sábado, 13 de janeiro de 2024

O ESPÍRITA PERANTE O EVANGELHO[1]

 


Miguel Vives y Vives

 

Para alcançar o grau de moralidade de que necessita, a fim de bem cumprir a sua missão, ter paz na Terra e conseguir alguma felicidade no espaço, o espírita deve cumprir a lei divina. E onde está essa lei? No Evangelho do Senhor. Portanto, o espírita deve saber de memória a sua parte moral, tanto quanto possível, pois como aplicará a lei, se não a souber? Como usá-la, se não a recorda?

O espírita deve gravar na sua alma a grande figura do Senhor.

Deve ter-lhe respeito e gratidão. E não deve esquecer-se de que somente por Ele se vai ao Pai. Assim, para o espírita, o Evangelho não pode ser letra morta, mas a lei moral vigente em todos os tempos, em todas as idades. Porque a lei proclamada pelo grande Mestre não sofrerá modificações em sua parte moral.

E do seu cumprimento depende o nosso progresso espiritual, a nossa paz e a nossa felicidade na Terra e no espaço.

Temos o costume, bastante generalizado, de relegar ao esquecimento o que mais nos interessa. O mundo quase sabe de memória as palavras do Senhor, mas constantemente as olvida.

Sabe-se que o Senhor disse que devemos amar-nos como irmãos.

O homem menos instruído sabe que o Senhor acrescentou que devemos amar os nossos inimigos, bendizer os que nos maldizem, orar pelos que nos perseguem e caluniam, pagar o mal com o bem. A Humanidade, que sabe todas essas coisas, por acaso as tem cumprido? Não. E qual tem sido a consequência dessa falta de cumprimento? As guerras, as discórdias, as infâmias, e tantos outros males que seria difícil enumerar.

Explica-se que os homens tenham esquecido esses mandamentos pela ignorância da vida no Além, por seu atraso.

Mas, e os espíritas? Temos nós cumprido esses mandamento?

Não. Se contamos algumas exceções, no geral estes ensinos têm sido letra morta. Será, por acaso, que não sabemos o que nos espera e a responsabilidade que temos no cumprimento desses mandamentos? Vem o Espiritismo derrogar ou cumprir a lei do Senhor? Não vem derrogá-la, mas cumpri-la. Então, por que nós, os espíritas, vivemos tão fora dos ensinos do Senhor e Mestre?

Que o “amarás a teu inimigo, pagarás o mal com o bem, orarás pelos que te perseguem e caluniam” não são práticas muito arraigadas entre os espíritas, está evidente a plena luz.

Consulte cada espírita a sua conduta na vida pública e privada, e logo verá quantas vezes deixou de cumprir esses ensinos.

Consulte a própria consciência, e veja o que se passou na vida familiar, nas suas relações sociais, ou dentro dos Centros Espíritas, e verá que mesmo excluindo os demais, se houvesse pessoalmente cumprido esses preceitos, talvez houvesse evitado desgostos, rixas, dissensões e muitas outras coisas, em todos esses lugares.

Tudo isso, muitas vezes, sem má-fé, mas apenas por falta de estar apercebido. Assim, uma falta produziu outra e o resultado foi a queda. Como assinalei anteriormente, é necessário estarmos apercebidos, termos a lei divina sempre presente, em todas as circunstâncias de nossa existência planetária.

É verdade que haverá muitas exceções entre os espíritas, que não terão do que se acusar. Muitos mais haverá, porém, que estão incluídos no que acabo de dizer. É quase perdoável que a Humanidade tenha deixado de cumprir o que o Senhor manda no seu Evangelho, apesar de que o nosso juízo a respeito não a exime da responsabilidade que contraiu. Porém, que entre os espíritas, em sua maioria, haja tão pouca atenção para o cumprimento da lei divina, proclamada pelo Senhor, é uma falta grave, que, se não procurarmos remediar, acarretará ao nosso meio muitas perturbações e será causa de novas expiações.

Não pode ser em vão que o Pai nos enviou o maior Espírito que já veio à Terra. Nem em vão que esse elevadíssimo Espírito foi ultrajado, depois de haver provado sua grande missão através de seus feitos e de sua doutrina. Não pode ser um vão que Allan Kardec e os Espíritos de Luz no-lo apontaram como o nosso modelo. Ele é o caminho, a verdade e a vida. Fora dos seus ensinamentos não há salvação possível. Por isso, compreendendo a importância do Evangelho, Allan Kardec esclareceu algumas parábolas e conceitos, para que estivessem ao alcance de todas as inteligências, participando desses esclarecimentos, de maneira muito direta, elevados Espíritos, que ditaram comunicações de ordem moral, tocando-nos a alma. Dessa maneira, se nós, espíritas, fizermos omissão, daí resultando uma falha de perfeição moral em nosso meio, não podemos culpar a ninguém, senão à nossa própria indolência, à nossa ingratidão.

Há também a falta de reconhecimento de um fato culminante, como a vinda do Senhor à Terra, e de reconhecimento da sua lei, da sua abnegação, do seu sacrifício e do seu amor para com todos os seus irmãos. Se a nossa indiferença é tanta, que apenas lembramos a lei proclamada e selada com sangue no Calvário, o que esperamos alcançar? Que fará o espírita que se esquece da lei? Em que fonte beberá? Onde encontrará o consolo de que necessita, para suportar os embates da vida? A quem apelará, quando estiver no mais rijo das provas? Quem lhe servirá de modelo? Está provado, até à evidência, que, se o Senhor veio à Terra, foi para servir-nos de guia. E quem o seguir não se perderá no caminho da existência terrena. Porque Ele é o caminho, a verdade e a vida.

