Silvio Seno Chibeni
“Pois que vos
dizeis espíritas, sede-o.”
Simeão[2]
Resumo: O que é ser espírita? Raras vezes essa
questão é colocada, embora o qualificativo espírita seja amplamente usado.
Neste trabalho examina-se como Allan Kardec abordou a questão, em diversas de
suas obras. Procura-se salientar a relevância das considerações de Kardec para
as reflexões que cada um de nós deve fazer acerca de sua condição de espírita.
1. O Livro dos Espíritos
Nesta primeira seção
centralizaremos a análise no tratamento dado por Kardec à questão do que é ser
espírita na obra fundamental do Espiritismo, O Livro dos Espíritos. Como
se observa pela leitura do primeiro parágrafo da Introdução, o termo espírita,
foi, como vários outros, inventado por Kardec com o objetivo específico de
conferir clareza terminológica à nova área que estava sendo criada. A palavra espírita
foi inicialmente introduzida como adjetivo, para qualificar diversos
substantivos, como doutrina, filosofia, fenômeno etc.
Assim, as expressões doutrina espírita, filosofia espírita, fenômenos
espíritas e outras aparecem já na primeira edição, de 1857.
No presente trabalho estaremos
interessados primordialmente na aplicação desse adjetivo a pessoas: homem
espírita, mulher espírita, criança espírita etc. Desse uso do
adjetivo deriva, por omissão do substantivo, o substantivo ‘espírita’, que
aparece em frases como: ‘Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento;
instruí-vos, este o segundo’, ‘os bons espíritas’ etc. Trata-se de um fenômeno linguístico
comum; outros casos semelhantes seriam, por exemplo, os substantivos jovem,
louco, criminoso, e uma infinidade de outros.
É interessante observar que em O
Livro dos Espíritos o termo espírita ainda não aparece como
substantivo, ou como adjetivo aplicado a pessoas. Todavia, na segunda edição,
de 1860 (o texto definitivo que usamos até hoje), Kardec efetivamente considerou
a questão que nos ocupa, embora numa formulação diferente. Ele o fez no item 7
da conclusão. (Na primeira edição não havia conclusão, mas apenas um curto Epílogo).
Vejamos o trecho relevante:
O Espiritismo se apresenta
sob três aspectos diferentes: o fato das manifestações, os princípios de
filosofia e de moral que delas decorrem e a aplicação desses princípios. Daí,
três classes, ou, antes, três graus de adeptos: 1º os que creem nas manifestações e se limitam a
comprová-las; para esses, o Espiritismo é uma ciência experimental; 2º os que lhe percebem as consequências morais;
3º os que praticam ou se esforçam por
praticar essa moral. (O Livro dos Espíritos, conclusão, item 7)
Nota-se aqui que a referência
aos “adeptos” equivale a uma referência aos “espíritas”, no sentido
substantivado que o termo adquiriria depois. Observa-se também que a distinção
das três “classes” ou “graus” de adeptos ou de espíritas é feita a partir da distinção
de três “aspectos” do Espiritismo. Hoje em dia é comum falar-se nos três aspectos
do Espiritismo como sendo o científico, o filosófico e o religioso, ou moral. A
distinção que Kardec traça aqui não coincide exatamente com essa distinção contemporânea[3].
O primeiro aspecto que ele
aponta, “o fato das manifestações”, consiste simplesmente dos fatos, ou
fenômenos, espíritas, como os movimentos de objetos, os ruídos, a tiptologia, a
vidência, a psicografia etc. Embora tais fenômenos sejam de importância
capital, por seu papel histórico no surgimento do Espiritismo e por constituírem
sua base experimental, eles por si sós não constituem a ciência espírita. Nenhuma
ciência, aliás, consiste unicamente de um simples relato de fenômenos. Outro ingrediente
essencial de qualquer ciência é a teoria, ou seja, o conjunto de leis ou
princípios que regulam os fenômenos. Ora, na classificação traçada nesse item
da conclusão tais princípios já integram o segundo aspecto. Deve-se
lembrar que, seguindo a forma de expressão da época, Kardec muitas vezes se
refere à teoria espírita, mesmo em sua dimensão científica, como filosofia.
Assim, quando fala aqui nos “princípios de filosofia” certamente inclui os
princípios genuinamente científicos do Espiritismo. O segundo aspecto do
Espiritismo indicado por Kardec nessa passagem é, pois, o seu aspecto teórico,
numa acepção ampla do termo, que inclui tanto a ciência propriamente dita como
a filosofia.
O terceiro aspecto, a
“aplicação” dos princípios espíritas, remete ao plano prático, ao plano de
nossas ações. Naturalmente, essa aplicação dos princípios espíritas só faz sentido
para uma classe especial deles, justamente os princípios morais. Os outros, de cunho
mais propriamente científico, não podem evidentemente ser objeto de “aplicação”
em nossas ações, mas unicamente na análise intelectual que façamos dos fenômenos
espíritas e de outros fenômenos relevantes para o Espiritismo. A moral, ou ética,
é a área da filosofia que se ocupa do estudo das ações humanas: os critérios do
certo e do errado, do bem e do mal, dos direitos e deveres. Portanto, nesta e
nas demais passagens que examinaremos adiante a aplicação ou prática do
Espiritismo deve ser entendida como a prática de seus princípios morais.
