Miguel Vives y Vives
Todo homem é demasiado
indulgente para consigo mesmo. Sempre encontra meios para justificar a sua
conduta, ainda que esta não seja suficientemente correta.
Procura sempre desculpar os seus
defeitos e atenuar as suas faltas. Tanto assim é, que ouvimos amiúde, daqueles
a quem falamos de Espiritismo:
Eu não creio em nada, apenas acompanho a maioria; mas,
no tocante à outra vida, acho que o melhor é fazer todo o bem possível.
Assim, se houver alguma coisa depois desta vida, nada
de mal poderá acontecer-me.
Esses homens entendem que
praticam o bem sendo bons pais, não fazendo nenhum mal, nem em sua casa nem
fora dela, pagando todas as suas dívidas, cumprindo seus compromissos e dando
algumas esmolas quando lhes apraz. Acreditam que assim cumprem o seu dever e
estão preparados para quando forem chamados a juízo. Mas como estão enganados!
A sociedade procede mal, e o que às vezes para ela é comum constitui falta
grave perante a lei divina. Não basta evitar o mal. É necessário fazer o bem,
muito bem. E como o homem sabe se está fazendo o mal ou o bem, se não segue a
lei divina, mas observa apenas a lei humana?
Ainda que cumpra os seus deveres
sociais, onde estará a prática do amarás ao próximo como a ti mesmo? E do
pagarás o mal com o bem; se te ferem numa face voltarás a outra; bendirás aos
que te caluniam? As leis humanas não abrangem as faltas que não figuram no
código penal, mas as leis divinas alcançam a todas as faltas que se relacionam
com a consciência. Por isso, os que pensam como acima estão equivocados. Pois
se vivem em paz, segundo a lei humana, estão em falta com a lei divina, e
quando chegar a sua hora sofrerão as consequências desse erro.
Por outro lado, enquanto
continuarem pensando e agindo dessa maneira, a sociedade não se reformará, e
todos continuarão sendo vítimas do próprio egoísmo e da falsa interpretação da
lei, que inevitavelmente dará a cada um segundo as suas obras.
Nós, os espíritas, não devemos
proceder assim. Todo espírita deverá ser muito severo consigo mesmo. Nunca, em
seu íntimo, deve desculpar-se uma falta, nunca deve procurar atenuantes para
justificar a sua conduta, quando esta deixa o que desejar.
Deve ser sempre o primeiro e o
mais severo juiz de si mesmo.
Não pode olvidar que está neste
mundo e tem de sofrer e lutar por causa do seu atraso, das suas imperfeições e
das suas deficiências, e que urge libertar-se de tudo o que seja contrário ao
amor, à virtude, à caridade, à justiça. Pois, do contrário, em vão procurará a
paz e nunca poderá honrar a doutrina que professa, nem será digno de chamar-se
espírita.
Bem sabemos quanto é difícil
sermos justos em todas as coisas. Mas o espírita, embora ainda conserve os
resíduos do que foi no passado, deve lutar constantemente para avançar no
caminho da depuração, sem desalentar-se diante das dificuldades que encontra
para reabilitar-se, até chegar a ser uma criatura inteiramente digna. Para se
conseguir isso, aconselhamos uma prática que temos seguido durante muitos anos,
e que nos deu os melhores resultados, ajudando-nos a obter todas as condições
necessárias para atingirmos o nosso propósito de viver com justiça, dentro do
amor de Deus.
Cada espírita procurará, todos os dias, antes de
deitar-se, fazer um exame de tudo o que sentiu e realizou no correr da jornada.
Há três maneiras de cometer faltas: por pensamentos, palavras e ações. A falta
por pensamento decorre de paixões injustas ou mal contidas, de não ser
indulgente para as faltas do próximo, de cobiçar coisas indevidas. O espírita
pode sentir desejos condenados pela lei divina.