Por isso, todo espírita há de ser admirador do Mestre; deve estudar as suas palavras, a sua moral, a sua lei, os seus sacrifícios, a sua abnegação, o seu amor, a sua prudência e, sobretudo, a sua elevadíssima missão, já que esta contém dois pontos essenciais, que são de importância capital para o curso de nossa existência terrena.

Afirmei que era necessário conhecer a lei divina para cumpri-la.

Isto é a primeira coisa que o espírita deve fixar em sua mente, para seguir o caminho de justiça e de amor. Mas há, na missão do Senhor, outro objetivo de capital interesse para o bem do nosso espírito, que é o consolo, a resignação e a paciência que o seu sacrifício nos pode inspirar.

Todos estamos na Terra para ser provados, e muitos em expiação. Passam-se às vezes anos em que a prova não é dura, nem a expiação é forte. Mas, quando a prova é daquelas que esmagam o espírito e a expiação é tão dolorosa que mal a suportamos, então é de grande utilidade recordar, não só os mandamentos, mas também o sofrimento e a resignação do Senhor. Devemos lembrá-lo, então, perante o tribunal dos escribas e fariseus; quando estava na prisão; quando o coroavam de espinhos; quando o ataram à coluna e o flagelavam; quando levava a cruz às costas; quando se viu desnudo e só no Calvário; quando o estenderam na cruz e lhe cravaram os pés e as mãos; quando foi erguido no madeiro, desfigurado, ensanguentado, e em meio de tanta aflição deu mostras de resignação e calma superiores, e ainda de que amava e perdoava, como se tivesse sido tratado com a maior consideração e respeito.

A recordação desses grandes feitos nos induzirá à resignação, a sofrer as grandes dores sem nos queixarmos, a suportar as grandes provas com ânimo sereno. Isto fará que procedamos como espíritas. E não somente podemos tirar proveito dessas lembranças, mas ainda, se unirmos à recordação o amor ao Senhor, a admiração e a súplica, identificando-nos com Ele, poderemos receber grande proteção do Alto, e às vezes a sua própria influência. Por que não? Não ouviu Ele a mulher pecadora? Não curou os cegos, os mudos e os leprosos? Não há exemplos de que, nos séculos já passados, muitos foram amparados diretamente por Ele?

Os apóstolos e os mártires do cristianismo foram protegidos por Ele: Teresa de Ávila, Juan de La Cruz, Pedro Alcântara e muitos outros tiveram a incomparável sorte de falar com Ele, de vê-lo, de receber suas instruções e consolos. E pensais, porventura, que esse elevadíssimo Espírito nos abandonou e está hoje indiferente às nossas súplicas e às nossas lágrimas?

Acreditais que Ele, na sua glória, trata apenas de passar o tempo gozando da bem-aventurança, sem praticar a sacrossanta caridade, que tanto praticou enquanto estava aqui? Acreditais que Ele só se interessa por viver entre Espíritos de grande luz, deixando abandonados a nós que o amamos, que pensamos e confiamos nele? Não acreditais nisso, irmãos! Ele não abandonará os seres que vivem na Terra e que o tomam por exemplo. Não abandonará os que nele confiam como não abandonará os cristãos sinceros de todas as épocas.

Dirão alguns, consigo mesmos, que na Terra não há ninguém digno de tanta proteção. E por que não? Quem deixaria de visitar um criminoso arrependido, que suplicasse proteção, pedisse um conselho, uma palavra de amor, um olhar de carinho? Quem deixaria de atender as súplicas de um enfermo, de um inválido, de uma criança perdida num despovoado? Quem negaria a mão ao que cai, ao desfalecido, ao moribundo? Quem negaria um pedaço de pão ao que morre de fome, ou um copo d’água ao que morre de sede, ou não arrombaria uma janela para propiciar ar ao que morre asfixiado? Pois se nós, sendo maus, não sabemos nem podemos negar a proteção em todos esses casos, como quereis que o Mestre de bondade, o Grande, que tudo fez por amor e abnegação, o que disse: “deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o Reino dos Céus”, o que deu saúde aos enfermos, paz aos corações aflitos, o que tanto sofreu para dar-nos exemplo, como quereis que Ele não ouça as nossas súplicas? Como poderá Ele deixar de atendê-las, quando partem de almas arrependidas, que clamam por misericórdia e proteção, se Ele é amor, se é a caridade mais pura que já existiu em nosso planeta?

O que somo nós, senão criminosos arrependidos, mulheres extraviadas que voltam ao redil, enfermos de corpo e espírito, crianças desamparadas no deserto da vida, que clamamos:

“Senhor, Senhor, apiedai-vos de nós, que sucumbimos!”

Ah, meus irmãos, não duvideis! O Senhor ama a Humanidade terrena. Ele a quer, trabalha com fervor pelo seu progresso e protege aos que o invocam com sinceridade. Temos exemplos do que afirmamos, e todo aquele que siga as pegadas do Senhor, amando-o e cumprindo as suas leis, poderá tê-los.

Por isso entendemos que o espírita há de amar o Senhor; deve admirá-lo e segui-lo até aonde lhe for possível, em suas leis e em seus exemplos; pois assim evitará quedas que poderão ser muito graves, e que lhe podem acarretar a tribulação nesta vida e o sofrimento no espaço.



[1] O Tesouro dos Espíritas – Miguel Vives y Vives

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