Traçada essa distinção entre os
três aspectos do Espiritismo, fica naturalmente indicada uma distinção entre os
adeptos do Espiritismo. Numa primeira classe estão aqueles que simplesmente
reconhecem que os fenômenos espíritas são reais, e não uma fraude, ou uma
ilusão. A segunda classe é formada por aqueles que, além dos fenômenos,
reconhecem os princípios que os regem e os que deles decorrem, por análise filosófica,
incluindo-se aí os princípios morais. Na terceira classe, por fim, estão
aqueles que percebem a excelência desses princípios morais e os tomam como
diretrizes de sua própria conduta, ou pelo menos se esforçam por adaptá-la a
eles.
Kardec observa que essas classes
também podem ser consideradas “graus”, na medida em que a aceitação dos três
aspectos do Espiritismo pode ser feita um por vez, na ordem indicada. Como
veremos nas seções 2 e 4, a distinção das três classes de espíritas reaparecerá
de forma explícita, com pequenas variações de expressão, em O Livro dos
Médiuns e em Viagem Espírita em 1862.
2. O Livro dos Médiuns, O Céu e o Inferno e O que é o
Espiritismo
O capítulo 3 da primeira parte
de O Livro dos Médiuns, intitulado “Do método”, é de grande relevância
para o nosso tema. O método a que o título se refere é, por um lado, o método
de proceder na apresentação do Espiritismo aos não-espíritas e, por outro, o
método geral de estudo do Espiritismo. Kardec mostra aqui toda a sua sensibilidade
didática, pois o modo de divulgar e abordar o Espiritismo, assim como qualquer
outra disciplina de igual complexidade, deverá levar em conta a pessoa ou grupo
de pessoas a quem nos estamos dirigimos.
No parágrafo 19 e seguintes
Kardec mostra em detalhes por que é falsa a “crença geral que, para convencer,
basta apresentar fatos”. Sua análise ressalta, entre outros pontos, a
importância de se dispor de uma teoria bem elaborada, capaz de dar inteligibilidade
aos fatos. É justamente nesse ponto que o Espiritismo se mostra muito superior
a outras abordagens de investigação dos fenômenos anímicos e mediúnicos. Um
exame geral dessa questão foi empreendido por nós no artigo “A excelência metodológica
do Espiritismo” (ver Referências Bibliográficas), no qual analisamos não somente
esse capítulo de O Livro dos Médiuns mas também trechos importantes do primeiro
capítulo de O que é o Espiritismo. Deste último livro, destacamos aqui
apenas esta passagem do diálogo com o cético (segundo diálogo, seção “Elementos
de convicção”):
Há duas coisas no
Espiritismo: a parte experimental das manifestações e a doutrina filosófica.
Ora, eu sou todos os dias visitado por pessoas que ainda nada viram e creem tão
firmemente como eu, pelo só estudo que fizeram da parte filosófica; para elas o
fenômeno das manifestações é acessório; o fundo é a doutrina, a ciência; eles a
veem tão grande, tão racional, que nela encontram tudo quanto possa satisfazer
às suas aspirações interiores, à parte o fato das manifestações; do que
concluem que, supondo não existissem as manifestações, a doutrina não deixaria
de ser sempre a que melhor resolve uma multidão de problemas reputados
insolúveis.
Quantos me disseram que
essas ideias estavam em germe no seu cérebro, conquanto em estado de confusão.
O Espiritismo veio coordená-las, dar-lhes corpo, e foi para eles como um raio
de luz. É o que explica o número de adeptos que a simples leitura de O Livro
dos Espíritos produziu. Acreditais que esse número seria o que é hoje, se
nunca tivéssemos passado das mesas girantes e falantes?
Vemos, pois, que Kardec
localizava o caráter científico do Espiritismo na “doutrina”, na sua “parte
filosófica”, que, no contexto de nossa análise, deve ser entendida como aquilo
a que vimos denominando “teoria”. Os fatos em si não constituem a ciência,
conforme já salientamos na seção anterior. Daí a importância de se tomar o
Espiritismo no seu conjunto, fenômenos e teoria, sem o que ficaria mutilado.
Embora seja possível haver, e de
fato haja, “adeptos” que param no primeiro “grau”, no mero reconhecimento da
realidade dos fenômenos, essa atitude não é racional ou científica.
Antes de prosseguir, devemos
ainda esclarecer a noção de crença, a que o presente estudo fará
referências tantas vezes. Crença, no sentido filosófico, não é o processo vulgarmente
entendido como tal, que envolve algum tipo de sentimento místico ou religioso.
É um dos ingredientes básicos de qualquer conhecimento. Na Grécia antiga, onde
nasceu a filosofia, os filósofos já deram grande importância ao estudo do
assunto. Uma das análises mais influentes foi a de Platão, que propôs que para
que um sujeito S saiba alguma coisa P, três requisitos devem ser cumpridos: 1º
S deve acreditar em P; 2º P deve ser verdade; e 3º S deve ter evidência para a
verdade de P. A crença é, pois, o primeiro ingrediente do conhecimento.
