Allan Kardec
Contaram muitas vezes, e todos
conhecem o estranho relato da morte de Mozart, cujo Réquiem tão célebre
foi a última e incontestável obra-prima. A dar crédito a uma tradição
napolitana antiga e respeitável, muito tempo antes de Mozart, fatos não menos
misteriosos e não menos interessantes teriam precedido, se não levado à morte
prematura de um grande mestre: Pergolesi.
Ouvi essa tradição da própria
boca de um velho camponês de Nápoles, essa terra das artes e das recordações;
ele a recebera de seus avós, e em seu culto ao ilustre mestre, do qual falava,
tinha o cuidado de nada alterar em seu relato.
Eu o imitarei e vos direi
fielmente o que ele me contou.
Disse-me ele:
Conheceis a cidadezinha de Casoria, a poucos
quilômetros de Nápoles? Foi lá que em 1704 Pergolesi veio à luz.
Desde a mais tenra idade revelou-se o artista do
futuro. Como sua mãe, como fazem todas as nossas, cantarolava junto dele as
lendas rimadas de nossa terra, para adormecer il bambino, ou, segundo a
ingênua expressão de nossas amas-de-leite napolitanas, a fim de chamar para
junto do berço os anjinhos do sono (angelini del sonno), diz-se que o
menino, ao invés de fechar os olhos, os arregalava, fixos e brilhantes; suas
mãozinhas se agitavam e pareciam aplaudir; aos gritos alegres que escapavam de
seu peito ofegante, dir-se-ia que essa alma, apenas desabrochada, já estremecia
aos primeiros ecos de uma arte que um dia deveria cativá-la por inteiro.
Aos oito anos, Nápoles o admirava como um prodígio, e
durante mais de vinte anos a Europa inteira aplaudiu o seu talento e suas
obras. Ele fez a arte musical dar um passo imenso; lançou, por assim dizer, o
gérmen de uma era nova, que logo deveria produzir os mestres que se chamam
Mozart, Méhul, Beethoven, Haydn e outros; numa palavra, a glória cobria a sua
fronte com a mais brilhante auréola.
E, contudo, dir-se-ia que sobre essa fronte errava uma
nuvem de melancolia, fazendo-a curvar-se para a terra. De vez em quando o olhar
profundo do artista se elevava para o céu, como se aí buscasse alguma coisa, um
pensamento, uma inspiração.
Quando o interrogavam, respondia que uma vaga aspiração
enchia sua alma, que no fundo de si mesmo ouvia como que os ecos incertos de um
canto do céu, que o arrebatava e o elevava, mas não podia captá-lo e que,
semelhante a um pássaro cujas asas, por demais fracas, não podem, à sua
vontade, elevá-lo no espaço, caía na terra, sem ter podido seguir essa suave
inspiração.
Nesse combate, pouco a pouco a alma se esgotava; na
mais bela idade da vida, pois então tinha apenas trinta e dois anos, Pergolesi
parecia já ter sido tocado pelo dedo da morte. Seu gênio fecundo parecia ter-se
tornado estéril, sua saúde definhava dia a dia; em vão seus amigos lhe
procuravam a causa e ele próprio era incapaz de a descobrir.
Foi nesse estado penoso e estranho que ele passou o
inverno de 1735 a 1736.
Sabeis com que piedade aqui celebramos, ainda em nossos
dias, a despeito da debilidade da fé, o tocante aniversário da morte do Cristo;
a semana em que a Igreja o relembra a seus filhos é bem realmente, para nós,
uma semana santa. Assim, reportando-vos à época de fé em que vivia
Pergolesi, podeis pensar com que fervor o povo acorria em massa às igrejas,
para meditar as cenas enternecedoras do drama sangrento do Calvário.
Na sexta-feira santa Pergolesi acompanhou a multidão.
Aproximando-se do templo, parecia-lhe que uma calma, há muito desconhecida para
ele, se fazia em sua alma e, quando transpôs o portal, sentiu-se como que
envolto por uma nuvem ao mesmo tempo espessa e luminosa. Logo nada mais viu;
profundo silêncio se fez em seu redor; depois, ante os seus olhos admirados, e
em meio à nuvem, na qual até então lhe parecia ter sido levado, viu
desenharem-se os traços puros e divinos de uma virgem, inteiramente vestida de
branco; ele a viu pousar seus dedos etéreos nas teclas de um órgão, e ouviu
como um concerto longínquo de vozes melodiosas, que insensivelmente dele se
aproximava. O canto que essas vozes repetiam o enchia de encantamento, mas não
lhe era desconhecida; parecia-lhe que esse canto era aquele do qual não tinha
podido perceber senão vagos ecos; essas vozes eram bem aquelas que, desde
longos meses, lançavam perturbação em sua alma e agora lhe traziam uma
felicidade sem limite. Sim, esse canto, essas vozes eram bem o sonho que ele
tinha perseguido, o pensamento, a inspiração que inutilmente havia procurado
por tanto tempo.
Mas, enquanto sua alma, arrebatada no êxtase, bebia a
longos sorvos as harmonias simples e celestes desse concerto angélico, sua mão,
como que movida por força misteriosa, agitava-se no espaço e parecia traçar,
mau grado seu, notas que traduziam os sons que o ouvido escutava.
Pouco a pouco as vozes se afastaram, a visão
desapareceu, a nuvem se desvaneceu e Pergolesi viu, ao abrir os olhos, escrito
por sua mão, no mármore do templo, esse canto de sublime simplicidade, que o
devia imortalizar, o Stabat
Mater, que desde esse dia todo o mundo cristão repete e admira.
O artista ergueu-se, saiu do templo, calmo, feliz e não
mais inquieto e agitado. Mas nesse dia uma nova aspiração se apoderou dessa
alma de artista; ela ouvira o canto dos anjos, o concerto dos céus. As vozes humanas
e os concertos terrestres já não lhe podiam bastar. Essa sede ardente, impulso
de um grande gênio, acabou por esgotar o sopro de vida que lhe restava, e foi
assim que aos trinta e três anos, na exaltação, na febre, ou melhor, no amor
sobrenatural de sua arte, Pergolesi encontrou a morte.
Tal é a narração de meu
napolitano. Como eu disse, não passa de uma tradição. Não defendo a sua
autenticidade e a História talvez não a confirme em todos os pontos, mas é
muito tocante para que não nos deleitemos com o seu relato.
Ernest Le Nordez
Petit Moniteur de 12 de dezembro de 1868
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