terça-feira, 25 de abril de 2023

ISOLAMENTO DOS CORPOS PESADOS[1]

 


Allan Kardec

 

O movimento imprimido aos corpos inertes pela vontade é hoje de tal forma conhecido que seria quase pueril relatar fatos desse gênero; já o mesmo não acontece quando o movimento se faz acompanhar de certos fenômenos menos vulgares, por exemplo, o de sua suspensão no espaço. Embora os anais do Espiritismo citem numerosos exemplos, esse fenômeno apresenta uma tal derrogação das leis da gravidade que a dúvida parece muito natural a quem quer que os tenha testemunhado. Nós mesmos, confessamos, por mais habituados que estejamos às coisas extraordinárias, ficamos bem contentes em constatar-lhe a realidade. O fato que vamos narrar repetiu-se várias vezes sob nossos olhos, nas reuniões que outrora aconteciam na casa do Sr. B***, na Rua Lamartine, e sabemos que se produziu inúmeras vezes em outros lugares. Podemos, pois, atestá-lo como incontestável. Eis como as coisas se passavam:

 

Oito ou dez pessoas, entre as quais algumas dotadas de um poder especial, embora não fossem reconhecidas como médiuns, sentavam-se em torno de uma pesada e maciça mesa de jantar, com as mãos às suas bordas e unidas, todas, pela intenção e pela vontade.

Ao fim de um tempo mais ou menos longo, dez minutos ou um quarto de hora, conforme fossem as disposições, ambientes mais ou menos favoráveis, a mesa se punha em movimento, a despeito de seu peso de quase cem quilos; deslizava para a direita ou para a esquerda no assoalho; dirigia-se para diversas partes do salão que fossem designadas; levantava-se depois, ora num pé, ora noutro, até formar um ângulo de 45°; e balançava com rapidez, imitando o movimento de baloiço do navio. Se, em tal posição, os assistentes redobrassem os esforços por sua vontade, a mesa se levantaria completamente do solo, a dez ou vinte centímetros de altura, sustentando-se, dessa forma, no espaço sem qualquer ponto de apoio, durante alguns segundos, para cair em seguida com todo o seu peso.

O movimento da mesa, seu levantamento sobre um pé e seu baloiço produziam-se mais ou menos à vontade, várias vezes durante a reunião, e também por diversas vezes sem nenhum contato das mãos; bastava somente a vontade para que a mesa se dirigisse ao lado indicado. O isolamento completo era mais difícil de obter, sendo repetido amiúde, a fim de não ser visto como um fato excepcional.

Ora, isso não se passava apenas na presença dos adeptos, que se poderia crer muito acessíveis à ilusão, mas diante de vinte ou trinta pessoas, entre as quais se achavam algumas muito pouco simpáticas, que não deixariam de levantar a suspeita de alguma artimanha secreta, sem consideração para com o dono da casa, cujo caráter honrado deveria afastar todo pensamento de fraude e para quem, aliás, teria sido um prazer muito singular passar algumas horas por semana a mistificar uma assembleia, sem qualquer proveito.

Narramos o fato em toda a sua simplicidade, sem restrição nem exagero. Não diremos, no entanto, que vimos a mesa adejar no espaço qual se fora uma pluma; porém, mesmo como as coisas se passaram, o fato não demonstra menos a possibilidade do isolamento dos corpos pesados sem ponto de apoio, por meio de uma força até agora desconhecida. Também não diremos que bastava estender a mão ou fazer um sinal qualquer para que, no mesmo instante, a mesa se movesse e se elevasse como por encanto.

Ao contrário, diremos, a bem da verdade, que os primeiros movimentos se verificaram sempre com certa lentidão, não adquirindo senão gradualmente sua máxima intensidade. O levantamento completo só ocorreu após vários movimentos preparatórios, que eram como que ensaios para uma espécie de arremesso. A força atuante parecia redobrar de esforços para encorajar os assistentes, como um homem ou um cavalo que realiza uma pesada tarefa e que é excitado por gestos e palavras. Uma vez produzido o efeito, tudo retornava à calma e, por alguns instantes, nada se obtinha, como se aquela mesma força tivesse necessidade de retomar o fôlego.

 

Muitas vezes teremos ocasião de citar fenômenos desse gênero, sejam espontâneos ou provocados, e realizados em proporções e circunstâncias bem mais extraordinárias; porém, quando tivermos sido testemunha, relatá-lo-emos sempre de maneira a evitar qualquer interpretação falsa ou exagerada. Se no fato relatado acima nos tivéssemos contentado em dizer que vimos uma mesa de cem quilos elevar-se do solo pelo simples contato das mãos, ninguém duvide que muitas pessoas pensariam que a mesa havia subido até o teto, e com a rapidez de um piscar de olhos. É assim que as coisas mais simples se tornam prodígios pelas proporções que lhes empresta a imaginação. O que não haverá de acontecer quando os fatos atravessarem os séculos e passarem pela boca dos poetas! Se se dissesse que a superstição é filha da realidade, ter-se-ia avançado num paradoxo e, todavia, nada é mais verdadeiro; não há superstição que não repouse sobre um fundo real; tudo está em discernir onde termina uma e começa a outra. O verdadeiro meio de combater as superstições não é contestá-las de maneira absoluta; no espírito de certas pessoas há idéias que não se desenraizam tão facilmente, porque sempre há fatos a citar em apoio de sua opinião; ao contrário, é preciso mostrar o que há de real; então, só restará o exagero ridículo, ao qual o bom-senso fará justiça.



[1] Revista Espírita – Fevereiro/1858 – Allan Kardec

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