Falta por pensamentos –
Os espíritos perturbadores muitas vezes tentam o espírita através dos desejos
indevidos. Muitas vezes conseguem mantê-lo sob o seu domínio. Ainda que ele não
chegue a cometer a falta, isso causa mal-estar e lhe impossibilita, enquanto
está sob a tentação, conceber bons pensamentos e bons desejos, e portanto
praticar o bem. Ao fazer o exame diário, vendo que está sugestionado por maus
pensamentos, o espírita deve tomar o firme propósito de resistir a essas
influências impuras e descaridosas. Para isso, pedirá forças ao Pai, recordará
a pureza das palavras e dos atos do Mestre Sublime, e não deve esquecer-se de
que todos temos um Anjo-Guardião, encarregado de guiar-nos, o qual terá muita
satisfação em colaborar na nossa regeneração, ajudando-nos como seu protegido,
desde que persistamos nos bons propósitos.
Às vezes não se consegue um
resultado imediato. Ainda que isso aconteça, o espírita que cometeu falta por
pensamento não deve acovardar-se, mas persistir, dia a dia, em seus bons
propósitos, pedir e confiar, e verás depois como os seus esforços serão coroados
de completo êxito. Então se sentirá mais tranquilo, os bons pensamentos o
envolverão e ele conseguirá sem mais dificuldade entregar-se à prática do bem.
Confiante na lei de evolução, e sabendo que a
construção do bem é difícil num mundo ainda inferior como o nosso, onde
prevalece o mal, o espírita não pode e não deve acovardar-se aos primeiros
fracassos. Mesmo que a vitória demore, o seu dever é lutar, apelando
constantemente ao Alto, pois a Doutrina lhe ensina que não fomos feitos para a
perdição, mas para a salvação. Se as forças às vezes lhe faltarem, deve
levantar-se de cada queda fazendo novos propósitos de vencer e renovando seus
pedidos ao Espírito Protetor[2].
Falta por palavras – Se
cometeu falta por palavras, sendo indiscreto por imprevidência, intolerante ou
brutal, o espírita não deve tomar-se de amor-próprio, mas, reconhecendo o seu
erro, há de, sem mais tardar, procurar o ofendido ou os ofendidos e dar-lhes
plena satisfação, com absoluta sinceridade, demonstrando verdadeiro
arrependimento, até conseguir que a falta lhe seja perdoada. Então, ao fazer o
seu exame de conduta, o espírita tem mais o que pedir ao Pai e rogar ao Senhor,
que tão amável foi para com todos. Deve chamar com veemência o seu Guia
Espiritual, procurando tomar as boas resoluções que sejam necessárias para
corrigir-se desse defeito, fazendo tudo para cumprir os bons propósitos que
tomar.
Se não consegue vencer tão
depressa como desejaria, não deve tampouco se acovardar, mas resistir e
perseverar, pedindo, arrependendo-se e dando tantas satisfações aos outros,
quantas forem necessárias, cada vez que incorrer nessa falta. Tudo isso sem esquecer-se
de que essa conduta lhe garantirá a proteção do Alto e o porá em condições de
ser reconhecido, pelas pessoas de suas
relações, como uma criatura de boa vontade, apesar de seus defeitos. Essa
atitude fará que, sem muita demora, veja corrigidos os impulsos que o levavam à
falta por palavras.
Falta por ação – Se a
falta é por ação, é mais grave, e o espírita deve procurar, por todos os meios
possíveis, evitar nela incorrer de novo. Há ações que podem constituir faltas
leves, como outras que podem ser graves. As primeiras, o espírita pode
corrigi-las com a ajuda de Deus, dos bons Espíritos e dos seus irmãos
encarnados. Digo com a ajuda destes também, porque o espírita, quando incorre
numa falta dessa natureza, não deve fiar-se em si mesmo, mas, além dos seus
propósitos e da ajuda dos bons Espíritos, deve ainda procurar o conselho dos
irmãos mais experientes, que tenham já adquirido outro temperamento e outras
virtudes. Sendo humilde e estando realmente arrependido de suas faltas, os
irmãos podem ajudá-lo com seus conselhos.
