sábado, 3 de fevereiro de 2024

O ESPÍRITA NA FAMÍLIA[1]

 


Miguel Vives y Vives

 

Se o Espírita deve ser prudente, virtuoso, tolerante, humilde, abnegado e caridoso, entre os seus irmãos de ideal e no seio da Humanidade, quanto mais o deve ser na família! Se são sagrados os deveres que temos de cumprir entre nossos irmãos e na Humanidade, muito mais o são os que temos de cumprir na família. Porque devemos considerar que, além dos vínculos que nesta existência nos unem com laços indissolúveis, temos sempre histórias passadas, que se enlaçam com a história presente.

Os que não são espíritas atribuem tudo à casualidade. Nós sabemos, porém, que não há efeito sem causa e que as contrariedades ou alegrias de hoje são a continuação de nossas vidas passadas. Por isso, o espírita deve ver na sua família um grupo que lhe foi dado em custódia, e para o qual tem muitos deveres a cumprir e muitos sacrifícios a fazer. Por isso, o esposo deve ser o apoio e o sustentáculo da esposa; deve amá-la, respeitá-la, protegê-la, aconselhá-la, orientá-la, e proporcionar-lhe, em todas as circunstâncias da vida, o que for necessário.

Também a esposa deve obediência, amor, respeito e sinceridade para com o esposo, sendo este, para ela, sempre a primeira pessoa a quem deve confiar os seus segredos e todas as sua tendências, sem faltar jamais ao respeito e à obediência, que deve ao que Deus lhe deu como guia neste mundo de dor.

Sei que para muitos estas palavras são desnecessárias.

Mormente quando os esposos têm as mesmas tendências, são ambos de bom temperamento e sentem as mesmas aspirações.

Mas, quando há entre eles temperamentos opostos, ou um mau gênio que torna difícil a união, já é outra coisa. E se o esposo entra em choque com a família, que não quer aprovar as suas ideias, nem concordar que professe o Espiritismo? Como se arranja esse chefe de família? É muito difícil prescrever regras para casos particulares. Só podemos dizer, neste caso, que o espírita deve escudar-se em sua prudência, com tato e paciência a toda prova. É então que deve estar mais ligado ao Alto, ter muito amor ao Pai, recordar sempre a paciência e a abnegação do Senhor, e permanecer em contato com o seu Guia Espiritual, por meio da oração e pela prática da indulgência para os que o atormentam.

Sua conduta na família deve ser um belo modelo de todas as formas da virtude, para que o exemplo possa um dia levar à  compreensão, ou pelo menos à tolerância da parte dos seus. E mesmo que a tanto não seja possível chegar, que não se rebele, que se deixe sacrificar, se for necessário, lembrando-se de que o hoje é o resultado do ontem, pois assim fazendo poderá esperar grande recompensa. Vi, na minha vida de espírita, dois irmãos que sofreram muito com suas famílias. E, apesar de seus sacrifícios, de sua paciência e abnegação, não conseguiram a tolerância dos familiares, sendo constantemente objeto de zombaria e de desprezo por parte dos seres mais queridos.

Desses dois irmãos, já desencarnados, tive ocasião de receber comunicações que, moralmente falando, são de enorme elevação e demonstram uma felicidade tão grande, que, posso assegurar, nenhum outro jamais demonstrou, entre os desencarnados na nossa época.

O sacrifício foi grande na Terra, pois nada é mais doloroso do que ver-nos desprezados e ridicularizados por aqueles que amamos. Mas esses sofrimentos são duplamente recompensados por nosso Pai, nosso Deus, que tudo tem em suas mãos, tudo sabe e tudo pode. Aliás, estas situações são excepcionais e poucos se encontram nelas. O mais comum é o espírita ser pai de alguns filhos cuja missão não está isenta de perigos, sendo às vezes necessária uma abnegação a toda prova, dirigida pelo bom senso espírita.

Às vezes, nem todos os filhos são bons como o pai deseja.

Pelo contrário, acarretam desgostos e dissabores, que redundam em grande sofrimento. Os pais, então, precisam saber sofrer, tendo muito cuidado em manter o mesmo afeto para com todos os filhos, tanto para os bons, como para os que os desgostam. O espírita deve sentir o mesmo amor por todos os seus filhos. E não deve olvidar que os mais necessitados de sua misericórdia são os menos providos de bondade e compreensão. Há filhos que levamos pela mão a toda parte, e há outros que não basta toma-los pela mão, é preciso arrastá-los. Conheço pais espíritas que, embora amando a todos os filhos, deram preferência aos mais pacíficos e mais obedientes. Se isto não fosse mais em aparência do que na realidade, poderia ser uma boa maneira de conduzir os demais ao bom caminho. Mas não foi assim. Pelo contrário, dando preferência a alguns, relegaram os demais ao olvido. Esta é uma prática errada, que pode custar caro ao que a exercita.