É de fundamental importância
reconhecer que a crença, nesse sentido filosófico próprio, é algo involuntário:
não está em nosso poder crer ou deixar de crer numa determinada coisa. A crença
“ocorre” em nós quando estamos diante de certas circunstâncias, por um tipo de
“automatismo” cognitivo. O máximo que podemos fazer é voluntariamente buscar
circunstâncias que esclareçam o ponto em questão, o que poderá então determinar
a crença, ou descrença, dependendo do caso. Isso remete, pois, ao terceiro
requisito da definição platônica de conhecimento: a evidência.
Tudo isso mostra quão insensata
é a posição comum, de que a crença é algo que se prescreva, que se
ordene, que se delibere fazer. Se a pessoa não estiver diante da evidência
relevante, ninguém, nem mesmo ela própria, poderá fazê-la crer ou não crer nisso
ou naquilo. Conhecedor desse ponto importante, Kardec sempre enfatizou que o Espiritismo,
em particular, jamais poderia ser imposto. A crença em seus fenômenos e princípios
só pode ser o resultado da exposição ao corpo de evidência apropriado.
Ademais, como vimos nas
passagens transcritas, Kardec sabia que o fornecimento de evidência parcial,
exclusivamente experimental, em geral é ineficaz até mesmo para produzir crença
na realidade dos fenômenos. O Espiritismo tem de ser apresentado, e considerado,
em seu conjunto, fenômenos e princípios científicos e filosóficos, para que possibilite
a formação de crença sólida e fundamentada.
Passemos agora ao parágrafo 28
de O Livro dos Médiuns, onde reaparece a distinção das três classes de
espíritas esboçada na conclusão de O Livro dos Espíritos. Antes de
apresentá-la, Kardec destaca a existência de duas classes por assim dizer “intermediárias”
entre a dos opositores (amplamente examinada na parte precedente do capítulo) e
a dos adeptos “que se convenceram por um estudo direto”: a dos incertos (parágrafo
26) e a dos espíritas sem o saberem (parágrafo 27). Os primeiros são
aqueles que, em geral espiritualistas, têm uma “vaga intuição das ideias
espíritas”, mas sem a coordenação e precisão que lhes confere o Espiritismo.
Quando este lhe é apresentado, “é como um raio de luz: a claridade que dissipa
o nevoeiro”; acolhem-no então pressurosamente.
Quanto à curiosa classe dos que,
no fundo, são espíritas, mas disso não se dão conta, é formada pelos que “sem
jamais terem ouvido tratar da doutrina espírita, possuem o sentimento inato dos
grandes princípios que dela decorrem, e esse sentimento se reflete em algumas
passagens de seus escritos e de seus discursos, a ponto de suporem, os que os
ouvem, que eles são completamente iniciados.” Kardec nota que a distinção entre
essa classe e a precedente é tênue, esta podendo ser considerada uma variante
daquela. Talvez o que distinga a segunda seja um maior grau de coordenação e clareza
das ideias. Nota ainda que há numerosos exemplos de indivíduos dessa classe entre
os escritores profanos e sagrados, poetas, oradores, moralistas e filósofos,
antigos e modernos. Um exemplo interessante está relatado na segunda parte da
obra O Céu e o Inferno. No capítulo 2, dedicado às comunicações dos
Espíritos felizes, há o caso de Jean
Reynaud, que em sua última encarnação levou vida virtuosa. Dentre as questões que
lhe foram propostas destacamos esta:
P. – Em vida
professáveis o Espiritismo?
R. – Há uma grande
diferença entre professar e praticar. Muita gente professa uma doutrina sem
praticá-la; pois bem, eu praticava mas não professava [o Espiritismo]. Assim
como cristão é todo homem que segue as leis do Cristo, mesmo sem conhecê-lo, assim
também podemos ser espíritas, acreditando na imortalidade da alma, nas reencarnações,
no progresso incessante, nas provações terrenas, abluções necessárias ao melhoramento.
Acreditando em tudo isso, eu era, portanto, espírita. Compreendi a erraticidade,
laço intermediário das reencarnações e purgatório no qual o Espírito culposo se
despoja das vestes impuras para revestir nova toga, e onde o Espírito em
evolução tece cuidadosamente essa toga que há de carregar no intuito de
conservá-la pura. Compreendi tudo isso, e, sem professar, continuei a praticar.
A resposta do Espírito chama a
atenção para um ponto central na análise da questão do que é ser espírita. É a
aceitação dos princípios básicos do Espiritismo que deve delinear a
condição de espírita (quando se vai, é claro, além do rudimentar primeiro
“grau” de adesão). Sendo uma disciplina científica e filosófica viva, dinâmica,
o Espiritismo tem, e não pode deixar de ter, áreas de fronteira, onde as ideias
ainda estão em elaboração e os princípios em fase de teste. Isso não
compromete, no entanto, os princípios fundamentais, que constituem o núcleo
teórico espírita, já devidamente assentado. Jean Reynaud, como muitos outros,
reconhecia esse núcleo como verdadeiro, embora não o tivesse estudado
diretamente nas fontes espíritas. Depois, no mundo espiritual, compreendeu que,
por essa razão, era espírita, embora sem o saber, ou seja, sem haver
explicitamente aplicado a si essa denominação. Além disso, não se contentou em
ficar no segundo “grau”: incorporou em sua conduta a moral decorrente desses princípios
fundamentais. Era, pois, um espírita pleno, da terceira classe.
