Allan Kardec
Para chegar à floresta de Dodona
passamos pela Rua Lamartine e paramos um instante na casa do Sr. B***, onde
vimos um móvel submisso propor-nos um novo problema de estática.
Os assistentes, em qualquer
número, colocam-se em torno da mesa em questão, numa ordem também qualquer,
pois não há, ali, nem números nem lugares cabalísticos; apoiam as mãos sobre a
beirada; mentalmente, ou em voz alta, apelam aos Espíritos que têm o hábito de
levar em conta o seu convite. Sendo conhecida nossa opinião sobre esse gênero
de Espíritos, nós os tratamos um tanto sem-cerimônia. Apenas são decorridos
quatro ou cinco minutos quando um ruído claro de toc, toc se faz ouvir
na mesa, por vezes bastante forte para ser percebido na sala vizinha, repetindo-se
tanto tempo e tantas vezes quanto se deseje. A vibração é sentida nos dedos e,
ao aplicar-se o ouvido à mesa, reconhece-se, sem qualquer equívoco, que o ruído
se origina na própria substância da madeira, visto vibrar a mesa inteira, dos
pés ao tampo.
Qual a causa desse ruído? É a
madeira que opera ou, como se costuma dizer, um Espírito? Afastemos,
inicialmente, qualquer ideia de fraude; encontramo-nos em casa de pessoas muito
sérias, e de muito boa companhia para se divertirem à custa daqueles que
recebem de bom grado; aliás, essa casa não é de modo algum privilegiada; fatos
idênticos se produzem em cem outras, igualmente distintas. Seja-nos permitido
uma pequena digressão, enquanto aguardamos a resposta.
Um jovem bacharelando estava em
seu quarto, ocupado em recordar suas lições de retórica; batem à porta. Imagino
que se possa distinguir a natureza do ruído e, sobretudo por sua repetição, se
é causado por um estalido da madeira, pela agitação do vento ou outra causa
fortuita qualquer, ou se é alguém que bate, querendo entrar. Neste último caso
o ruído tem um caráter intencional que não pode ser posto em dúvida; é o que
pensa nosso estudante.
Entretanto, para não se
incomodar inutilmente, quis assegurar-se disso, pondo à prova o visitante. Se é
alguém – diz – batei uma, duas, três, quatro, cinco, seis vezes; batei no alto,
em baixo, à direita, à esquerda; batei o compasso, batei o toque de chamada
militar etc.; e a cada um desses pedidos o ruído obedece com a mais perfeita
pontualidade. Seguramente, pensa ele, não pode ser o estalido da madeira, nem o
vento, nem mesmo um gato, por mais inteligente que se o suponha. Eis um fato;
vejamos a que consequências nos conduzirão os argumentos silogísticos.
Raciocina, então, da seguinte forma: Ouço um ruído; logo, é alguma coisa que o
produz. Esse ruído obedece ao meu comando; portanto, a causa que o produz me
compreende. Ora, o que compreende tem inteligência, portanto a causa desse
barulho é inteligente. Se é inteligente, não é a madeira, nem o vento; se não é
nem um, nem outro, é alguém. Então foi abrir a porta. Vê-se que não é preciso
ser doutor para chegar a essa conclusão e julgamos nosso aprendiz de bacharel
bastante aferrado aos seus princípios para deduzir o seguinte: suponhamos que,
ao abrir a porta, não encontre ninguém e o ruído continue exatamente da mesma
maneira. Ele prosseguirá o seu raciocínio:
Acabo de provar a mim mesmo, sem contestação, que o
ruído é produzido por um ser inteligente, visto responder ao meu pensamento.
Ouço sempre esse ruído diante de mim e é certo que não sou eu quem bate; é,
pois, um outro; ora, se não vejo esse outro, é porque é invisível. Os seres
corporais que pertencem à Humanidade são perfeitamente visíveis; sendo invisível
o que bate, não é um ser corporal humano. À vista disso, desde que chamamos de
Espíritos os seres incorpóreos, e não sendo corpóreo o ser que bate, há, pois,
de ser um Espírito.
