Allan Kardec
Pelo fim de 1864 foi pregada uma
perseguição contra o Espiritismo em várias cidades do Sul, e seguida de alguns
efeitos.
Eis um extrato de um desses
sermões, que nos foi enviado na ocasião, com todas as indicações necessárias
para lhe constatar a autenticidade. Apreciarão nossa reserva em não citar os
lugares, nem as pessoas:
Fugi, cristãos, fugi desses homens perdidos e dessas
mulheres más, que se entregam a práticas que a Igreja condena! Não tenhais nenhuma
relação com esses loucos e essas loucas; abandonai-os a um insulamento
absoluto. Fugi deles como de criaturas perigosas. Não os suporteis ao vosso
lado e expulsai-os do lugar santo, cujo acesso é interdito em razão de sua
indignidade.
Vede esses homens perdidos e essas mulheres más, que se
ocultam na sombra, e que se reúnem em segredo para propagarem suas ignóbeis
doutrinas, segui-os comigo em seus covis; não se diriam conspiradores de baixa
condição, deleitando-se nas trevas para aí formarem seus infames complôs?
Conspiram claramente, com efeito, ajudados por Satã, contra a nossa santa mãe
Igreja, que Jesus estabeleceu para reinar na Terra. Que fazem ainda esses
homens ímpios e essas mulheres sem vergonha? Blasfemam Deus; negam as sublimes
verdades que, durante séculos, inspiraram o mais profundo respeito aos seus
antepassados; adornam-se com uma falsa caridade, que só conhecem de nome, e
dela se servem como manto para ocultar sua ambição! Introduzem-se, como lobos
rapaces, em vossas residências para seduzir vossas filhas e vossas mulheres e
vos perder a todos para sempre; mas vós os expulsareis de vossa presença como
seres malfeitores!
Compreendestes, cristãos, quais são os que assinalo à
vossa reprovação? São os espíritas! E por que não os indicaria eu? É tempo de
os repelir e de amaldiçoar as suas doutrinas infernais!
Os sermões deste gênero estavam
na ordem do dia naquela época. Se exumamos este documento dos nossos arquivos,
após quatro anos, é para responder à qualificação de partido perigoso, dada
nestes últimos tempos aos espíritas por certos órgãos da imprensa. Na
circunstância precitada, de que lado estava a agressão, a provocação, numa
palavra, o espírito de partido? Podia-se levar mais longe a excitação ao ódio
dos cidadãos uns contra os outros, à divisão das famílias? Tais pregações não
lembram as da época desastrosa em que essas mesmas regiões eram ensanguentadas
pelas guerras de religião, em que o pai estava armado contra o filho e o filho
contra o pai? Não os julgamos do ponto de vista da caridade evangélica, mas do
da prudência. É de boa política excitar assim as paixões fanáticas numa região
onde o passado ainda está tão vivaz? Onde a autoridade muitas vezes tem
dificuldade em prevenir os conflitos? É prudente aí exibir novamente os pomos da
discórdia? Então queriam renovar aí a cruzada contra os albigenses e a guerra
das Cevenas? Se semelhantes sermões tivessem sido pregados contra os
protestantes, represálias sangrentas teriam sido inevitáveis. Hoje se agarram
ao Espiritismo porque, não tendo ainda existência legal, julgam que tudo é
permitido a seu respeito.
Pois bem! Qual tem sido, em
todos os tempos, a atitude dos espíritas, diante dos ataques de que foi objeto?
A de calma e de moderação. Não se deveria bendizer uma doutrina cuja força é
bastante grande para pôr um freio às paixões turbulentas e vingativas? Notai,
no entanto, que em parte alguma os espíritas formam um corpo constituído; que
não estão arregimentados em congregações obedientes a uma palavra de ordem; que
entre eles não há qualquer filiação patente ou secreta; eles sofrem, muito
simplesmente e individualmente, a influência de uma ideia filosófica, e esta
ideia, livremente aceita pela razão, e não imposta, é suficiente para modificar
suas tendências, porque têm consciência de estar certos. Veem esta ideia
crescer sem cessar, infiltrar-se em toda parte, cada dia ganhar terreno; têm fé
no seu futuro, porque ela é segundo os princípios da eterna justiça, responde
às necessidades sociais e se identifica com o progresso, cuja marcha é
irresistível. Eis por que são calmos diante dos ataques de que ela é objeto;
acreditariam dar uma prova de desconfiança em sua força, se a sustentassem pela
violência e por meios materiais. Riem-se desses ataques, pois não têm como
resultado senão propagá-la mais rapidamente, atestando a sua importância.
Mas os ataques não se limitam à
ideia. Embora a cruzada contra os espíritas já não seja pregada abertamente,
como o era há alguns anos, seus adversários não se tornaram mais benevolentes,
nem mais tolerantes; a perseguição não é menos exercida, na ocasião,
astutamente contra os indivíduos que ela atinge, não só na sua liberdade de
consciência, que é um direito sagrado, mas mesmo em seus interesses materiais.
Em falta de razão, os adversários do Espiritismo ainda esperam derrubá-lo pela
calúnia e pela repressão. Sem dúvida se equivocam, mas, enquanto esperam, fazem
algumas vítimas. Ora, não é preciso dissimular que a luta não terminou; os
adeptos devem, pois, armar-se de coragem para marchar com firmeza na via que
lhes é traçada.
É não só em vista do presente,
mas, sobretudo, na previsão do futuro, que julgamos por bem reproduzir a
instrução que se segue, sobre a qual chamamos seriamente a atenção dos adeptos.
Além disso, ela é um desmentido dado aos que buscam representar o Espiritismo
como um partido perigoso para a ordem social. Praza a Deus que todos os
partidos não obedeçam senão a semelhantes inspirações a paz não tardaria a
reinar na Terra.
