Allan Kardec
Como já dissemos, a enumeração
exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples:
o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não
estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se
poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas
apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma
profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da
Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa
qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações
morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos
com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas
relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse
número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo,
reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de
que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.
Aliás, compreende-se que é pelo
conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se
pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos
favoráveis, em razão do estado particular dos espíritos e também das
resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é
variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante
vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação
tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em
relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução.
Enquanto isso, pode-se afirmar,
sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a
despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às
previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato
comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.
Só falamos aqui dos que aceitam
o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos
que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição,
faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome,
para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos
os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem
inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não
se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a
influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses
pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um
sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado;
não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor
garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de
vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países
possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles
mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que
fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos
que dele faz a crítica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam
com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se
assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das
crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o
primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas
souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas
próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são,
incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos
em nossas avaliações.
Se é impossível uma estatística,
outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos
fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa
dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as
crenças religiosas etc., levando em conta que certas profissões, como os
oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que
outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido.
Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o
Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em algumas, a proporção pôde
ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham
um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em
razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número,
de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem
fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de
dez mil observações.
Constatamos o fato, sem procurar
discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para
um estudo interessante.
Proporção Relativa dos Espíritas
I. Em relação às
nacionalidades – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e
da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos
da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o
que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é
exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é
provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França
figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo
inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História
não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos,
tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície
do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o
são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França
poder-se-iam contar vários milhões.
Do ponto de vista da
difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os
principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue:
− 1º França – 2º Itália –
3º Espanha – 4º Rússia – 5º Alemanha – 6º Bélgica – 7º Inglaterra – 8º Suécia e
Dinamarca – 9º Grécia – 10º Suíça.
II. Em relação ao sexo
– 70% de homens e 30% de mulheres.
III. Em relação à idade
– Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.
IV. Em relação à instrução
– O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução
cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; –
semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.
V. Em relação às ideias
religiosas – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma:
50%; – Católicos Gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; –
católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos:
2%.
VI. Em relação à fortuna
– Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes
fortunas: 5%.
VII. Em relação ao
estado moral, abstração feita da fortuna – Aflitos: 60%; – sem inquietude:
30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.
VIII. Em relação à classe
social – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório
que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes
reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens
tituladas.
Em geral, é nas classes
médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos
exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se
propagou na pequena burguesia e na classe operária.
IX. Estado militar,
segundo o grau – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º
Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º
Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.
Observação – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase
todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra
metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria
estão na reserva.
X. Marinha – 1º
Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.
XI. Profissões liberais
e funções diversas – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas
segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:
1º – Médicos homeopatas –
Magnetistas[2].
2º – Engenheiros –
Institutores; diretores e diretoras de internatos – Professores livres.
3º – Cônsules – Sacerdotes
católicos.
4º – Pequenos empregados –
Músicos – Artistas líricos – Artistas dramáticos.
5º – Meirinhos –
Comissários de polícia.
6º – Médicos alopatas –
Homens de letras – Estudantes.
7º – Magistrados – Altos
funcionários – Professores oficiais e de liceus – Pastores protestantes.
8º – Jornalistas – Pintores
– Arquitetos – Cirurgiões.
9º – Notários – Advogados –
Agentes de negócios.
10º – Agentes de câmbio –
Banqueiros.
XII. Profissões
industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:
1º – Alfaiates –
Costureiras.
2º – Mecânicos – Empregados
de estradas de ferro.
3º – Tecelões – Pequenos
negociantes – Porteiros.
4º – Farmacêuticos –
Fotógrafos – Relojoeiros – Caixeiros-viajantes.
5º – Lavradores –
Sapateiros.
6º – Padeiros – Açougueiros
– Salsicheiros.
7º – Marceneiros –
Tipógrafos.
8º – Grandes industriais e
chefes de estabelecimentos.
9º – Livreiros –
Impressores.
10º – Pintores de casas –
Pedreiros – Serralheiros – Merceeiros – Domésticos.
Desta lista, resultam as
seguintes consequências:
1º – Que há espíritas em
todos os graus da escala social;
2º – Que há mais homens do
que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no
tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas
do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as
reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.
É, pois, injustamente que a
crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres,
em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa
inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais
refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a
fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo
senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem
compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres as torna menos aptas
que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu
desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se
o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;
3º – Que a grande maioria
dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes.
Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em
parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;
4º – Que a aflição e a
infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações
que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção
dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há
mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores
em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde
os simples soldados figuram em último lugar;
5º – Que o Espiritismo
encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que
entre os que têm uma fé irrevogável;
6º – Enfim, que depois dos
fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as
pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais,
seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.
Em resumo, o Espiritismo é
acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é
repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida.
Partindo deste princípio,
facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de
indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social.
Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço
de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é
uma questão de amor-próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando
esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência,
não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros possam ter visto
melhor.
Oferecer provas a certas pessoas
é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os
ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua
infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.
Explica-se menos facilmente a
causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais.
Pergunta-se, por exemplo, por
que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a
imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato
constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.
Se, no levantamento acima, em
vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os
espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição
e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido
classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os
artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os
crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar.
Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam
outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se
modificará com o tempo.
Os médicos homeopatas estão à
frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas
proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em
cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o
princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os
materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos
entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo,
porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao
princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema.
Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os
efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia,
e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram
contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas,
não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.
Se os magnetistas figuram na
primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e
muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima
minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O
magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se
completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se
não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma
da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a
Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por
intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente
se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução
junto aos espíritas.
Em todos os tempos os
magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas.
Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio
espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido
material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas.
Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os
espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizeram-se
seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários
mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que,
depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de
zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os
sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a
pesar na balança pelo seu número.
Aliás, como dissemos, esta
oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se
afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela
é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de
Paris.
[1] Revista Espírita – Janeiro/1869 – Allan Kardec
[2] A palavra magnetizador desperta uma ideia de ação; a
de magnetista uma ideia de adesão. O magnetizador é o que exerce por profissão
ou outra coisa. Pode-se ser magnetista sem ser magnetizador. Dir-se-á: um
magnetizador experimentado e um magnetista convicto.
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