terça-feira, 12 de março de 2024

ASSASSINATO DE CINCO CRIANÇAS POR OUTRA DE DOZE ANOS – Problema Moral[1]


Allan Kardec

 

Lemos na Gazette de Silésie:

 

No dia 20 de outubro de 1857 escreveram-nos de Bolkenham que um crime apavorante acabara de ser cometido por um menino de doze anos. Domingo passado, 25 do mês, três filhos do Sr. Hubner, fabricante de pregos, e dois do Sr. Fritche, sapateiro, brincavam juntos no jardim deste último. O jovem H..., conhecido por seu mau caráter, associou-se aos seus folguedos e os persuadiu a entrarem num baú, guardado numa casinha do jardim, e que servia ao sapateiro para levar suas mercadorias até a feira. As cinco crianças mal cabiam ali dentro, mas se comprimiram e se acomodaram, aos risos, umas sobre as outras. Tão logo haviam entrado, o monstro fechou o baú, sentou-se em cima e ficou três quartos de hora a ouvir, primeiro os seus gritos, depois os seus gemidos.

Finalmente, quando cessaram os estertores e ele os supôs mortos, abriu o baú; as crianças ainda respiravam. Tornou a fechá-lo, aferrolhou-o e foi brincar com papagaio de papel. Foi visto por uma menina quando saía do jardim. Compreende-se a ansiedade dos pais quando se deram conta do desaparecimento dos filhos e seu desespero ao encontrá-los no baú, após demoradas buscas. Uma das crianças ainda vivia, porém não tardou a expirar. Denunciado pela garota que o vira sair do jardim, o jovem H... confessou o crime com o maior sangue-frio e sem manifestar qualquer arrependimento. As cinco vítimas, um menino e quatro meninas de quatro a nove anos de idade, foram hoje sepultadas no mesmo local.

 

Observação – O Espírito interrogado é o da irmã do médium, morta aos doze anos, mas que, como Espírito, sempre mostrou superioridade.

 

1. Ouvistes o relato que acabamos de ler, do assassinato de cinco crianças, cometido na Silésia por um menino de doze anos?

– Sim; minha pena ainda exige que eu ouça as abominações da Terra.

2. Que motivo teria levado uma criança dessa idade a cometer uma ação tão atroz e com tanto sangue-frio?

– A maldade não tem idade; é ingênua na criança e raciocinada no homem adulto.

3. Quando a maldade existe numa criança que não raciocina, não denotará a encarnação de um Espírito muito inferior?

– Nesse caso, procede diretamente da perversidade do coração; é seu próprio Espírito que o domina e o impele à perversidade.

4. Qual poderia ter sido a existência anterior de semelhante Espírito?

– Horrível.

5. Em sua existência anterior ele pertencia à Terra ou a um mundo ainda mais atrasado?

– Não o vejo bem; contudo, devia pertencer a um orbe bem mais inferior do que a Terra: teve a ousadia de vir à Terra; por isso será duplamente punido.

6. Nessa idade tinha perfeita consciência do crime que cometia? Como Espírito, será responsabilizado por ele?

– Tinha a idade da consciência, e isso basta.

7. Visto que esse Espírito teve a ousadia de vir à Terra, que é muito elevada para ele, poderia ter sido constrangido a regressar a um mundo condizente com a sua natureza?

– Sua punição é justamente retrogradar; é o próprio inferno. É a punição de Lúcifer, do homem espiritual rebaixado até a matéria, isto é, o véu que, doravante, lhe ocultará os dons de Deus e sua divina proteção. Esforçai-vos, pois, para reconquistar esses bens perdidos; tereis reconquistado o paraíso que o Cristo nos veio abrir. É a presunção, é o orgulho do homem que queria conquistar o que somente Deus podia ter.

 

Observação – Uma observação é feita a propósito da palavra ousadia, de que se serviu o Espírito, bem como dos exemplos citados, que dizem respeito à situação dos Espíritos que se acharam em mundos muito elevados para eles, e que foram obrigados a regressar a outro mais compatível com a sua natureza. A tal respeito, uma pessoa observou ter sido dito que os Espíritos não podem regredir.

Com efeito, os Espíritos realmente não podem retrogradar, no sentido de que não é possível perder o que adquiriram em ciência e em moralidade; mas podem decair em posição. Um homem que usurpa uma posição superior à que lhe conferem suas capacidades ou sua fortuna pode ser constrangido a abandoná-la e a voltar à sua posição natural; ora, não é a isso que se pode chamar decair, pois que ele apenas retorna à sua esfera, de onde havia saído por ambição e orgulho.

Ocorre a mesma coisa em relação aos Espíritos que querem se elevar muito depressa em mundos onde se acham deslocados.

Os Espíritos superiores também podem encarnar em mundos inferiores, para cumprir uma missão de progresso, e a isso não se pode chamar de regressão, porque é devotamento.

 

8. Em que a Terra é superior ao mundo ao qual pertencia o Espírito de quem acabamos de falar?

– Nele há uma fraca ideia de justiça: é um começo de progresso.

9. Disso resulta não haver, em mundos inferiores à Terra, nenhuma ideia de justiça?

– Não; os homens ali vivem apenas para si e não têm por móvel senão a satisfação das paixões e dos instintos.

10. Qual será a posição desse Espírito numa nova existência?

– Se o arrependimento vier apagar, se não inteiramente, mas pelo menos em parte, a enormidade de suas faltas, então ficará na Terra; se, ao contrário, persistir no que chamais de impenitência final, irá para um lugar onde o homem se nivela com os animais.

11. Dessa forma, pode encontrar na Terra os meios de expiar suas faltas sem ser obrigado a regressar a um mundo inferior?

– O arrependimento é sagrado aos olhos de Deus, porquanto é o homem que a si mesmo se julga, o que é raro no vosso planeta.

 



[1] Revista Espírita – outubro/1858 – Allan Kardec


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