Assim, com o auxílio do Alto,
dos irmãos na Terra, e firmando-se nos
seus propósitos, pode chegar a corrigir-se e tornar-se um espírita correto.
Se a falta é grave, acarreta
consequências que não se apagam apenas com bons propósitos, pois exigem também
a expiação.
Por isso aconselhamos a todo
espírita, que tenha infelizmente incorrido numa falta grave, a prática de uma
grande penitência, como único meio de apagá-la. Entendemos por penitência o
esquecimento absoluto de tudo o que possa desviá-lo da correção necessária; uma
vida de recato, de abnegação, sofrendo tudo por amor a Deus e como meio de
reparação; dedicar-se à caridade para
com os pobres, os doentes, os aflitos, sem pensar senão em agradar a Deus e ser
útil ao próximo, na medida de suas forças.
Somente assim conseguimos apagar
as faltas graves. Assim, pois, o espírita que, nos exames de consciência,
encontrar-se desgraçadamente neste caso, terá de fazer grandes esforços de
arrependimento e muitos propósitos decisivos, não recuando até conseguir a sua
reabilitação. Muito podem o arrependimento, a oração e a prática da caridade.
Os espíritas que seguirem os
nossos conselhos e as práticas que indicamos nos capítulos anteriores muito
poderão adiantar-se e muito poderão encontrar na vida futura. Do contrário,
muito difícil lhes será sair desta existência e ter uma vida tranquila e feliz
no Espaço.
Há espíritas – e não são poucos
– que vivem seguindo os impulsos do seu coração, sem preocupar-se com as faltas
de pensamento e de palavras. Embora atentem para as ações, não dão suficiente
importância ao problema da justiça na conduta.
Esses, ainda que não pratiquem
faltas graves, vivem sem uma regra segura e não avançam, e em muitas coisas se
diferenciam pouco dos que não são espíritas. Esses irmãos vão mal, e estão
expostos a cair em más condições quando deixarem a Terra. O procedimento de
hoje pode custar-lhes no futuro muitas lágrimas e muitos sofrimentos. Por isso,
muitos espíritas desencarnados, segundo temos visto em nossos estudos, caíram
em má situação, sendo poucos os que adquirem uma posição brilhante no Espaço.
É a falta de estudo de si
mesmos, de cuidado na maneira de pensar, de falar e de agir, que acarreta essas
consequências. Há, pois, que viver apercebidos, não se distrair na vida terrena
e aproveitar-se dela para o progresso, para a conquista do verdadeiro
bem-estar. É necessário orar, pedir, suplicar, e também se aconselhar com os
que têm mais experiência da vida de purificação. Há que consultar livros de
moral espírita, sobretudo O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan
Kardec, no qual estão previstos muitos dos perigos com que nos podemos
defrontar na vida terrena.
É preciso não esquecer – e isto
todos os espíritas devem ter em mente – que o tempo de nossa vida na Terra é
sumamente curto, e que o tempo que teremos de passar, e que sem remissão nos
espera no Espaço, será sumamente longo, sendo felizes ou infelizes, segundo
tenhamos cumprido ou deixado de cumprir os nossos deveres espirituais.
Procuremos, pois, progredir em virtudes, em amor, em adoração ao Pai, em
respeito e veneração para com os nossos semelhantes, e não duvidemos de que a
nossa felicidade será grande. Terão chegado ao fim os sofrimentos e os males,
que por tantos anos nos afligem e nos mantêm retidos em planetas de expiação.
[1] O TESOURO DOS ESPÍRITAS – Miguel Vives y Vives
[2] O acréscimo em destaque é nosso, por inspiração do
momento.
Lembramos ainda o
seguinte: o espírita sabe que o mal não é permanente e que Deus não condena os
que desejam sinceramente emendar-se; não há pecado mortal no Espiritismo; dessa
maneira, o espírita nunca tem motivos para desesperar-se ou deixar-se vencer. (N.T.)
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