Allan Kardec
Falecida em Bruxelas, a Sra.
Victor Hugo foi trazida para a França, em 30 de agosto último, para ser inumada
em Villequiers (Seine-Inférieure), junto de sua filha e de seu genro. O Sr. Victor
Hugo a acompanhou até a fronteira. Sobre o túmulo, o Sr. Paul Meurice
pronunciou as seguintes palavras:
Eu queria apenas lhe dizer adeus por todos nós.
Bem o sabeis, vós que a rodeais – pela última vez! – o
que era – o que é esta alma tão bela e tão doce, este adorável espírito,
este grande coração.
Ah! Este grande coração, sobretudo! Como ela gostava de
amar! Como gostava de ser amada! Como sabia sofrer com os que amava!
Era a esposa do maior homem que existe e, pelo coração,
ela se alçava a esse gênio. Quase o igualava, de tanto o compreender.
E é preciso que nos deixe! É preciso que a deixemos!
Ela já voltou a amar. Reencontrou seus
dois filhos, aqui – e lá (mostrando o túmulo de sua filha e o Céu).
Victor Hugo me disse na fronteira, ontem à noite:
Dizei à minha filha que, esperando, sempre lhe envio
sua mãe. Está dito, e creio que está entendido.
E agora, adeus, pois! Adeus pelos presentes! Adeus
pelos ausentes! Adeus nossa amiga! Adeus nossa irmã!
Adeus, mas até à vista!
O Sr. Paul Foucher, irmão da
Sra. Victor Hugo, numa carta que escreveu no France, para dar contas da
cerimônia, termina por estas palavras:
Nós nos separamos consternados, mas calmos e
persuadidos, mais do que nunca, de que o desaparecimento de um ser é um encontro
marcado com ele numa hora indefinida.
Nesta ocasião, julgamos dever
lembrar a carta do Sr. Victor Hugo ao Sr. Lamartine, quando da morte da esposa
deste último, em 23 de maio de 1863, e que a maioria dos jornais da época
reproduziu.
Caro Lamartine,
Uma grande desgraça vos fere; preciso pôr o meu coração
junto do vosso. Eu venerava aquela a quem amáveis. Vosso alto espírito vê além
do horizonte; percebeis distintamente a vida futura.
Não é a vós que é preciso dizer: esperai. Sois dos que
sabem, e que esperam.
Ela é sempre a vossa companheira, invisível, mas
presente. Vós perdestes a mulher, mas não a alma. Caro amigo, vivamos nos
mortos.
Tuus
Victor Hugo
As palavras pronunciadas pelo
Sr. Victor Hugo, e o que escreveu em diversas circunstâncias provam que ele
crê, não somente nessa vaga imortalidade, na qual, com pouquíssimas exceções,
todo o gênero humano acredita, mas nesta imortalidade claramente definida, que
tem um objetivo, satisfaz à razão e dissipa a incerteza sobre a sorte que nos
espera; que nos representa as almas ou Espíritos dos que deixaram a Terra como
seres concretos, individuais, povoando o espaço, vivendo em meio de nós, com a lembrança
do que aqui fizeram, beneficiando-se do progresso intelectual e moral
realizado, conservando suas afeições, testemunhas invisíveis de nossas ações e
de nossos sentimentos, comungando pensamentos com os que lhes são caros; numa palavra,
nesta imortalidade consoladora, que enche o vazio deixado pelos ausentes e pela
qual se perpetua a solidariedade entre o mundo espiritual e o mundo corporal.
Ora, aí está todo o Espiritismo. Que acrescenta ele a isto? A prova material
daquilo que não era, até ele, senão uma teoria sedutora. Enquanto certas pessoas
chegaram a esta crença pela intuição e pelo raciocínio, o Espiritismo partiu do
fato e da observação.
Sabe-se em consequência de que
dolorosa catástrofe o Sr. Victor Hugo perdeu sua filha e seu genro, o Sr.
Charles Vacquerie, no dia 4 de setembro de 1843. Eles se dirigiam, em barco à
vela, de Villequiers a Caudebec, em companhia de um tio do Sr. Vacquerie,
antigo marinheiro, e de um menino de dez anos. Uma ventania fez soçobrar a
embarcação e os quatro pereceram.
Que de mais significativo,
marcado de mais profunda e mais justa ideia da imortalidade que estas palavras:
Dizei à minha filha que, esperando, sempre lhe envio sua mãe! Que calma,
que serenidade, que confiança no futuro! Dir-se-ia que sua filha apenas partira
para uma viagem, à qual manda dizer: Envio-te tua mãe, esperando que eu vá
vos encontrar. Quanta consolação, quanta força, quanta esperança não se
haure nesta maneira de compreender a imortalidade! Não é mais a alma perdida no
infinito, que a própria certeza de sua sobrevivência não deixa nenhuma esperança
de reencontrar; deixando para sempre a Terra e aqueles a quem amou, quer ela
esteja nas delícias da beatitude contemplativa ou nos tormentos eternos do
inferno, a separação é eterna. Compreende-se a amargura dos pesares com uma tal
crença; mas, para aquele pai, sua filha está sempre lá; receberá sua mãe ao
sair de seu exílio terrestre e escuta as palavras que ele lhe manda dizer!
Quem quer que tenha chegado a
isto é espírita, porque, se quiser refletir seriamente, não pode escapar a
todas as consequências lógicas do Espiritismo. Os que repelem essa qualificação
são os que, não conhecendo do Espiritismo senão os quadros ridículos da crítica
zombeteira, dele fazem uma ideia falsa.
Ao contrário, se se dessem ao
trabalho de o estudar, de o analisar e de lhe sondar o alcance, sentir-se-iam
felizes por encontrar nas ideias que constituem a sua felicidade, uma sanção
capaz de consolidar a sua fé. Não mais diriam apenas: Creio, porque me parece
justo, mas Creio porque compreendo.
Façamos um paralelo entre os
sentimentos que animaram o Sr. Victor Hugo nesta circunstância e em todas
aquelas em que o seu coração recebeu semelhantes feridas, e a definição da imortalidade
que dava o Figaro, de 3 de abril de 1868, sob a rubrica de: Dicionário
do Figaro:
Imortalidade: Conto de
enfermeiros, para tranquilizar seus clientes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário