sábado, 11 de março de 2023

EQUILÍBRIO FINANCEIRO DOS CENTROS ESPÍRITAS

 

Marco Milani[1]

 

 A gestão de organizações sem fins lucrativos, como os centros espíritas, apresenta particularidades operacionais que desafiam os respectivos administradores e exigem domínio das técnicas e ferramentas gerenciais do processo decisório, assim como ocorre em empresas comerciais de diferentes portes.

O equilíbrio financeiro, obtido quando as receitas cobrem as despesas, é uma condição estratégica para a sobrevivência da organização. O denominado ponto de equilíbrio é uma relação que expressa a igualdade monetária dos recursos recebidos pelo centro espírita com os seus gastos totais em determinado período.

Conhecer qual é o ponto de equilíbrio é essencial para se planejar as ações para a obtenção dos recursos necessários ao desenvolvimento das atividades regulares e extraordinárias da instituição.

            Felizmente, a maioria dos gestores de casas espíritas, mesmo sem vivência profissional anterior na área financeira corporativa, procura agir com prudência na administração dos recursos conforme a dinâmica de gastos operacionais, porém, diante de situações que exigem maior compreensão da real capacidade da instituição em cobrir suas despesas futuras, faz-se premente contar com informações técnicas e financeiras adequadas.

Temerariamente, alguns voluntários, alçados a posições com responsabilidade decisória estratégica, afastam-se da racionalidade exigida para a função e depositam a esperança de que os recursos necessários para cobrir os gastos da instituição serão obtidos por ações promovidas pelos amigos desencarnados. Alegam que se deve ter fé.

Certamente, o envolvimento e apoio de Espíritos benfeitores aos trabalhos voltados ao bem do próximo é uma certeza, porém cabe aos encarnados agirem com ponderação e bom senso. A fé deve ser raciocinada, e não cega. Se assim não fosse, não haveria registros de casas espíritas que fecharam por desequilíbrio financeiro.

Na obra Viagem espírita de 1862, Allan Kardec apresentou um modelo de regulamento para uso dos grupos e pequenas sociedades espíritas. No item 17 do referido documento, destaca-se:

As despesas havidas com a Sociedade, se houver, serão cobertas por uma cotização, cuja cifra, emprego e forma de pagamento ela mesma fixará. Neste caso, a Sociedade nomeará o seu tesoureiro. Fica expressamente estipulado que essa cotização será paga somente pelos membros propriamente ditos da Sociedade e que, em nenhum caso e sob qualquer pretexto, será exigida ou solicitada uma retribuição qualquer aos ouvintes ou visitantes eventuais, como direitos de entrada.

Kardec orienta que as despesas deveriam ser cobertas pelas contribuições dos próprios componentes ou associados da entidade espírita, sem cobrar de participantes esporádicos das reuniões promovidas. Obviamente, a estrutura e atividades das sociedades espíritas eram mais simples, basicamente centradas nas reuniões mediúnicas e serviços de secretaria e divulgação, mas a responsabilidade pela manutenção dessas tarefas recai sobre os próprios trabalhadores voluntários.

 Ao enfatizar a gratuidade da entrada aos convidados (ouvintes e esporádicos), caracteriza-se a mediunidade como prática caridosa, rechaçando-se a mercantilização do intercâmbio mediúnico.

Na edição de dezembro/1868 da Revista Espírita, ao tratar do Comitê Central do Espiritismo, Kardec amplia as atividades de coordenação do movimento espírita e prevê diversas atividades vinculadas à divulgação doutrinária, além das próprias reuniões mediúnicas. Nesse sentido, a necessidade de obtenção de recursos pelos encarnados (e não uma ilusória esperança de que surgirão magicamente) é uma preocupação crucial para o sucesso de qualquer projeto. Uma recomendação operacional constante no respectivo texto é o cuidado com o equilíbrio financeiro ao destacar que “seria uma falta de previdência que um dia poderíamos lamentar” se as despesas fixas fossem cobertas com recursos eventuais. Em outras palavras, Kardec destaca o que qualquer administrador sensato deve fazer ao planejar cobrir gastos fixos com receitas fixas.

Não é incomum, ainda hoje, alguns gestores de casas espíritas agirem inversamente ao que a prudência recomenda, quando optam pela realização de eventos esporádicos para cobrir os gastos fixos. Essa ação funciona até o dia em que houver alguma intercorrência que impeça a realização do evento ou os recursos obtidos forem aquém do necessário, gerado desequilíbrio financeiro.

Para que a casa espírita seja sustentável, as fontes de recursos devem ser planejadas e ter o desempenho acompanhado cuidadosamente conforme as expectativas de receitas frente aos gastos estimados.

Uma classificação útil, assim como Kardec mencionou, é identificar as fontes fixas ou regulares de receitas (como, por exemplo, associados, livraria, lanchonete, estacionamento, convênios públicos etc.) e diferenciá-las de fontes esporádicas (como, por exemplo, doações públicas e privadas, eventos etc.). A cobertura dos gastos fixos deve ser planejada contando-se com os recursos obtidos de fontes regulares.

Os recursos obtidos por fontes eventuais são muito bem-vindos, porém, ao criar-se uma  dependência dos mesmos, gera-se insegurança no fluxo de caixa sem a possibilidade de planejamento de ações de longo prazo, afetando-se a sustentabilidade organizacional.

Ainda que existam diversos relatos de instituições que tradicionalmente sobrevivem com recursos eventuais há décadas, também há casos em que tudo parecia bem até ocorrer o primeiro (e último) imprevisto, desequilibrando financeiramente a casa espírita.

Momentos atípicos, como foi a interrupção generalizada das atividades presenciais, fazem com que as casas com mais fontes regulares absorvam os impactos negativos de maneira menos danosa, mas não deixam de representar desafios aos gestores. A análise do ponto de equilíbrio da casa favorece o planejamento das medidas a serem tomadas.



[1] Texto publicado na Revista Sendas, ed. 220, mar/abr 2023

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