Esse ponto remete a um
comentário de Kardec no capítulo 4 de O Livro dos Médiuns, “Dos
sistemas”. No parágrafo 50 examina o chamado “sistema da alma material”. Embora
sua aparência discrepante, na verdade o sistema “não infirma qualquer dos
princípios fundamentais da Doutrina Espírita”. Não nos cabe aprofundar aqui a
discussão técnica desse tópico. O que nos interessa mais é a exemplificação que
fornece da distinção entre o núcleo e a periferia da teoria espírita. O tópico
em questão é periférico, e eventuais divergências quanto a ele não devem ser
razão para a divisão entre os espíritas:
Semelhante opinião, restrita,
aliás, mesmo que se achasse mais generalizada, não constituiria uma cisão entre
os espíritas, do mesmo modo que as duas teorias da emissão e das ondulações da
luz não significam uma cisão entre os físicos. Os que se decidissem a formar
grupo à parte, por uma questão tão pueril, provariam, só com isso, que ligam
mais importância ao acessório do que ao principal e que se acham compelidos à
desunião por Espíritos que não podem ser bons, visto que os bons Espíritos
jamais insuflam a acrimônia, nem a cizânia. Daí o concitarmos todos os
verdadeiros espíritas a se manterem em guarda contra tais sugestões, e a não
darem a certos pormenores mais importância do que merecem; o essencial é o
fundo.
Temos, pois, aqui uma eloquente
lição, relevante mesmo em nossos dias, quando já não se discute tanto o sistema
da alma material, mas outros pontos secundários, que são confundidos com os
essenciais, prejudicando o desenvolvimento normal do Espiritismo, e além disso
gerando dissensões e rancores inteiramente contrários aos princípios morais do
próprio Espiritismo.
Vejamos, por fim, o parágrafo 28
do mesmo livro, onde aparece uma classificação dos que “se convenceram por um
estudo direto”:
1º Os que creem pura e
simplesmente nas manifestações. Para eles, o Espiritismo é apenas uma ciência
de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos. Chamar-lhes-emos espíritas
experimentadores.
2º Os que no Espiritismo veem
mais do que fatos; compreendem-lhe a parte filosófica; admiram a moral daí
decorrente, mas não a praticam. Insignificante ou nula é a influência que lhes
exerce nos caracteres. Em nada alteram seus hábitos e não se privariam de um só
gozo que fosse. O avarento continua a sê-lo, o orgulhoso se conserva cheio de
si, o invejoso e o cioso sempre hostis. Consideram a caridade cristã apenas uma
bela máxima. São os espíritas imperfeitos.
3º Os que não se contentam
com admirar a moral espírita, que a praticam e lhe aceitam todas as consequências.
Convencidos de que a existência terrena é uma prova passageira, tratam de
aproveitar os seus breves instantes para avançar pela senda do progresso, única
que os pode elevar na hierarquia do mundo dos Espíritos, esforçando-se por
fazer o bem e coibir seus maus pendores. As relações com eles sempre oferecem segurança,
porque a convicção que nutrem os preserva de pensarem em praticar o mal. A
caridade é, em tudo, a regra de proceder a que obedecem. São os verdadeiros
espíritas, ou melhor, os espíritas cristãos.
Trata-se, pois, da mesma
distinção apresentada no item 7 da conclusão de O Livro dos Espíritos. O
que há de novo aqui são apenas as denominações que Kardec propõe: espíritas
experimentadores (ocupam-se só da parte experimental ou fenomênica), espíritas
imperfeitos (aceitam os princípios, mas não os aproveitam para melhorar sua
conduta), e espíritas verdadeiros, ou cristãos (põem em prática,
ou se esforçam por praticar a moral espírita-cristã). Embora não possuindo nada
de absoluto, essas denominações são bastante apropriadas, e foram repetidas por
Kardec em outras obras, como veremos nas seções seguintes.
Ainda no parágrafo 28 de O
Livro dos Médiuns Kardec apresenta uma última classe, a dos espíritas
exaltados. Trata-se de um caso aberrante, que mesmo hoje continua
existindo, e que por isso merece ser anotado aqui.
A espécie humana seria
perfeita, se sempre tomasse o lado bom das coisas. Em tudo, o exagero é
prejudicial. Em Espiritismo, infunde confiança demasiado cega e frequentemente
pueril, no tocante ao mundo invisível, e leva a aceitar-se, com extrema facilidade
e sem verificação, aquilo cujo absurdo, ou impossibilidade a reflexão e o exame
demonstrariam. O entusiasmo, porém, não reflete, deslumbra. Esta espécie de adeptos
é mais nociva do que útil à causa do Espiritismo [...].
Tiramos daqui outra lição
importante: a de não deixar que um entusiasmo exagerado nos faça perder de
vista a metodologia eminentemente racional empregada por Kardec no
estabelecimento das bases do Espiritismo, e que deve estar sempre presente ao
longo do seu desenvolvimento.
3. O Evangelho segundo o Espiritismo
O capítulo 17 de O Evangelho
segundo o Espiritismo traz, em seu item 4, um importante texto de Kardec
sobre o assunto que nos ocupa aqui, intitulado “Os bons espíritas”. Esse texto
dá sequência ao anterior, “O homem de bem”, em que Kardec apresenta a
impressionante enumeração das qualidades que distinguem o homem de bem; essa
enumeração aproveita e estende a que é feita no item 918 de O Livro dos Espíritos.
