corromper facilmente.

Há muito tempo que eu vinha tentando seduzir o abade; mas ele sempre repelia minhas ofertas, deixando-me, todavia, a esperança de um dia alcançar esse objetivo.

Compreendeu facilmente a delicada posição em que se meteria, ao prestar aos príncipes o serviço que esperavam dele; sabia que nada lhes custava desembaraçar-se de um cúmplice. Por outro lado, conhecia a inconstância de meu irmão e temia tornar-se sua vítima.

Para conciliar a sua segurança com os seus interesses, determinou-se por sacrificar o seu jovem senhor. Tomando esse partido, tanto tinha chance de sucesso quanto de fracasso. Para os príncipes, a morte do jovem duque de Guyenne deveria ser o resultado do desprezo ou de um incidente imprevisto. Mesmo que fosse imputada ao duque da Bretanha e a seus comparsas, a morte da favorita passaria, por assim dizer, despercebida, pois que ninguém teria descoberto os motivos que lhe conferiam uma importância real, do ponto de vista político.



[1] Revista Espírita – junho/1858 – Allan Kardec

Nenhum comentário:

Postar um comentário