Laura Pierre-Louis - Lady Justice Sepia - (2010)
Anselmo Ferreira Vasconcelos
A lei celestial da justiça é
muito bem explicada na seminal obra de Allan Kardec, O Livro dos Espíritos.
Na questão nº 875, o Codificador indaga à entidade espiritual que o assistia na
elaboração do lapidar livro:
Como se pode definir a justiça?
E a resposta é instigante:
A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos
demais.
Note que ela não se debruça ou
alude às questões técnicas nem tampouco usa uma frase hermética. Pelo
contrário. Ela simplesmente realça a essência do assunto ao empregar o verbo respeitar
– recurso vital, por sinal, à construção de uma sociedade verdadeiramente digna
harmoniosa e equilibrada. Com efeito, onde não há respeito também não há
justiça.
Posto isto, convém recordar que
o papel da justiça tem sido amplamente criticado em nossa pátria nos tempos
presentes por causa dos arroubos dos magistrados ao interpretar a lei sem o
devido amparo legal exarado na letra da Constituição. Não sem razão, muitos
juristas eminentes, alguns setores mais esclarecidos da imprensa e destacados
membros da sociedade têm apontado os perigos decorrentes da juristocracia
que ora grassa em nossas plagas. O resultado de tais excessos não poderia ser
pior aos cidadãos, já que os seus direitos de poder livremente se expressar
estão lhe sendo lentamente subtraídos. Afinal de contas, na atualidade, uma
simples conversa entre amigos ou parentes através do WhatsApp, por exemplo,
pode ser passível de severas implicações legais aos seus participantes se a
autoridade judicial assim o entender.
Voltando a Kardec e a sua obra
acima citada, ele aprofunda ainda mais o assunto conforme resposta dada a
questão nº 877:
[...] No vosso mundo, porque a maioria dos homens não
pratica a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa a causa da
perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida social
outorga direitos e impõe deveres recíprocos.
De fato, a prática da justiça em
nosso mundo ainda é deveras imperfeita, até porque os seus executores – pessoas
igualmente passíveis de graves defeitos comportamentais - também não conseguem
operacionalizá-la de maneira satisfatória, haja vista o que vige hoje em nosso
país, bem como em outras nações do planeta. Certamente pouco afeitos às coisas
espirituais, pois, do contrário, seriam mais cuidadosos no exercício do seu
mister, não divisam o mal que estão causando não apenas aos outros, mas
inclusive a si mesmos. Não percebem que Toda a realidade é a do Espírito e
toda a paz é a do entendimento do reino de Deus e de sua justiça, conforme
argumenta o Espírito Emmanuel, no livro “A Caminho da Luz” (psicografia de
Francisco Cândido Xavier).
Buscando o exame criterioso de
tão delicado tema, Kardec inquire na questão nº 874:
- Sendo a justiça uma Lei da
Natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes,
considerando uns justo o que a outros parece injusto?
E a resposta fornecida não
poderia ser mais esclarecedora:
- É porque a esse sentimento se
misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros
sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma
falso.
Segue, então, que as distorções
interpretativas dos agentes da justiça advém sobretudo de premissas falsas ou
equivocadas, o que torna confusa ou, pior ainda, mal-intencionada a aplicação
da lei. Nos seus comentários à questão nº 521, o Codificador do Espiritismo
observa:
[...] Fazendo reinar em seu seio a justiça, os homens
combatem a influência dos maus Espíritos. Onde quer que as leis consagrem
coisas injustas, contrárias à humanidade, os bons Espíritos ficam em minoria e
a multidão que aflui dos maus mantém a nação aferrada às suas ideias e paralisa
as boas influências parciais, que ficam perdidas no conjunto, como insuladas
espigas entre espinheiros. [...].
Conclui-se, assim, que as
emoções e sentimentos menos edificantes ainda permeiam as decisões proferidas
por muitos operadores da justiça no mundo. Especificamente estes, ao
implementar a injustiça, estão, na verdade, fazendo a vontade de entidades
malignas, que tentam obstar o progresso de todas as formas. De outra maneira,
se optassem por seguir escrupulosamente os ditames da lei e da justiça fariam
um enorme bem espiritual ao conjunto da sociedade e também a si próprios. No
entanto, desconhecedores dos códigos divinos, e sem propensão a autoiluminação,
se afundam nos despenhadeiros da incúria e má-fé que lhes cobrarão pesado
tributo na hora certa.
Na obra “Ação e Reação”, ditada
pelo Espírito André Luiz (psicografia de Francisco Cândido Xavier), uma
importante entidade de escol, o Espírito Druso, pondera sobre isso:
[...] Dessa forma, todas as almas já investidas no
conhecimento da verdade e da justiça e por isso mesmo responsáveis pela
edificação do bem, e que, na Terra, resvalam nesse ou naquele delito,
desatentas para com o dever nobilitante que o mundo lhes assinala, depois da
morte do corpo estagiam nestes sítios [de profundo sofrimento] por dias, meses
ou anos, reconsiderando as suas atitudes, antes da reencarnação que lhes
compete abraçar, para o reajustamento tão breve quanto possível.
O respeitável mentor espiritual
acrescenta ainda:
[...] A Lei Divina, alicerçada na justiça indefectível,
funciona com igualdade para todos. Por esse motivo, nossa consciência reflete a
treva ou a luz de nossas criações individuais. A luz, aclarando-nos a visão,
descortina-nos a estrada. A treva, enceguecendo-nos, agrilhoa-nos ao cárcere de
nossos erros. [...].