O texto sobre os bons espíritas inicia justamente salientando que
Bem compreendido, mas
sobretudo bem sentido, o Espiritismo leva aos resultados acima expostos, que
caracterizam o verdadeiro espírita, como o cristão verdadeiro, pois que um o
mesmo é que outro. O Espiritismo não institui nenhuma nova moral; apenas facilita
aos homens a inteligência e a prática da do Cristo, facultando fé inabalável e esclarecida
aos que duvidam ou vacilam.
É essa coincidência dos
preceitos morais espíritas com os preceitos morais cristãos que justifica a
denominação espíritas cristãos, que, como vimos, aparece no parágrafo 28
de O Livro dos Médiuns, e será depois retomada em Viagem Espírita em 1862
(como veremos na próxima seção). Deve-se, porém, notar que Kardec não preconiza
que se use sempre essa expressão – ou qualquer outra, aliás –, em substituição a
espírita, simplesmente. Ele a utilizou no contexto especial da análise das
diferentes posturas dos homens diante do Espiritismo. Seria impróprio tentar
usá-la irrestritamente, como às vezes de fato se faz no movimento espírita, na tentativa
talvez de diferençar os espíritas dos adeptos de outras vertentes
espiritualistas ou mediunistas.
Prossigamos, porém, no texto do
Evangelho. Nos parágrafos que seguem o que acaba de ser transcrito Kardec
dirige-se à questão de por que, afinal, há pessoas que ficam no primeiro ou
segundo “graus” da adesão espírita, sem ir adiante. Vejamos como a questão é
formulada e respondida, no que respeita ao estacionamento na primeira classe:
Muitos, entretanto, dos que
acreditam nos fatos das manifestações não lhes apreendem as consequências, nem
o alcance moral, ou, se os apreendem, não os aplicam a si mesmos. A que
atribuir isso? A alguma falta de clareza da doutrina? Não, pois que ela não
contém alegorias nem figuras que possam dar lugar a falsas interpretações. A
clareza é da sua essência mesma e é donde lhe vem a força, porque a faz ir
direito à inteligência. Nada tem de misteriosa e seus iniciados não se acham de
posse de qualquer segredo, oculto ao vulgo.
Será então necessária, para
compreendê-la, uma inteligência fora do comum? Não, tanto que há homens de
notória capacidade que não a compreendem, ao passo que inteligências vulgares,
moços mesmo, apenas saídos da adolescência, lhes apreendem, com admirável
precisão, os mais delicados matizes. Provém isso de que a parte por assim dizer
material da ciência somente requer olhos que observem, enquanto a parte
essencial exige um certo grau de sensibilidade, a que se pode chamar maturidade
do senso moral, maturidade que independe da idade e do grau de instrução,
porque é peculiar ao desenvolvimento, em sentido especial, do Espírito
encarnado.
O problema não é, pois,
nenhuma falta de clareza da teoria espírita. Kardec, aliás, teve sempre uma
preocupação extrema com esse aspecto; seus textos são, indubitavelmente, os
mais claros, objetivos e precisos textos espíritas já escritos.
Também não é que a teoria
espírita seja difícil, intricada, como geralmente são as ciências e sistemas
filosóficos acadêmicos; nos seus traços fundamentais ela é bastante acessível à
inteligência de um ser humano comum. A verdadeira razão pela qual alguns se
limitam a observar e comprovar os fenômenos é a deficiência de uma
sensibilidade especial, a que Kardec chama de senso moral, uma faculdade
do ser humano que lhe possibilita ir longe na exploração das implicações
filosóficas de um conjunto de fatos ou ideias. Como as palavras finais de
Kardec sugerem, tal faculdade não se adquire de uma hora para outra, requerendo
um longo período de amadurecimento, que certamente se estende por inúmeras
encarnações.
No parágrafo seguinte Kardec
explica por que algumas pessoas podem estacionar na segunda classe, não
se preocupando em aplicar as máximas morais espíritas à sua própria conduta:
Nalguns, ainda muito
tenazes são os laços da matéria para permitirem que o Espírito se desprenda das
coisas da Terra; a névoa que os envolve tira-lhes a visão do infinito, donde
resulta não romperem facilmente com os seus pendores nem com seus hábitos, não percebendo
haja qualquer coisa melhor do que aquilo de que são dotados. Têm a crença nos
Espíritos como um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as tendências
instintivas. [...] Esses são os espíritas imperfeitos, alguns dos quais ficam a
meio caminho ou se afastam de seus irmãos em crença, porque recuam ante a
obrigação de se reformarem, ou então guardam as suas simpatias para os que lhes
compartilham das fraquezas ou das prevenções. Contudo, a aceitação do princípio
da doutrina é um primeiro passo que lhes tornará mais fácil o segundo, noutra
existência.
Finalmente, os que se dispõem
superar os traços indesejáveis de seu caráter são os que passam à condição de
verdadeiros espíritas:
Aquele que pode ser, com
razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha em grau superior
de adiantamento moral. O espírito, que nele domina de modo mais completo a
matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os princípios da doutrina lhe
fazem vibrar fibras que nos outros se conservam inertes. Em suma: é tocado no coração,
pelo que inabalável se lhe torna a fé. Um é qual músico que alguns acordes bastam
para comover, ao passo que outro apenas ouve sons. Reconhece-se o verdadeiro
espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar
suas inclinações más. Enquanto um se contenta com o seu horizonte limitado,
outro, que apreende alguma coisa de melhor, se esforça por desligar-se dele e
sempre o consegue, se tem firme a vontade.
