Allan Kardec
As comunicações que se obtêm dos
Espíritos muito elevados ou dos que animaram grandes personagens da Antiguidade
são preciosas pelo alto ensinamento que encerram. Esses Espíritos adquiriram um
grau de perfeição que lhes permite abranger uma esfera de ideias mais extensa,
penetrar mistérios que ultrapassam o alcance vulgar da Humanidade e, em
consequência, de iniciar-nos, melhor do que outros, em certas coisas. Daí não
se segue que as comunicações de Espíritos de uma ordem menos elevada não tenham
utilidade; longe disso: o observador haure nelas diversas instruções.
Para conhecer os costumes de um
povo, é preciso estudá-lo em todos os graus da escala. Quem só o tivesse visto
sob uma face, conhecê-lo-ia mal. A história de um povo não é a de seus reis e
das sumidades sociais; para julgá-lo é preciso vê-lo em sua vida íntima, em
seus hábitos privados.
Ora, os Espíritos superiores são
as sumidades do mundo espírita; sua própria elevação os coloca de tal forma
acima de nós que nos assustamos com a distância que nos separa deles.
Espíritos mais burgueses – que
nos permitam a expressão – tornam mais palpáveis as circunstâncias de sua nova
existência. Neles, a ligação entre a vida corporal e a vida espiritual é mais
íntima; nós a compreendemos melhor porque nos toca de mais perto. Aprendendo
com eles mesmos em que se tornaram, o que pensam, o que experimentam as pessoas
de todas as condições e de todos os caracteres, os homens de bem como os
viciosos, os grandes e os pequenos, os felizes e os infelizes do século, numa
palavra, os homens que viveram entre nós, que vimos e conhecemos, cuja vida
real é conhecida, como suas virtudes e defeitos, compreendemos suas alegrias e
seus sofrimentos. A eles nos associamos e neles haurimos um ensino moral tanto
mais proveitoso quanto mais íntimas as relações entre eles e nós. Colocamo-nos
mais facilmente no lugar de quem foi igual a nós, do que no daquele que vemos
apenas através da miragem de uma glória celeste. Os Espíritos vulgares
mostram-nos a aplicação prática das grandes e sublimes verdades, das quais os
Espíritos superiores nos ensinam a teoria. Aliás, nada é inútil no estudo de
uma ciência: Newton encontrou a lei das forças do Universo no mais simples dos
fenômenos.
Essas comunicações têm outra
vantagem: constatar a identidade dos Espíritos de maneira mais precisa. Quando
nos diz um Espírito ter sido Sócrates ou Platão, somos obrigados a crer sob
palavra, porquanto não traz consigo um certificado de autenticidade; podemos
ver, em suas palavras, se desmente ou não a origem que ele se atribui:
julgamo-lo Espírito elevado, eis tudo; em verdade, tenha sido Sócrates ou
Platão, pouco importa. Mas, quando o Espírito de nossos parentes, de nossos
amigos ou daqueles que conhecemos se nos manifesta, apresentam-se mil
circunstâncias de detalhes íntimos nos quais a identidade não poderia ser posta
em dúvida: de algum modo adquire-se a prova material. Pensamos, pois, que nos
agradecerão, se fizermos, de vez em quando, algumas dessas evocações íntimas: é
o romance de costumes da vida espírita, sem ficção.
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