Marco Milani[1]
A gestão de organizações sem fins lucrativos,
como os centros espíritas, apresenta particularidades operacionais que desafiam
os respectivos administradores e exigem domínio das técnicas e ferramentas
gerenciais do processo decisório, assim como ocorre em empresas comerciais de
diferentes portes.
O equilíbrio financeiro, obtido
quando as receitas cobrem as despesas, é uma condição estratégica para a
sobrevivência da organização. O denominado ponto de equilíbrio é uma relação
que expressa a igualdade monetária dos recursos recebidos pelo centro espírita
com os seus gastos totais em determinado período.
Conhecer qual é o ponto de
equilíbrio é essencial para se planejar as ações para a obtenção dos recursos
necessários ao desenvolvimento das atividades regulares e extraordinárias da
instituição.
Felizmente, a maioria dos gestores
de casas espíritas, mesmo sem vivência profissional anterior na área financeira
corporativa, procura agir com prudência na administração dos recursos conforme
a dinâmica de gastos operacionais, porém, diante de situações que exigem maior
compreensão da real capacidade da instituição em cobrir suas despesas futuras,
faz-se premente contar com informações técnicas e financeiras adequadas.
Temerariamente, alguns
voluntários, alçados a posições com responsabilidade decisória estratégica,
afastam-se da racionalidade exigida para a função e depositam a esperança de
que os recursos necessários para cobrir os gastos da instituição serão obtidos
por ações promovidas pelos amigos desencarnados. Alegam que se deve ter fé.
Certamente, o envolvimento e
apoio de Espíritos benfeitores aos trabalhos voltados ao bem do próximo é uma
certeza, porém cabe aos encarnados agirem com ponderação e bom senso. A fé deve
ser raciocinada, e não cega. Se assim não fosse, não haveria registros de casas
espíritas que fecharam por desequilíbrio financeiro.
Na obra Viagem espírita de 1862,
Allan Kardec apresentou um modelo de regulamento para uso dos grupos e pequenas
sociedades espíritas. No item 17 do referido documento, destaca-se:
As despesas havidas com a Sociedade, se houver, serão
cobertas por uma cotização, cuja cifra, emprego e forma de pagamento ela mesma
fixará. Neste caso, a Sociedade nomeará o seu tesoureiro. Fica expressamente
estipulado que essa cotização será paga somente pelos membros propriamente
ditos da Sociedade e que, em nenhum caso e sob qualquer pretexto, será exigida
ou solicitada uma retribuição qualquer aos ouvintes ou visitantes eventuais,
como direitos de entrada.
Kardec orienta que as despesas
deveriam ser cobertas pelas contribuições dos próprios componentes ou
associados da entidade espírita, sem cobrar de participantes esporádicos das
reuniões promovidas. Obviamente, a estrutura e atividades das sociedades
espíritas eram mais simples, basicamente centradas nas reuniões mediúnicas e
serviços de secretaria e divulgação, mas a responsabilidade pela manutenção
dessas tarefas recai sobre os próprios trabalhadores voluntários.
Ao enfatizar a gratuidade da entrada aos
convidados (ouvintes e esporádicos), caracteriza-se a mediunidade como prática
caridosa, rechaçando-se a mercantilização do intercâmbio mediúnico.
Na edição de dezembro/1868 da Revista
Espírita, ao tratar do Comitê Central do Espiritismo, Kardec amplia as
atividades de coordenação do movimento espírita e prevê diversas atividades
vinculadas à divulgação doutrinária, além das próprias reuniões mediúnicas.
Nesse sentido, a necessidade de obtenção de recursos pelos encarnados (e não
uma ilusória esperança de que surgirão magicamente) é uma preocupação crucial
para o sucesso de qualquer projeto. Uma recomendação operacional constante no
respectivo texto é o cuidado com o equilíbrio financeiro ao destacar que “seria
uma falta de previdência que um dia poderíamos lamentar” se as despesas fixas
fossem cobertas com recursos eventuais. Em outras palavras, Kardec destaca o
que qualquer administrador sensato deve fazer ao planejar cobrir gastos fixos
com receitas fixas.
Não é incomum, ainda hoje,
alguns gestores de casas espíritas agirem inversamente ao que a prudência
recomenda, quando optam pela realização de eventos esporádicos para cobrir os
gastos fixos. Essa ação funciona até o dia em que houver alguma intercorrência
que impeça a realização do evento ou os recursos obtidos forem aquém do
necessário, gerado desequilíbrio financeiro.
Para que a casa espírita seja
sustentável, as fontes de recursos devem ser planejadas e ter o desempenho
acompanhado cuidadosamente conforme as expectativas de receitas frente aos
gastos estimados.
Uma classificação útil, assim
como Kardec mencionou, é identificar as fontes fixas ou regulares de receitas
(como, por exemplo, associados, livraria, lanchonete, estacionamento, convênios
públicos etc.) e diferenciá-las de fontes esporádicas (como, por exemplo, doações
públicas e privadas, eventos etc.). A cobertura dos gastos fixos deve ser
planejada contando-se com os recursos obtidos de fontes regulares.
Os recursos obtidos por fontes
eventuais são muito bem-vindos, porém, ao criar-se uma dependência dos mesmos, gera-se insegurança
no fluxo de caixa sem a possibilidade de planejamento de ações de longo prazo,
afetando-se a sustentabilidade organizacional.
Ainda que existam diversos
relatos de instituições que tradicionalmente sobrevivem com recursos eventuais
há décadas, também há casos em que tudo parecia bem até ocorrer o primeiro (e
último) imprevisto, desequilibrando financeiramente a casa espírita.
Momentos atípicos, como foi a
interrupção generalizada das atividades presenciais, fazem com que as casas com
mais fontes regulares absorvam os impactos negativos de maneira menos danosa,
mas não deixam de representar desafios aos gestores. A análise do ponto de
equilíbrio da casa favorece o planejamento das medidas a serem tomadas.
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