"Freedom and Responsibility" - Cora Cruz
Há muitos espíritas que pensam
que a ação do Espiritismo deve ficar adstrita a esse ambiente de religiosidade
e místico evangelismo que caracteriza, de modo claro e impressionante, as
reuniões dos vários núcleos de adeptos; há muitos outros que, reforçando essas
pronunciadas tendências, chegam a relegar as ciências, as artes e a literatura
para planos secundários e, infelizmente, há outros que, padecendo de fanatismo,
criam para si um mundo estranho, abstendo-se de quaisquer reflexões que possam
turbar a ordem de seus raciocínios no círculo vicioso em que vivem.
Os indivíduos menos suspicazes
que se detêm a examinar essa desordem entre os adeptos do Espiritismo, essa
imensa diversidade de pontos de vista, chegam a uma conclusão precipitada a
respeito da sua utilidade como fator harmonizador no sentido do progresso. Sem
penetrarem a fundo no exame das causas e tirando ilações rápidas dos efeitos
que observam, esses indivíduos não podem deixar de incidir em grave erro,
porquanto deve existir uma origem presente, próxima ou remota que explique
satisfatoriamente esses desmandos.
A origem, a causa, está na
liberdade de que gozam todos os Espíritos de aceitar ou rejeitar quaisquer
leis, princípios, teorias, pontos de vista e dogmas, venham ou não amparados
por mestres sábios ou cientistas.
Não existindo propriamente
nenhum chefe a que devamos obediência, em consequência da universalidade dos
ensinos, dos fenômenos e das teorias, é óbvio que, cada um, a despeito do que
aconselha o bom senso, se julga com o direito de ter ideias próprias, embora em
grande parte erradas, a propósito de todos os assuntos. Ora, como o progresso
dos Espíritos é relativo e a diversidade de conhecimentos, tendências e
sentimentos, entre eles, é enorme, conclui-se, logicamente, que não é possível
existir, nos núcleos que eles formam, a desejada harmonia no modo de pensar, de
ver, de observar, visto serem desiguais em preparo intelectual e moral.
Será um mal? Não, positivamente,
não! Esses homens, bons ou maus observadores, pouco ou muito evoluídos, estão
exercendo o direito natural de proceder livremente, direito que só se deve
censurar quando o que o exercita causa dano ao círculo sobre que pesa a sua
influência material ou moral.
A liberdade ampla de fazer, ou
deixar de fazer algo, traz em si, consequentemente, o condão da mais dilatada
responsabilidade. Ora, se um homem abusa do seu poder, arrogando-se o papel de
mentor dos que lhe obedecem, aumenta o âmbito de suas responsabilidades e, ao
invés de responder por si só, passa a responder por todos os atos dos outros
que o imitarem, com a relatividade particular com que cada um tiver procedido,
com maior ou menor intenção, no sentido do mal.
Embora a relativa desordem que
se observa nos núcleos espíritas não seja mais do que o resultado do exercício
de um direito, não devemos, todavia, deixar o campo livre aos mais
raciocinadores. É um crime, perante as sublimes leis que regem o Universo,
deixar de chamar à ordem, ao cumprimento do dever, os que se desviam e causam
males a si e aos outros.
O Espiritismo, fatalmente, tem
de exercer a sua influência na organização geral dos povos, desde o recesso dos
lares que os formam até as relações que mantêm entre si.
Por conseguinte, estão em erro
todos os que pretendem adstringir a influência da Doutrina a este ou àquele
campo, quando ela é chamada a instruir, educar e engrandecer todas as raças e
todos os povos, em todos os domínios dos conhecimentos humanos, numa ascensão
para a felicidade.
Oxalá cada homem se compenetre
do que lhe cumpre fazer e compreenda que o horizonte do Espírito aumenta na
razão direta do seu engrandecimento moral e intelectual.
Lins de
Vasconcellos[2]
[1] MUNDO ESPÍRITA - Maio de 2023 − Número 1666
− Ano 91
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