Julgamos perfeitamente lógicas
as conclusões de nosso estudante; apenas aquilo que demos como suposição é uma
realidade, no que concerne às experiências feitas na casa do Sr. B***. Acrescentaremos
que era desnecessária a imposição das mãos e que todos os fenômenos se
produziram igualmente bem, ainda que a mesa estivesse livre de qualquer
contato. Assim, conforme o desejo expresso, os golpes faziam-se ouvir na mesa,
na parede, na porta e em outros lugares, designados verbal ou mentalmente;
indicavam a hora, o número de pessoas presentes; batiam o avanço, o toque de
chamada militar, o ritmo de uma ária conhecida; imitavam o trabalho do
tanoeiro, o rangido da serra, o eco, as rajadas de tiros isolados ou de
pelotões, e muitos outros efeitos que seria cansativo descrever.
Foi-nos dito terem ouvido
imitar, em certo círculo, o sibilar do vento, o sussurro das folhas, o ribombar
do trovão, o marulho das vagas, o que nada tem de surpreendente. A inteligência
da causa tornava-se patente quando, por meio desses golpes, eram obtidas
respostas categóricas a determinadas questões; ora, é a essa causa inteligente
que chamamos ou, melhor dizendo, que chamou a si mesma Espírito. Quando
esse Espírito queria dar uma comunicação mais desenvolvida, indicava, por meio
de um sinal particular, que desejava escrever; então, o médium escrevente
tomava o lápis e transmitia por escrito o seu pensamento.
Entre os assistentes, não
falando dos que estavam em volta da mesa, mas de todas as pessoas que enchiam o
salão, havia incrédulos autênticos, semicrentes e adeptos fervorosos, mistura
pouco favorável como se sabe. Deixaremos os primeiros à vontade, esperando que
a luz se faça para eles. Respeitamos todas as crenças, mesmo a incredulidade,
que também é uma espécie de crença, quando se preza bastante para não chocar as
opiniões contrárias. Não diremos, portanto, que não possam brindar-nos com
observações úteis. Seu raciocínio, muito menos prolixo que o do nosso
estudante, resume-se geralmente assim: Não creio nos Espíritos, portanto, não
podem ser Espíritos. Visto que não são Espíritos, deve ser um truque. Essa
conclusão os leva naturalmente a supor que a mesa seria dotada de um maquinismo
qualquer, à maneira de Robert Houdin. Nossa resposta é muito simples: primeiro
seria necessário que todas as mesas e todos os móveis fossem dotados de tal
maquinismo, pois que não os há privilegiados; segundo, desconhecemos artifício
assaz engenhoso que produza, à vontade, todos os efeitos que acabamos de
descrever; terceiro, seria preciso que o Sr. B*** aparelhasse as paredes e
portas de seu apartamento com o mesmo maquinismo, o que é pouco provável; e em
quarto lugar, enfim, teria sido necessário que as mesas, as portas e as paredes
de todas as casas onde tais fenômenos se produzem diariamente fossem igualmente
dotadas de maquinismo semelhante, o que também não seria de presumir-se,
porque, então, se conheceria o hábil construtor de tantas maravilhas.
Os semicrentes admitem todos os
fenômenos, mas estão indecisos quanto à sua causa. Nós os mandamos de volta aos
argumentos do nosso futuro bacharel.
Os crentes apresentam três
matizes bem característicos: os que nas experiências não veem mais que uma
diversão e um passatempo, e cuja admiração se traduz por estas palavras ou seus
análogos: É espantoso! É singular! É bem engraçado! Mas não vão além disto. Em
seguida vêm as pessoas sérias, instruídas, observadoras, a quem nenhum detalhe
escapa e para as quais as menores coisas constituem objeto de estudo.
Finalmente, vêm os ultra crentes, se assim nos podemos exprimir ou, melhor
dizendo, os crentes cegos, os que se pode censurar pelo excesso de credulidade,
cuja fé, não suficientemente esclarecida, dá-lhes uma tal confiança nos
Espíritos a ponto de lhes emprestarem todos os conhecimentos, a presciência,
sobretudo. Assim, é com a melhor boa-fé do mundo que fazem perguntas sobre
todos os assuntos, sem lhes passar pela mente que teriam obtido as mesmas
respostas de uma cartomante a quem pagassem algumas moedas. Para eles, a mesa
falante não é matéria de estudo ou de observação: é um oráculo. Contra
ela há apenas a forma trivial e os seus usos muito vulgares, porém, se a
madeira de que é feita, em vez de ser aparelhada para as necessidades
domésticas, estivesse de pé, teríeis uma árvore falante; fosse nela
esculpida uma estátua e teríeis um ídolo, ante o qual viriam prostrar-se
as pessoas crédulas.
Agora, transponhamos os mares e
vinte e cinco séculos atrás, e nos transportemos ao pé do monte Taurus, em
Epiro; aí encontraremos a floresta sagrada, cujos carvalhos proferiam oráculos;
acrescentai a isso o prestígio do culto e a pompa das cerimônias religiosas e
facilmente se explicará a veneração de um povo ignorante e crédulo, incapaz de
perceber a realidade através de tantos meios de fascinação.
A madeira não é a única
substância que pode servir de veículo à manifestação dos Espíritos
batedores. Vimo-la produzir-se numa parede e, por consequência, na pedra.
Temos, pois, desse modo, as pedras falantes. Representem essas pedras
uma personagem sagrada e teremos a estátua de Memnon ou a de Júpiter Ammon,
proferindo oráculos como as árvores de Dodona.
É verdade que a história não nos
diz que esses oráculos eram proferidos por pancadas, como vemos em nossos dias.
Na floresta de Dodona resultavam do sibilar do vento através das árvores, do
sussurro das folhas ou do murmúrio da fonte que jorra ao pé do carvalho
consagrado a Júpiter. Diz-se que a estátua de Memnon emitia sons melodiosos aos
primeiros raios do sol. Mas também a História nos diz, como teremos ocasião de
demonstrar, que os Antigos conheciam perfeitamente os fenômenos atribuídos aos
Espíritos batedores. Ninguém duvida de que nisso repouse o princípio de sua
crença na existência de seres animados nas árvores, nas pedras, nas águas etc.
Mas, desde que tal gênero de manifestação foi explorado, as batidas já não eram
suficientes; os visitantes eram muito numerosos para que a cada um se pudesse
oferecer uma seção particular, o que teria sido, aliás, muito simples; era
preciso o prestígio e, contanto que enriquecessem o templo com suas oferendas,
tais despesas deviam ser providas. O essencial era que o objeto fosse olhado
como sagrado e habitado por uma divindade; desde então, podia-se fazê-lo dizer
aquilo que se quisesse, sem se precisar tomar tantas precauções.
Diz-se que os sacerdotes de
Memnon usavam de fraude; a estátua era oca e os sons que emitia eram produzidos
por algum processo acústico. Isso é possível e mesmo provável. Até os Espíritos
batedores, que em geral são menos escrupulosos do que os outros, nem sempre
estão, como nos disseram, à disposição do primeiro que chegar: têm sua vontade,
suas ocupações, suas susceptibilidades e nenhum gosta de ser explorado pela
cupidez. Que descrédito para os sacerdotes se não fizessem falar o seu ídolo de
modo convincente! Seria preciso suprir seu silêncio e, se necessário, forçar
uma ajuda. Aliás, era muito mais cômodo do que se dar a tanto trabalho,
bastando formular a resposta conforme as circunstâncias. O que vemos hoje em
dia não é prova menos evidente de que, a despeito disto, tinham por princípio o
conhecimento das manifestações espíritas, razão por que dissemos que o
Espiritismo moderno é o despertar da Antiguidade, porém da Antiguidade
esclarecida pelas luzes da civilização e da realidade.
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