terça-feira, 12 de dezembro de 2023

OS BANQUETES MAGNÉTICOS[1]

 


Allan Kardec

 

No dia 26 de maio, aniversário natalício de Mesmer, realizam-se dois banquetes anuais que reúnem a elite dos magnetizadores de Paris e os adeptos estrangeiros que a eles querem se juntar.

Sempre nos perguntamos por que essa solenidade comemorativa é celebrada por dois banquetes rivais, onde cada lado bebe à saúde do outro e onde se ergue, sem resultado, um brinde à união. Quando se está lá, parece que estão bem perto de se entenderem. Por que, então, uma cisão entre homens que se dedicam ao bem da Humanidade e ao culto da verdade? Não lhes apresentará a verdade sob a mesma luz? Terão duas maneiras de compreender o bem da Humanidade? Estarão divididos sobre os princípios de sua ciência? Absolutamente; têm todos as mesmas crenças, o mesmo mestre, que é Mesmer.

Se esse mestre, cuja memória invocam, atende ao apelo que lhe fazem, como acreditamos, deve lamentar ao ver a desunião entre seus discípulos. Felizmente essa falta de união não provocará guerras como as que, em nome do Cristo, têm ensanguentado o mundo, para a eterna vergonha dos que se dizem cristãos. Mas essa guerra, por mais inofensiva que seja, embora se limite a golpes de penas e a beber cada um do seu lado, nem por isso deixa de ser menos lamentável. Gostaríamos de ver os homens de bem unidos num mesmo sentimento de confraternização; com isso, ganharia a ciência magnética em progresso e em consideração.

Desde que os dois campos não estão divididos por divergências doutrinárias, a quem aproveita, pois, o seu antagonismo?

Só podemos ver-lhe a causa nas susceptibilidades inerentes à imperfeição de nossa natureza, de que os homens, até mesmo os superiores, não estão isentos. Em todos os tempos o gênio da discórdia tem agitado o seu facho sobre a Humanidade; isto é, do ponto de vista espírita, os Espíritos inferiores, invejosos da felicidade dos homens, entre eles encontram um acesso muito fácil. Felizes aqueles que têm bastante força moral para repelir suas sugestões.

Fizeram-nos a honra de nos convidar a uma dessas duas reuniões. Como ocorreriam simultaneamente, como não somos ainda senão um Espírito muito materialmente encarnado, nem possuímos o dom da ubiquidade, só nos foi possível satisfazer a um desses graciosos convites, o que era presidido pelo Dr. Duplanty. Devemos dizer que os partidários do Espiritismo ali não constituíam maioria; todavia, constatamos com prazer que, à parte alguns piparotes dados aos Espíritos nas espirituosas canções que foram executadas pelo Sr. Jules Lovi, e nas não menos divertidas cantadas pelo Sr. Fortier, que exigiram a honra do bis, da parte de ninguém foi a Doutrina Espírita objeto dessas críticas tão inconvenientes, de que são pródigos certos adversários, a despeito da educação de que se vangloriam.

Longe disso, num discurso notável e por isso mesmo aplaudido, o Dr. Duplanty proclamou, em alta voz, o respeito que se deve ter pelas crenças sinceras, ainda mesmo que não as compartilhemos. Sem se pronunciar pró ou contra o Espiritismo, fez observar sabiamente que os fenômenos do magnetismo, ao nos revelarem uma força até então desconhecida, devem tornar-se ainda mais circunspectos em relação aos que se podem ainda revelar e que, pelo menos, seria imprudência negar os que não compreendemos ou não pudemos constatar, sobretudo quando se apoiam na autoridade de homens honrados, cujas luzes e cuja lealdade não poderiam ser postas em dúvida. São palavras sensatas, que agradecemos ao Sr. Duplanty; contrastam singularmente com as de certos adeptos do magnetismo que, de forma desrespeitosa, cobrem de ridículo uma doutrina que confessam não conhecer, esquecendo eles mesmos que outrora foram alvo dos sarcasmos; que também foram enviados aos hospitais de alienados e perseguidos pelos cépticos como inimigos do bom-senso e da religião.

 Hoje, que o magnetismo se reabilitou pela própria força das coisas; que dele não mais se ri; que se pode sem temor confessar-se magnetizador, é pouco digno, pouco caridoso para eles, usarem de represálias contra uma ciência irmã da sua, que não lhes poderia prestar senão um salutar apoio. Não atacamos os homens, dizem; somente rimos daquilo que nos parece ridículo, aguardando que a luz se faça para nós. Em nossa opinião, a ciência magnética, que professamos há 35 anos, deveria ser inseparável da seriedade. Parece-nos que, à sua verve satírica, não falta combustível neste mundo, não tomando como alvo as coisas sérias. Esquecem-se, pois, de que contra eles foi usada a mesma linguagem; que também acusavam os incrédulos de julgarem levianamente e que diziam, como nós agora, por nossa vez: “Paciência! Rirá melhor quem rir por último!”



[1] Revista Espírita – junho/1858 – Allan Kardec

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