terça-feira, 6 de junho de 2023

UTILIDADE DE CERTAS EVOCAÇÕES PARTICULARES[1]

 


Allan Kardec

 

As comunicações que se obtêm dos Espíritos muito elevados ou dos que animaram grandes personagens da Antiguidade são preciosas pelo alto ensinamento que encerram. Esses Espíritos adquiriram um grau de perfeição que lhes permite abranger uma esfera de ideias mais extensa, penetrar mistérios que ultrapassam o alcance vulgar da Humanidade e, em consequência, de iniciar-nos, melhor do que outros, em certas coisas. Daí não se segue que as comunicações de Espíritos de uma ordem menos elevada não tenham utilidade; longe disso: o observador haure nelas diversas instruções.

Para conhecer os costumes de um povo, é preciso estudá-lo em todos os graus da escala. Quem só o tivesse visto sob uma face, conhecê-lo-ia mal. A história de um povo não é a de seus reis e das sumidades sociais; para julgá-lo é preciso vê-lo em sua vida íntima, em seus hábitos privados.

Ora, os Espíritos superiores são as sumidades do mundo espírita; sua própria elevação os coloca de tal forma acima de nós que nos assustamos com a distância que nos separa deles.

Espíritos mais burgueses – que nos permitam a expressão – tornam mais palpáveis as circunstâncias de sua nova existência. Neles, a ligação entre a vida corporal e a vida espiritual é mais íntima; nós a compreendemos melhor porque nos toca de mais perto. Aprendendo com eles mesmos em que se tornaram, o que pensam, o que experimentam as pessoas de todas as condições e de todos os caracteres, os homens de bem como os viciosos, os grandes e os pequenos, os felizes e os infelizes do século, numa palavra, os homens que viveram entre nós, que vimos e conhecemos, cuja vida real é conhecida, como suas virtudes e defeitos, compreendemos suas alegrias e seus sofrimentos. A eles nos associamos e neles haurimos um ensino moral tanto mais proveitoso quanto mais íntimas as relações entre eles e nós. Colocamo-nos mais facilmente no lugar de quem foi igual a nós, do que no daquele que vemos apenas através da miragem de uma glória celeste. Os Espíritos vulgares mostram-nos a aplicação prática das grandes e sublimes verdades, das quais os Espíritos superiores nos ensinam a teoria. Aliás, nada é inútil no estudo de uma ciência: Newton encontrou a lei das forças do Universo no mais simples dos fenômenos.

Essas comunicações têm outra vantagem: constatar a identidade dos Espíritos de maneira mais precisa. Quando nos diz um Espírito ter sido Sócrates ou Platão, somos obrigados a crer sob palavra, porquanto não traz consigo um certificado de autenticidade; podemos ver, em suas palavras, se desmente ou não a origem que ele se atribui: julgamo-lo Espírito elevado, eis tudo; em verdade, tenha sido Sócrates ou Platão, pouco importa. Mas, quando o Espírito de nossos parentes, de nossos amigos ou daqueles que conhecemos se nos manifesta, apresentam-se mil circunstâncias de detalhes íntimos nos quais a identidade não poderia ser posta em dúvida: de algum modo adquire-se a prova material. Pensamos, pois, que nos agradecerão, se fizermos, de vez em quando, algumas dessas evocações íntimas: é o romance de costumes da vida espírita, sem ficção.



[1][1] Revista Espírita – Março/1858 – Allan Kardec

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