terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

EMPREGO OFICIAL DO MAGNETISMO ANIMAL[1]

 


Allan Kardec

 

De Estocolmo escrevem ao Journal des Débats, a 10 de setembro de 1858:

“Infelizmente, não tenho nada de consolador a vos comunicar, relativamente à enfermidade da qual padece o nosso soberano, há cerca de dois anos. Todos os tratamentos e remédios que os profissionais da área têm prescrito durante esse tempo não trouxeram nenhum alívio aos sofrimentos que arruínam a saúde do rei Oscar. Segundo o conselho de seus médicos, o Sr. Klugenstiern, que desfruta de alguma reputação como magnetizador, foi chamado recentemente ao castelo de Drottningholm, onde continua a residir a família real, a fim de submeter o augusto doente a um tratamento regular de magnetismo. Aqui se acredita que, por uma coincidência bastante singular, a sede da doença do rei Oscar se acha estabelecida precisamente no mesmo local da cabeça em que se situa o cerebelo, como, infelizmente, parece também ser o caso do Rei Frederico Guilherme IV, da Prússia”.

Perguntamos se há vinte e cinco anos teriam os médicos ousado prescrever publicamente semelhante recurso, mesmo a um simples particular, quanto mais, e com mais forte razão, a uma cabeça coroada. Nessa época, todas as faculdades científicas e todos os jornais não dispunham de sarcasmos suficientes para denegrir o magnetismo e seus partidários. As coisas mudaram bastante neste curto espaço de tempo! Não somente já não se ri do magnetismo, mas ei-lo oficialmente reconhecido como agente terapêutico. Que lição para os que sorriem das ideias novas! Ela os fará compreender, finalmente, quão imprudente é se inscreverem em falso contra as coisas que não compreendem. Temos uma porção de livros escritos contra o magnetismo por homens em evidência. Não teriam feito melhor em calar-se e esperar? Então, como hoje para o Espiritismo, lhe opunham a opinião dos homens mais eminentes, mais esclarecidos e mais conscienciosos: nada lhes abalava o cepticismo.

A seus olhos o magnetismo era apenas charlatanismo, indigno das pessoas sérias. Que ação poderia ter um agente oculto, movido pelo pensamento e pela vontade, cuja análise química não pode ser feita?

Apressamo-nos a dizer que os médicos suecos não são os únicos a reconsiderar essa ideia estreita e, por toda parte, na França como no estrangeiro, a opinião mudou completamente a esse respeito; e isso é tão verdadeiro que, quando se passa um fenômeno inexplicado, diz-se: é um efeito magnético. Encontra-se, pois, no magnetismo a razão de ser de uma porção de coisas antes atribuídas à imaginação, bastante cômoda para os que não sabem o que dizer.

O magnetismo haverá de curar o rei Oscar? Esta é uma outra questão. Sem dúvida já operou curas prodigiosas e inesperadas, mas tem seus limites, como tudo que existe na Natureza. Aliás, é preciso levar em consideração o fato de que em geral não se recorre ao magnetismo senão in extremis e em desespero de causa, quando muitas vezes o mal já fez progressos irremediáveis ou foi agravado por uma medicação contraindicada. Quando triunfa de tais obstáculos é necessário que seja muito poderoso!

Se a ação do fluido magnético é hoje um ponto geralmente admitido, o mesmo não se dá em relação às faculdades sonambúlicas, que ainda encontram muitos incrédulos no mundo oficial, sobretudo no que concerne às questões médicas. Todavia, deve-se convir que, sobre esse ponto, os preconceitos se enfraqueceram singularmente, mesmo entre os homens de ciência: temos a prova disso no grande número de médicos que fazem parte  de todas as sociedades magnéticas, quer na França, quer no estrangeiro. De tal modo os fatos se vulgarizaram que foi preciso ceder à evidência e seguir a corrente, querendo ou não. Em breve acontecerá a mesma coisa com a lucidez intuitiva.

O Espiritismo liga-se ao magnetismo por laços íntimos, considerando-se que essas duas ciências são solidárias entre si.

Quem, entretanto, acreditaria que fosse encontrar os seus mais obstinados inimigos entre certos magnetizadores, embora não contem esses com a oposição dos espíritas? Os Espíritos sempre preconizaram o magnetismo, seja como meio curativo, seja como causa primeira de uma porção de coisas; defendem sua causa e vêm prestar-lhe apoio contra os seus inimigos. Os fenômenos espíritas têm aberto os olhos de muitas pessoas que, ao mesmo tempo, aderem ao magnetismo. Não é bizarro constatar que os magnetizadores esquecem tão depressa o que sofreram dos preconceitos, negando a existência de seus defensores e contra eles atirando as mesmas flechas que outrora eram lançadas sobre si próprios? Isto não é nobre nem digno de homens para quem a Natureza retira, mais que os outros, o direito de pronunciar o famoso nec plus ultra[2], ao desvendar um de seus mais sublimes mistérios. Tudo prova, no rápido desenvolvimento do Espiritismo, que logo ele terá direito de cidadania. Enquanto espera, aplaude com todas as suas forças a posição que acaba de conquistar o magnetismo, como um sinal incontestável do progresso das ideias.



[1] Revista Espírita – outubro/1858 – Allan Kardec

[2] Origem etimológica: locução latina que significa "não mais além".

Nenhum comentário:

Postar um comentário