Note-se a referência à dimensão
não puramente intelectual da questão, com a bela imagem do ser “tocado no
coração”. É o sentimento profundo das leis divinas, inscritas na consciência,
agora mobilizado para nos colocar na rota de nosso crescimento espiritual.
Nos comentários de Kardec à
parábola do semeador, que integram o mesmo capítulo de O Evangelho
segundo o Espiritismo que estamos considerando, encontramos outra
referência interessante à condição de espírita. Após notar que a parábola
“exprime perfeitamente os matizes existentes na maneira de serem utilizados os
ensinos do Evangelho”, Kardec acrescenta:
Não menos justa aplicação
encontra ela nas diferentes categorias espíritas. Não se acham simbolizados
nela os que apenas atentam nos fenômenos materiais e nenhuma consequência tiram
deles, porque neles mais não veem do que fatos curiosos? Os que apenas se
preocupam com o lado brilhante das comunicações dos Espíritos, pelas quais só se
interessam quando lhes satisfazem à imaginação, e que, depois de as terem
ouvido, se conservam tão frios e indiferentes quanto eram? Os que reconhecem
muito bons os conselhos e os admiram, mas para serem aplicados aos outros e não
a si próprios? Aqueles, finalmente, para os quais essas instruções são como a
semente que cai em terra boa e dá frutos?
4. Obras Póstumas e Viagem Espírita em 1862
Nos livros analisados nas seções
precedentes, notamos que, ao caracterizar os verdadeiros espíritas, Kardec tem
o cuidado de não incluir a perfeição moral, nem a reforma moral instantânea,
mas o esforço perseverante de aperfeiçoar-se. No texto do Evangelho há,
como vimos, um arrazoado sobre as causas de nossa dificuldade em promover essa
reforma, dificuldade que, nos casos mais graves, pode temporariamente reter-nos
na classe dos espíritas imperfeitos. Em alguns ensaios da primeira parte de Obras
Póstumas esse assunto é retomado de forma mais extensa. Como cada um de nós
experimenta, com maior ou menor frequência e intensidade, a inércia que tende a
nos manter moralmente como estamos, vale a pena meditar sobre as lúcidas
considerações de Kardec nesses ensaios.
Uma primeira referência ao
assunto é feita no importante texto intitulado “O egoísmo e o orgulho”. Vejamos
sua parte final:
O Espiritismo é, sem
contradita, o mais poderoso elemento de moralização, porque mina pela base o
egoísmo e o orgulho, facultando um ponto de apoio à moral. Há feito milagres de
conversão; é certo que ainda são apenas curas individuais e não raro parciais. O
que, porém, ele há produzido com relação a indivíduos constitui penhor do que produzirá
um dia sobre as massas. Não lhe é possível arrancar de um só golpe as ervas daninhas.
Ele dá a fé e a fé é a boa semente, mas mister se faz que ela tenha tempo de germinar
e de frutificar, razão por que nem todos os espíritas já são perfeitos.
Na sequência do ensaio Kardec
aborda um tema que lhe é muito caro: a importância da educação moral das crianças,
como o meio mais eficaz para corrigir as tendência viciosas que se enraizaram
no Espírito.
A outra passagem de Obras
Póstumas sobre o aperfeiçoamento moral dos espíritas está no ensaio “Os desertores”.
Como indica o título, o ensaio trata daqueles que, dentro do movimento
espírita, cultivam discórdias e ciúmes, levantam questões irritantes, propõem
cisões, ou tomam-se de entusiasmo irrefletido e danoso. De forma bastante
significativa, Kardec chama-os de espíritas de contrabando, já que
adentraram o meio espírita sem a devida “chancela” moral. Pois bem: depois de
alertar-nos quanto a esse caso, Kardec prossegue:
Se passarmos à categoria
dos espíritas propriamente ditos, ainda aí depararemos com certas fraquezas
humanas, das quais a doutrina não triunfa imediatamente. As mais difíceis de
vencer-se são o egoísmo e o orgulho, as duas paixões fundamentais do homem.
Entre os adeptos convictos, não há deserções, na lídima acepção do termo, visto
como aquele que desertasse, por motivo de interesse ou qualquer outro, nunca
teria sido sinceramente espírita; pode, entretanto, haver desfalecimentos
[...].
Todos os outros são
espíritas que em verdade merecem esse qualificativo. Aceitam por si mesmos
todas as consequências da doutrina e são reconhecíveis pelos esforços que empregam
por melhorar-se. Sem desprezarem, além dos limites do razoável, os interesses materiais,
estes são, para eles, o acessório e não o principal; não consideram a vida terrena
senão como travessia mais ou menos penosa; estão certos de que do emprego útil ou
inútil que lhe derem depende o futuro; têm por mesquinhos os gozos que ela proporciona,
em face do objetivo esplêndido que entreveem no além; não se intimidam com os
obstáculos com que topem no caminho; veem nas vicissitudes e decepções provas que
não lhes causam desânimo, porque sabem que o repouso será o prêmio do trabalho.
Daí vem que não se verificam entre eles deserções, nem desfalecimentos.