É verdade que às vezes o pai não pode tratar a todos da mesma maneira, em virtude da diferença de conduta e de compreensão dos filhos. Mas o pai e a mãe devem manter o amor em seus corações, e, se possível, muito mais forte pelo filho que mais necessita, seja por seu atraso moral ou por outros motivos.

Pois todo espírita que tenha filhos não deve olvidar que não os tem por acaso. Não foi por casualidade, mas obedecendo a um plano providencial, para o seu bem e o de seus filhos, que eles nasceram. Quem sabe foram inimigos, que têm dívidas a acertar, e por isso Deus os põe um ao lado do outro, unidos pelos laços de família, para um pagamento que de outra forma não poderiam fazer! Quem sabe a mulher abandonada de outras existências, que serviu apenas para satisfazer caprichos, vem agora reclamar o apoio a que tem direito! Por isso, o espírita, se deve ter o maior cuidado na educação de todos os seus filhos, mais ainda há de velar pelos filhos que vieram carregados de imperfeições e são causa de grandes desgostos.

Quantos casos há, entre os encarnados, que, se pudéssemos conhecê-los, nos fariam baixar a cabeça e pôr-nos de sobreaviso!

Na verdade, não podemos conhecê-los. Basta-nos saber, porém, que não há efeito sem causa, e que Deus, na sua infinita sabedoria, nada faz de inútil nem de injusto. Assim, quando o homem encontra uma esposa má, ou a mulher encontra um mau marido, não é por acaso, mas por uma sábia determinação. Se um bom pai tem filhos maus, não se trata de castigo, mas das consequências de uma lei justa. O espírita, que conhece todas estas coisas e ainda muitas outras, não pode considerar a vida como um simples passeio, mas como uma sequência de fatos que o ferirão até o mais fundo da alma, que o farão sofrer e derramar lágrimas. Mas justamente por isso deve ser forte, de ânimo firme, compassivo e abnegado, caridoso para com todos e muito especialmente para com as imperfeições dos seus filhos, depósitos sagrados que o Pai lhe concede, para que seja o seu protetor e guia, a fim de fazê-los avançar pelo menos um passo, no caso de não poder fazer mais.

Todo espírita deve proceder com muito cuidado na missão da paternidade, para jamais se deixar arrastar por uma atração de causa desconhecida, em favor de uns filhos, nem pela frieza que pode sentir em relação a outros. A justiça e o dever devem regular essas afeições ou repulsões secretas, que brotam da alma.

Já dissemos que um filho nosso pode ser um grande inimigo de outras existências, ou um amigo carinhoso. E não há dúvida que, nas profundezas de nossa alma, ressoam ainda as lembranças do passado. Daí a razão da eficiência do Espiritismo, para fazer-nos progredir, pois sua solução definitiva é que devemos amar, amar e amar. Sim, amar aos que nos querem, aos que nos odeiam, aos que nos protegem ou nos perseguem, aos que nos fazem bem ou nos desejam o mal. Por sinal que este mandamento, que é lei para a convivência humana em geral, mais ainda o é no seio da família. O espírita que tiver o amor como lei e prática, não estará em trevas. Sua vida terrena fluirá placidamente, e depois dela alcançará a felicidade.

Quando o espírita não tem esposa e filhos, mas tem ainda os pais, não deve esquecer o dever de tributar-lhes todo o respeito, carinho e amor. Há de considerar que foram na Terra os representantes da Providência para ele, o que o obriga a lhes dar paz, consolo, proteção e amparo. Está no dever de fazer por eles o que deles recebeu, e mesmo que seus pais não se tenham portado bem, não está menos obrigado. Porque, nesse caso, eles pertenceriam à ordem dos espíritos inferiores, e o espírita deve ser um exemplo constante de virtude e abnegação, para que eles aprendam o que não sabiam: cumprir com os seus deveres.

 

Em resumo:

§  cremos que o espírita, em todas as situações da vida, há de portar-se como bom filho, bom esposo, bom pai, bom irmão e bom cidadão;

§  será praticante da lei divina, cujo sentido prático está no ensinamento e no exemplo do Senhor e Mestre;

§  será luz para iluminar os que estão ao seu redor;

§  será mensageiro de paz e de amor para todos;

§  e levará a paz das Moradas de Luz até os homens da Terra.



[1] O TESOURO DOS ESPÍRITAS – Miguel Vives y Vives

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