terça-feira, 13 de dezembro de 2022

A REENCARNAÇÃO NO JAPÃO[1]

 

 André Reinoso - A Missão de São Francisco Xavier no Japão


Allan Kardec

 

São Francisco Xavier e o bonzo japonês

 

O relato seguinte é extraído da história de São Francisco Xavier, pelo padre Bouhours. É uma discussão teológica entre um bonzo japonês, chamado Tucarondono, e São Francisco Xavier, então missionário no Japão.

 

− Não sei se me conheces ou, melhor dizendo, se me reconheces, disse Tucarondono a    Francisco Xavier.

Não me lembro de vos ter visto alguma vez, respondeu-lhe este.

Então o bonzo, rebentando de riso, e se voltando para outros bonzos, seus confrades, que trouxera consigo:

Bem vejo, disse-lhes, que não teria dificuldade em vencer um homem que tratou comigo mais de cem vezes, e que dá mostras de jamais me ter visto.

Em seguida, olhando Xavier com um sorriso de desprezo:

− Nada te resta das mercadorias que me vendestes no porto de Frénasoma?

− Em verdade, replicou Xavier com uma expressão sempre serena e modesta, em minha vida não fui negociante e jamais estive em Frénasoma.

Ah! Que esquecimento e que tolice! Replicou o bonzo, fazendo-se de admirado e continuando suas risadas: Que! É possível que tenhas esquecido isto?

– Avivai-me a lembrança, prosseguiu docemente o Pai, vós que tendes mais espírito e mais memória que eu.

Bem que o quero, disse o bonzo, todo orgulhoso do elogio que Xavier lhe havia feito. Há exatamente mil e quinhentos anos, tu e eu éramos mercadores, fazíamos o nosso comércio em Frénasoma, e te comprei cem peças de seda muito barato. Lembras-te agora?

− O santo avaliou até onde queria chegar o bonzo e lhe perguntou, honestamente, que idade tinha.

Tenho cinquenta e dois anos, disse Tucarondono.

− Como é possível, redarguiu Xavier, que fosses mercador há quinze séculos, se não estais no mundo senão há meio século, e que negociássemos naquele tempo, em Frénasoma, se vós e a maioria dos outros bonzos ensinais que o Japão não passava de um deserto há mil e quinhentos anos?

Escuta-me, disse o bonzo: tu ouvirás os oráculos e concordarás que temos mais conhecimento das coisas passadas, do que vós outros o tendes das coisas presentes.

Deves, pois, saber, que o mundo jamais teve começo, e que as almas, a bem dizer, não morrem. A alma se desprende do corpo onde estava encerrada; busca outro, novo e vigoroso, onde renascemos, ora com o sexo mais nobre, ora com o sexo imperfeito, conforme as diversas constelações do céu e os diferentes aspectos da Lua. Essas mudanças de nascimento fazem que também mudem as nossas sortes. Ora, é a recompensa dos que viveram santamente ter a lembrança fresca de todas as vidas que se levou nos séculos passados e de se representar em si mesmo todo inteiro, tal qual se foi desde a eternidade, sob a forma de príncipe, de mercador, de homem de letras, de guerreiro e sob outras figuras. Ao contrário, quem quer que, como tu, saiba tão pouco seus próprios negócios, ignore o que foi e o que fez durante uma infinidade de séculos, mostra que seus crimes o tornaram digno da morte tantas vezes, que perdeu a lembrança das vidas que mudou.

 

Observação – Não se pode supor que Francisco Xavier tenha inventado esta história, que não lhe era favorável, nem suspeitar da boa-fé de seu historiador, o padre Bouhours. Por outro lado, não é menos certo que era uma armadilha estendida ao missionário pelo bonzo, pois sabemos que a lembrança das existências anteriores é um caso excepcional e que, em todo o caso, jamais comporta detalhes tão precisos. Mas o que ressalta do fato é que a doutrina da reencarnação existia no Japão naquela época, em condições idênticas, salvo a intervenção das constelações e da Lua, às que hoje são ensinadas pelos Espíritos. Uma outra similitude não menos notável, é a ideia de que a precisão da lembrança é um sinal de superioridade; com efeito, os Espíritos nos dizem que nos mundos superiores à Terra, onde o corpo é menos material e a alma encontra-se num estado normal de desprendimento, a lembrança do passado é uma faculdade comum a todos; aí a gente se lembra das existências anteriores, como nos lembramos dos primeiros anos da nossa infância. É bem evidente que os japoneses não chegaram a este grau de desmaterialização, que não existe na Terra, mas o fato prova que dele têm a intuição.



[1] Revista Espírita – Agosto/1868 – Allan Kardec

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