Na famosa viagem que Kardec fez
ao sul da França em 1862, diversas questões sobre o Espiritismo e o movimento
espírita lhe foram formuladas. Uma delas é relevante para o ponto que estamos
considerando. Trata-se da questão que na obra Viagem Espírita em 1862
recebeu o número 2:
P. – Não seria desejável
que os espíritas tivessem uma palavra de ordem, um sinal qualquer para se
reconhecerem ao se avistarem?
R. – Os espíritas não
formam nem uma sociedade secreta, nem uma afiliação, não devendo, pois, possuir
nenhum sinal secreto de reconhecimento. Nada ensinam ou praticam que não possa
ser conhecido de todos, não tendo, por conseguinte, nada a ocultar. Um sinal,
uma palavra de ordem, poderia, além disso, ser apropriada por falsos irmãos, de
nada vos adiantando.
Tendes uma palavra de ordem
compreendida em todos os cantos do mundo: a caridade. Tal palavra é
fácil de ser pronunciada; mas a verdadeira caridade não pode ser falsificada.
Pela prática da verdadeira caridade sempre reconhecereis um irmão, ainda que não
seja espírita. Deveis estender-lhe a mão, mesmo que não partilhe vossas
crenças, pois não deixará por isso de ser benevolente e tolerante.
A resposta de Kardec aponta,
pois, diversas inconveniências na introdução de uma palavra de ordem formal ou
um sinal exterior qualquer. A “solução” apontada por Kardec para a
identificação dos verdadeiros espíritas é usarmos como critério a assimilação,
por parte do adepto, do preceito moral da caridade. Como sabemos, esse preceito
sintetiza a moral espírita-cristã, de modo que quem o põe em prática, ou ao menos
se preocupa incessantemente em praticá-lo, exibe, por isso mesmo, os traços essenciais
de um verdadeiro espírita (além, é claro, da aceitação racional dos princípios fundamentais
da teoria científico-filosófica do Espiritismo). Ademais, o comportamento marcado
pela caridade não é passível de falsificação: quem imitasse o comportamento cristão
o tempo todo, sem nunca dele se desviar, já seria, de fato, um verdadeiro
cristão.
Para encerrar este trabalho,
vejamos alguns outros trechos de Viagem Espírita em 1862 que retomam a
classificação dos espíritas em três grupos, e comentam de forma eloquente o
assunto da reforma moral dos espíritas. Abrindo a obra estão as “Impressões gerais”
da viagem, o relato sucinto das observações mais significativas feitas por Kardec
no contato com o movimento espírita nascente. Destacamos, da p. 11 da edição francesa
corrente, o seguinte trecho:
Crer já é muito, sem
dúvida; mas só a crença não basta, se não conduz a resultados. Infelizmente, há
muitos nessa condição: para eles o Espiritismo é apenas um fato, uma bela
teoria, uma letra morta, que nada lhes altera no caráter, nem nos hábitos. Ao
lado, porém, dos espíritas que simplesmente creem ou são simpáticos à ideia, há
os espíritas de coração. Somos feliz de haver encontrado muitos deles; vimos
transformações que se poderia dizer milagrosas; coletamos exemplos admiráveis
de zelo, abnegação e devotamento, de caridade verdadeiramente evangélica, que
poderíamos apropriadamente chamar de belas marcas do Espiritismo.
Notemos, além dos aspectos que
já estavam presentes nas citações das outras obras, a expressiva frase “espíritas
de coração”, que tão bem destaca essa sensibilização do íntimo do
verdadeiro espírita, quando percebe a excelência dos princípios morais espíritas.
É essa sensibilização que desperta a vontade e promove “transformações que se
poderia dizer milagrosas” no comportamento das pessoas.
Em sua viagem Kardec proferiu
também discurso extremamente substancial, dividido em três partes, nas cidades
de Lyon e Bordeaux. Na primeira parte aborda, entre outras questões, a de que
havia pessoas que se diziam espíritas e mesmo assim se colocavam como seus
inimigos. Para explicar tal anomalia recorre novamente à classificação dos
espíritas em três grupos. Como o texto apresenta detalhes novos, e um desenvolvimento
importante, vale a pena ser transcrito (pp. 25-7):
O que pode, porém, parecer
surpreendente é que eu tenha adversários até entre os partidários do
Espiritismo. É aqui que uma explicação se faz necessária.
Entre os que adotam as ideias
espíritas há, como sabeis, três categorias bem distintas:
1. Os que creem pura e
simplesmente nos fenômenos das manifestações, sem deles deduzir nenhuma consequência
moral;
2. Os que veem o lado
moral, aplicando-o porém aos outros, e não a si próprios;
3. Os que aceitam para si
mesmos todas as consequências da doutrina, cuja moral aplicam ou se esforçam
por aplicar. Como vós também sabeis, estes são os verdadeiros espíritas,
ou espíritas cristãos.
