terça-feira, 24 de janeiro de 2023

EXÉQUIAS DA SENHORA VICTOR HUGO[1]

 

Túmulo da família de Victor Hugo, em Paris, no cemitério Père-Lachaise


Allan Kardec

 

Falecida em Bruxelas, a Sra. Victor Hugo foi trazida para a França, em 30 de agosto último, para ser inumada em Villequiers (Seine-Inférieure), junto de sua filha e de seu genro. O Sr. Victor Hugo a acompanhou até a fronteira. Sobre o túmulo, o Sr. Paul Meurice pronunciou as seguintes palavras:

 

Eu queria apenas lhe dizer adeus por todos nós.

Bem o sabeis, vós que a rodeais – pela última vez! – o que era – o que é esta alma tão bela e tão doce, este adorável espírito, este grande coração.

Ah! Este grande coração, sobretudo! Como ela gostava de amar! Como gostava de ser amada! Como sabia sofrer com os que amava!

Era a esposa do maior homem que existe e, pelo coração, ela se alçava a esse gênio. Quase o igualava, de tanto o compreender.

E é preciso que nos deixe! É preciso que a deixemos!

Ela já voltou a amar. Reencontrou seus dois filhos, aqui – e lá (mostrando o túmulo de sua filha e o Céu).

Victor Hugo me disse na fronteira, ontem à noite:

Dizei à minha filha que, esperando, sempre lhe envio sua mãe. Está dito, e creio que está entendido.

E agora, adeus, pois! Adeus pelos presentes! Adeus pelos ausentes! Adeus nossa amiga! Adeus nossa irmã!

Adeus, mas até à vista!

 

O Sr. Paul Foucher, irmão da Sra. Victor Hugo, numa carta que escreveu no France, para dar contas da cerimônia, termina por estas palavras:

Nós nos separamos consternados, mas calmos e persuadidos, mais do que nunca, de que o desaparecimento de um ser é um encontro marcado com ele numa hora indefinida.

Nesta ocasião, julgamos dever lembrar a carta do Sr. Victor Hugo ao Sr. Lamartine, quando da morte da esposa deste último, em 23 de maio de 1863, e que a maioria dos jornais da época reproduziu.

Caro Lamartine,

Uma grande desgraça vos fere; preciso pôr o meu coração junto do vosso. Eu venerava aquela a quem amáveis. Vosso alto espírito vê além do horizonte; percebeis distintamente a vida futura.

Não é a vós que é preciso dizer: esperai. Sois dos que sabem, e que esperam.

Ela é sempre a vossa companheira, invisível, mas presente. Vós perdestes a mulher, mas não a alma. Caro amigo, vivamos nos mortos.

Tuus

Victor Hugo

 

As palavras pronunciadas pelo Sr. Victor Hugo, e o que escreveu em diversas circunstâncias provam que ele crê, não somente nessa vaga imortalidade, na qual, com pouquíssimas exceções, todo o gênero humano acredita, mas nesta imortalidade claramente definida, que tem um objetivo, satisfaz à razão e dissipa a incerteza sobre a sorte que nos espera; que nos representa as almas ou Espíritos dos que deixaram a Terra como seres concretos, individuais, povoando o espaço, vivendo em meio de nós, com a lembrança do que aqui fizeram, beneficiando-se do progresso intelectual e moral realizado, conservando suas afeições, testemunhas invisíveis de nossas ações e de nossos sentimentos, comungando pensamentos com os que lhes são caros; numa palavra, nesta imortalidade consoladora, que enche o vazio deixado pelos ausentes e pela qual se perpetua a solidariedade entre o mundo espiritual e o mundo corporal. Ora, aí está todo o Espiritismo. Que acrescenta ele a isto? A prova material daquilo que não era, até ele, senão uma teoria sedutora. Enquanto certas pessoas chegaram a esta crença pela intuição e pelo raciocínio, o Espiritismo partiu do fato e da observação.

Sabe-se em consequência de que dolorosa catástrofe o Sr. Victor Hugo perdeu sua filha e seu genro, o Sr. Charles Vacquerie, no dia 4 de setembro de 1843. Eles se dirigiam, em barco à vela, de Villequiers a Caudebec, em companhia de um tio do Sr. Vacquerie, antigo marinheiro, e de um menino de dez anos. Uma ventania fez soçobrar a embarcação e os quatro pereceram.

Que de mais significativo, marcado de mais profunda e mais justa ideia da imortalidade que estas palavras: Dizei à minha filha que, esperando, sempre lhe envio sua mãe! Que calma, que serenidade, que confiança no futuro! Dir-se-ia que sua filha apenas partira para uma viagem, à qual manda dizer: Envio-te tua mãe, esperando que eu vá vos encontrar. Quanta consolação, quanta força, quanta esperança não se haure nesta maneira de compreender a imortalidade! Não é mais a alma perdida no infinito, que a própria certeza de sua sobrevivência não deixa nenhuma esperança de reencontrar; deixando para sempre a Terra e aqueles a quem amou, quer ela esteja nas delícias da beatitude contemplativa ou nos tormentos eternos do inferno, a separação é eterna. Compreende-se a amargura dos pesares com uma tal crença; mas, para aquele pai, sua filha está sempre lá; receberá sua mãe ao sair de seu exílio terrestre e escuta as palavras que ele lhe manda dizer!

Quem quer que tenha chegado a isto é espírita, porque, se quiser refletir seriamente, não pode escapar a todas as consequências lógicas do Espiritismo. Os que repelem essa qualificação são os que, não conhecendo do Espiritismo senão os quadros ridículos da crítica zombeteira, dele fazem uma ideia falsa.

Ao contrário, se se dessem ao trabalho de o estudar, de o analisar e de lhe sondar o alcance, sentir-se-iam felizes por encontrar nas ideias que constituem a sua felicidade, uma sanção capaz de consolidar a sua fé. Não mais diriam apenas: Creio, porque me parece justo, mas Creio porque compreendo.

Façamos um paralelo entre os sentimentos que animaram o Sr. Victor Hugo nesta circunstância e em todas aquelas em que o seu coração recebeu semelhantes feridas, e a definição da imortalidade que dava o Figaro, de 3 de abril de 1868, sob a rubrica de: Dicionário do Figaro:

Imortalidade: Conto de enfermeiros, para tranquilizar seus clientes.



[1] Revista Espírita – Outubro/1868 – Allan Kardec

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