terça-feira, 29 de agosto de 2023

UM CURA MÉDIUM CURADOR[1]

 


Allan Kardec

 

Um dos nossos assinantes do Departamento dos Hautes-Alpes escreve-nos o seguinte:

 

Desde algum tempo se fala muito, no vale do Queyras, de um vigário que, sem estudos médicos, cura uma multidão de pessoas de várias afecções. Há muito tempo que age assim, e dizem que augustas personagens o consultaram, quando era chefe de outra paróquia nos Basses-Alpes. Suas curas tinham dado que falar, e dizem que, por punição, fora enviado como Cura a La Chalpe, comuna vizinha de Abriès, na fronteira do Piemonte. Lá continuou a ser útil à Humanidade, aliviando e curando, como no passado.

Para os espíritas isto nada tem de admirável. Se vos falo do caso é porque no vale do Queyras, como alhures, ele faz muito barulho. Como todos os médiuns curadores sérios, nunca aceita nada. Segundo me disseram, S. M. a Imperatriz herdeira da Rússia lhe teria oferecido várias notas de banco, que ele recusou, rogando que as pusesse na caixa de esmolas, caso as quisesse dar para sua Igreja.

Um outro indivíduo colocou um dia, disfarçadamente, uma moeda de vinte francos entre os seus papéis; quando ele o percebeu, fê-lo voltar, sob pretexto de novas indicações a lhe dar, e lhe devolveu o seu dinheiro.

Uma porção de pessoas fala dessas curas de visu; outras não acreditam. Sei do fato através de pessoas que são as menos convenientes.

Tinham denunciado o Cura por exercício ilegal da Medicina; dois policiais se apresentaram em sua casa para levá-lo à autoridade.

Ele lhes disse:

Eu vos seguirei; mas, um instante, por favor, porque não comi. Almoçai comigo e me vigiareis.

Durante a refeição, ele disse a um dos policiais:

Estais doente.

Doente? Agora nem tanto; há três meses, nada digo.

Pois bem! Sei o que tendes; e, se quiserdes, posso curar-vos já, se fizerdes o que eu disser.

Negociaram e a proposta foi aceita.

O Cura mandou suspender o policial pelos pés, de modo que suas mãos tocassem a terra e o sustentassem; colocou sob sua cabeça uma tigela de leite quente e lhe administrou o que se chama uma fumigação de leite. Ao cabo de alguns minutos, uma cobrinha, dizem uns, um grande verme, segundo outros, cai na tigela. Reconhecido, o policial pôs a cobra numa garrafa e conduziu o cura ao magistrado, ao qual explicou o seu caso, após o que o Cura foi posto em liberdade.

 

Eu teria desejado muito ver esse Cura, acrescenta o nosso correspondente, mas a neve de nossas montanhas torna os caminhos muito difíceis nesta estação; sou obrigado a me contentar com as informações que vos transmito. A conclusão de tudo isto é que esta faculdade se desenvolve e os exemplos se multiplicam. Na comuna que vos cito, e em nosso vale, isto produz um grande efeito. Como sempre, uns dizem: Charlatão; outros, demônio; outros ainda, feiticeiro. Mas os fatos aí estão, e não pude perder a ocasião para dizer a minha maneira de pensar, explicando que os fatos desse gênero nada têm de sobrenatural, nem de diabólico, como se têm visto milhares de exemplos, desde os tempos mais remotos, e que é um modo de manifestação do poder de Deus, sem que haja derrogação de suas leis eternas.



[1] Revista Espírita – abril/1869 – Allan Kardec

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