Essa distinção é
importante, por explicar diversas anomalias aparentes; sem ela seria difícil
entender a conduta de certas pessoas. O que diz a moral espírita? Amai-vos uns
aos outros; perdoai vossos inimigos; retribuí o mal com o bem; não alimenteis
ódio, rancor, animosidade, inveja ou ciúme; sede severos convosco mesmos e
indulgentes com os outros. Tais devem ser os sentimentos de um verdadeiro
espírita, daquele que, antes da forma, vê o fundo; que coloca o espírito acima
da matéria. Poderá ter inimigos, mas não será inimigo de ninguém, pois que a
ninguém considera tal, nem, muito menos, a ninguém procura fazer mal. [...] O
Espiritismo tem por divisa: Fora da caridade não há salvação; igualmente
verdadeiro é dizer: Fora da caridade não há verdadeiros espíritas. Concito-vos
a inscreverem doravante esta dupla máxima em vossa bandeira, pois resume, a
um só tempo, o objetivo do Espiritismo e o dever que ele impõe.
Dentre tantos aspectos
interessantes dessa passagem, destacamos dois: a incompatibilidade da condição verdadeiro
espírita com o cultivo sistemático de defeitos morais graves – no caso em foco,
tomar pessoas por inimigas; e a dupla “divisa” proposta para o Espiritismo:
Fora da caridade não há salvação, nem verdadeiros espíritas.
Na terceira parte do discurso
proferido em Lyon e Bordeaux encontramos estas eloquentes palavras (pp. 57-8):
No princípio das
manifestações espíritas, muitos as aceitaram sem lhes prever as consequências;
a maioria não viu nelas senão efeitos mais ou menos curiosos. Quando, porém, surgiu
daí uma moral severa, com deveres rigorosos a cumprir, muitos não sentiram
forças de a praticar, de amoldar-se a ela; não tiveram a coragem do devotamento,
da abnegação, da humildade; neles, a natureza corporal sobrepujou a espiritual;
puderam crer, mas recuaram diante da execução. Não havia, pois, na origem, senão
espíritas, ou seja, crentes. Depois, a filosofia e a moral abriram a essa
ciência um horizonte novo, criando os espíritas praticantes. Os
primeiros ficaram na retaguarda, os outros seguiram adiante.
Quanto aos espíritas que se
formaram depois da estruturação do Espiritismo, Kardec comenta, no parágrafo
seguinte, que
a grande maioria aceitou
a doutrina precisamente por causa de sua moral e de sua filosofia; eis por que
se esforçam por praticá-la. Pretender
que devessem todos tornar-se perfeitos seria ignorar a natureza do ser humano.
Ainda, porém, que se tenham despojado apenas de algumas partes do homem velho,
já será um progresso a ser levado em conta. Só não encontram desculpas aos
olhos de Deus aqueles que, estando devidamente esclarecidos, não se aproveitem
disso como poderiam. Ser-lhes-ão pedidas contas severas, e, como mostram
inúmeros exemplos, poderão sofrer as consequências disso já nesta vida. Ao lado
desses, porém, há também muitos em quem uma verdadeira metamorfose operou-se,
que encontraram nessa crença a força para vencer pendores de há muito
enraizados, para romper com velhos hábitos, para fazer calar ressentimentos e inimizades,
para encurtar as separações sociais. Pedem milagres ao Espiritismo: aí estão os
que ele produz. (pp. 58-9)
Que nós, que estudamos o
Espiritismo e reconhecemos plenamente a sua excelência enquanto ciência e
filosofia, possamos aproveitá-lo integralmente, para que também em nós se opere
essa sublime “metamorfose”, esse “milagre” da superação de nossas milenares
imperfeições morais, rumo à edificação do homem novo, do verdadeiro cristão, do
verdadeiro espírita.
Referências bibliográficas:
CHIBENI, S. S. “A excelência metodológica do
Espiritismo”, Reformador, novembro de 1988, pp. 328-333, e dezembro de 1988,
pp. 373-378. (Reproduzido em Mundo Espírita, novembro de 1999, encarte
especial. Também disponível no site do Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp:
http://www.geocities.com/Athens/Academy/8482 . (A partir de 2009: www.geeu.net.br .)
–––. “O Espiritismo em seu
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http://www.geocities.com/Athens/Academy/8482 ). (A partir de 2009:
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KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Reprodução
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–––. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro.
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–––. Revue Spirite. (Coleção da Federação Espírita do
Paraná.) Versões digitais, em imagem, de todos os volumes disponíveis em www.ipeak.com.br .
–––. Qu'est-ce que le
Spiritisme. Paris, Dervy-Livres, 1975.
–––. O que é o Espiritismo.
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–––. Le Livre des Médiums.
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–––. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 59ª ed., revista, Rio de Janeiro, Federação
Espírita Brasileira, s.d.
–––. Voyage Spirite en 1862. Paris, Vermet, 1988. Uma
cópia digital da primeira edição está disponível, a partir de 2011, em
www.ipeak.com.br .
–––. L’Évangile selon le Spiritisme. (Reprodução
fotográfica da 3ª edição francesa.) 1ª ed.,
Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1979.
–––. O Evangelho segundo o
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–––. Le Ciel et l’Enfer.
Farciennes, Editions de l’Union Spirite, 1951.
–––. O Céu e o Inferno. Trad. de Manuel Quintão. 28ª
edição, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. Oeuvres Posthumes. (Ed. André Dumas.) Paris,
Dervy-Livres, 1978. Também na edição original de Leymarie, em texto eletrônico,
Centre d'Études Spirites Léon Denis:
http://perso.wanadoo.fr/charles.kempf/
–––. Obras Póstumas. Trad.
Guillon Ribeiro, 18ª ed., Rio de
Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d
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