(Paris, 10 de dezembro de 1864 – Médium: Sr. Delanne)
Meus filhos, estas perseguições, como tantas outras,
cairão e não podem ser prejudiciais à causa do Espiritismo. Os Espíritos bons
velam pela execução das ordens do Senhor; nada tendes a temer. Contudo, é uma
advertência para vos manterdes em guarda e agir com prudência. É uma tempestade
que rebenta, porque deveis esperar e ver rebentar muitas outras, conforme vos
temos anunciado, pois não deveis pensar que os vossos inimigos se deem
facilmente por vencidos. Não; eles lutarão passo a passo, até se convencerem de
sua impotência. Deixai, pois, que lancem o seu veneno, sem vos inquietardes com
o que possam dizer, porque bem sabeis que nada podem contra a Doutrina que, a
despeito de tudo, deve triunfar. Eles bem o sentem, e é isto que os exaspera e
redobra o seu furor.
É preciso esperar que na luta eles façam algumas
vítimas, mas aí estará a prova pela qual o Senhor reconhecerá a coragem e a
perseverança de seus verdadeiros servidores. Que mérito teríeis em triunfar sem
esforço? Como valentes soldados, os feridos serão os mais recompensados. E que
glória para os que saírem da refrega mutilados e cobertos de honrosas
cicatrizes! Se um povo inimigo viesse invadir o vosso país, não sacrificaríeis
os vossos bens, a vossa vida por sua independência? Por que, então, vos lamentaríeis
de alguns arranhões que recebeis numa luta cujo desfecho inevitável conheceis,
e na qual estais certo da vitória?
Agradecei, pois, a Deus por vos haver colocado na linha
de frente, para que sejais dos primeiros a recolher as palmas gloriosas, que
serão o prêmio de vosso devotamento à santa causa. Agradecei aos vossos
perseguidores, que vos permitem mostrar a vossa coragem e adquirir mais mérito.
Não vades ao encontro da perseguição, não a busqueis; mas se ela vier,
aceitai-a como uma das provas da vida, porque é uma delas, e das mais
proveitosas ao vosso avanço, conforme a maneira pela qual a suportardes. Dá-se
nesta prova como em todas as outras: por vossa conduta podeis fazer que ela
seja fecunda, ou sem frutos para vós.
Vergonha aos que tiverem recuado e preferido o repouso
da Terra ao que lhe estava preparado, porque o Senhor fará a conta de seus
sacrifícios. Ele lhes dirá: “Que pedis, vós que nada perdestes, nada
sacrificastes? Que não renunciastes nem a uma noite do vosso sono, nem a um
pouco de vossa mesa, nem deixastes um pedaço de vossas roupas no campo de
batalha? Que fizestes durante esse tempo, enquanto os vossos irmãos iam ao
encontro do perigo? Mantivestes-vos afastados, para deixar passar a tempestade
e vos mostrar depois do perigo, ao passo que os vossos irmãos enfrentavam todas
as dificuldades.
Pensai nos mártires cristãos! Eles não tinham, como
vós, comunicações incessantes do mundo invisível para reanimar a sua fé e,
contudo, não recuavam ante o sacrifício, nem de sua vida, nem de seus bens.
Aliás, o tempo dessas provas cruéis já passou; os sacrifícios sangrentos, as
torturas, as fogueiras não se repetirão mais; vossas provas são mais morais do
que materiais; serão, por conseguinte, menos penosas, mas não serão menos
meritórias, porque tudo está proporcionado ao tempo. Hoje é o espírito que
domina; eis por que o espírito sofre mais que o corpo. A predominância das
provas espirituais sobre as provas materiais é um indício do adiantamento do
espírito. Aliás, sabeis que muitos dos que sofreram pelo Cristianismo vêm
concorrer para o coroamento da obra, e são os que sustentam a luta com mais
coragem; assim, vêm juntar mais uma palma às que já haviam conquistado.
O que vos digo, meus amigos, não é para vos decidir a
entrar estouvadamente na peleja e com a cabeça baixa. Não; ao contrário, vos
digo: Agi com prudência e circunspeção, no interesse mesmo da Doutrina, que
teria de suportar um zelo irrefletido; mas se um sacrifício for necessário,
fazei-o sem murmurar e pensai que uma perda temporal nada é ao lado da
compensação que por isso recebereis.
Não vos inquieteis com o futuro da Doutrina. Entre os
que a combatem hoje, mais de um será o seu defensor amanhã. Os adversários se
agitam; em dado momento quererão reunir-se para desferir um grande golpe e
derrubar o edifício começado, mas seus esforços serão vãos e far-se-á a divisão
em suas fileiras.
Aproximam-se os tempos em que os acontecimentos
favorecerão a eclosão do que semeais. Considerai a obra na qual trabalhais, sem
vos preocupardes com o que possam dizer ou fazer. Vossos inimigos fazem tudo o
que podem para vos levar além dos limites da moderação, a fim de poder dar um
pretexto às suas agressões; seus insultos não têm outro objetivo, mas a vossa
indiferença e vossa longanimidade os confundem. À violência, continuai, pois, a
opor a doçura e a caridade; fazei o bem aos que vos querem mal, a fim de que
possam distinguir, mais tarde, o verdadeiro do falso.
Tendes uma arma poderosa: a do raciocínio. Servi-vos
dela, mas não a mancheis jamais pela injúria, o supremo argumento dos que não
têm boas razões para dar; esforçai-vos, enfim, pela dignidade de vossa conduta,
para fazer respeitar em vós o título de espírita.
São Luís
Nenhum comentário:
Postar um comentário