Ocorre, no entanto, que a
maioria não atenta para tal imperativo da justiça divina e, assim, se
empanturram no banquete da perversidade não atentando para o fato de que a lei
divina a tudo observa. Portanto, menoscabar oportunidades de realizar o bem
através do trabalho (e o raciocínio é igualmente válido para os que desempenham
suas funções no plano da justiça humana) certamente trará enormes dissabores ao
ser errante.
Aliás, o relato abaixo constante
no livro “Contos e Apólogos”, capítulo Justiça de Cima, do Irmão X (também
psicografado por Francisco Cândico Xavier) reforça tal percepção. Ou seja:
Quatro operários solteiros, quase todos da mesma idade,
compareceram ao tribunal da Justiça de Cima, depois de haverem perdido o corpo
físico, num acidente espetacular.
Na Terra, foram analisados por idêntico padrão.
Excelentes rapazes, aniquilados pela morte, com as mesmas
homenagens sociais e domésticas.
Na vida espiritual, contudo, mostravam-se diferentes entre
si, reclamando variados estudos e diversa apreciação.
Ostentando, cada qual, um halo de irradiações específicas,
foram conduzidos ao juiz que lhes examinara o processo, durante alguns dias,
atenciosamente.
O magistrado convidou um a um a lhe escutarem as
determinações, em nome do Direito Universal, perante numerosa assembleia de
interessados nas sentenças.
Ao primeiro deles, cercado de pontos escuros, como se
estivesse envolvido numa atmosfera pardacenta, o compassivo julgador disse,
bondoso:
— De tuas notas, transparecem os pesados compromissos
que assumiste, utilizando os teus recursos de trabalho para fins
inconfessáveis. Há viúvas e órfãos, chorando no mundo, guardando amargas
recordações de tua influência.
E porque o interpelado inquirisse quanto ao futuro que o aguardava,
o árbitro amigo observou, sem afetação:
— Volta à paisagem onde viveste e recomeça a luta de
redenção, reajustando o equilíbrio daqueles que prejudicaste. És naturalmente
obrigado a restituir-lhes a paz e a segurança.
Aproximou-se o segundo, que se movimentava sob irradiações
cinzentas, e ouviu as seguintes considerações:
— Revelam os apontamentos a teu respeito que lesaste a
fábrica em que trabalhavas. Detiveste vencimentos e vantagens que não
correspondem ao esforço que despendeste.
E, percebendo-lhe as interrogações mentais, acrescentou:
— Torna ao teu antigo núcleo de serviço e auxilia os
companheiros e as máquinas que exploraste em mau sentido. É indispensável
resgates o débito de alguns milhares de horas, junto deles, em atividade
assistencial.
Ao terceiro que se aproximou, a destoar dos precedentes
pelo aspecto com que se apresentava, disse o juiz, generoso:
— As informações de tua romagem no Planeta Terrestre
explicam que demonstraste louvável correção no proceder. Não te valeste das
tuas possibilidades de serviço para prejudicar os semelhantes, não traíste as
próprias obrigações e somente recebeste do mundo aquilo que te era realmente
devido. A tua consciência está quite com a Lei. Podes escolher o teu novo tipo
de experiência, mas ainda na Terra, onde precisas continuar no curso da própria
sublimação.
Em seguida, surgiu o último. Vinha nimbado de belo
esplendor. Raios de safira claridade envolviam-no todo, parecendo emitir
felicidade e luz em todas as direções.
O juiz inclinou-se, diante dele, e informou:
— Meu amigo, a colheita de tua sementeira confere-te a
elevação. Serviços mais nobres esperam-te mais alto.
O trabalhador humilde, como que desejoso de ocultar a luz
que o coroava, afastou-se em lágrimas de júbilo e gratidão, nos braços de
velhos amigos que o cercavam, contentes, e, em razão das perguntas a explodirem
nos colegas despeitados, que asseveravam nele conhecer um simples homem de
trabalho, o julgador esclareceu, persuasivo e bondoso:
— O irmão promovido é um herói anônimo da renúncia.
Nunca impôs qualquer prejuízo a alguém, sempre respeitou a oficina que se
honrava com a sua colaboração e não se limitou a ser correto para com os
deveres, através dos quais conquistava o que lhe era necessário à vida.
Sacrificava-se pelo bem de todos. Soube ser delicado nas situações mais
difíceis. Suportava o fígado enfermo dos colegas, com bondade e entendimento.
Inspirava confiança. Distribuía estímulo e entusiasmo. Sorria e auxiliava
sempre. Centenas de corações seguiram-no, além da morte, oferecendo-lhe preces,
alegrias e bênçãos. A Lei Divina jamais se equivoca.
E porque o julgamento fora satisfatoriamente liquidado, o
tribunal da Justiça de Cima encerrou a sessão.
Diante do imbróglio ora
configurado no funcionamento da “justiça” humana, particularmente no contexto
de nossa nação, torna-se vital, para o bem-estar espiritual dos seus
executores, a prática da reflexão e meditação constantes, além do recurso da
prece. Além disso, é altamente desejável buscar inspiração nas salutares páginas
do Evangelho de Jesus, abraçar o comportamento virtuoso no qual a humildade tem
alto valor espiritual e cumprir as tarefas inerentes tomando a bússola do bem
como guia. Tais providências certamente atendem às expectativas do mais alto,
assim como ajudam a evitar sofrimentos desnecessários aos agentes de tão
relevante atividade.
[1] O CONSOLADOR - Ano 16 - N° 798 - 13 de Novembro de
2022 - http://www.oconsolador.com.br/ano16/798/principal.html
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