Allan Kardec
O Sr. Jacob é um charlatão? Seu
desinteresse material é um fato constante e, talvez, um dos que mais têm
desorientado a crítica. Como acusar de charlatanismo um homem que nada pede e nada
quer, nem mesmo agradecimentos?
Qual seria, pois, o seu móvel? O
amor-próprio, dizem. Sendo o desinteresse moral absoluto o sublime da
abnegação, seria preciso ter a virtude dos anjos para não experimentar certa
satisfação quando se vê a multidão se comprimir em torno de si, enquanto na
véspera se era desconhecido. Ora, como o Sr. Jacob não tem a pretensão de ser
anjo, supondo, o que ignoramos, que tenha exaltado um pouco a sua importância
aos seus próprios olhos, disso não se lhe poderia fazer um grande crime, nem
isto destruiria os fatos, se os há. Preferimos crer que os que lhe imputam essa
imperfeição estão muito acima das coisas terrenas, para se fazerem, a esse
respeito, a mais leve censura.
Mas, em todo o caso, esse
pensamento não podia ser senão consecutivo e não preconcebido. Se o Sr.
Jacob tivesse premeditado o desígnio de se popularizar fazendo-se passar por
curador emérito, sem poder provar algo mais que a sua incapacidade, em vez de
aplausos só teria recolhido apupos desde o primeiro dia, o que não lhe teria
sido muito lisonjeiro. Para se orgulhar de alguma coisa é preciso uma causa
preexistente; fazia-se necessário, pois, que ele curasse, antes de se
envaidecer.
Acrescentam que ele queria que
falassem dele; seja. Se tal fosse o seu objetivo, deve-se convir que, graças à
imprensa, ele foi servido na medida do possível. Mas, qual o jornal que poderá
dizer que o Sr. Jacob tenha ido mendigar a menor propaganda, o menor artigo,
que tenha pago uma única linha? Foi procurar algum jornalista? Não; os
jornalistas é que foram a ele e nem sempre puderam vê-lo facilmente. A imprensa
falou dele espontaneamente quando viu a multidão, e a multidão só veio quando
houve fatos. Foi fazer a corte a grandes personagens? A estes se mostrou mais
acessível, mais solícito, mais previdente? Todos sabem que, a esse respeito,
ele levou o rigorismo ao excesso. Todavia, seu amor próprio teria encontrado
mais elementos de satisfação na alta sociedade do que entre obscuros
indigentes.
Naturalmente deve-se afastar
toda imputação de intriga e de charlatanismo.
Ele cura todas as doenças? Não
só não as curas todas, mas, de dois indivíduos, atingidos pelo mesmo mal,
muitas vezes cura um e nada faz pelo outro. Nunca sabe de antemão se curará um
doente, por isso nunca promete nada. Ora, sabe-se que os charlatães não são
avarentos em promessas. A cura se deve a afinidades fluídicas, que se
manifestam instantaneamente, como um choque elétrico, e que não podem ser
prejulgadas.
É dotado de um poder
sobrenatural? Voltamos ao tempo dos milagres? Perguntai a ele mesmo e ele vos
responderá que em suas curas nada há de sobrenatural, nem de miraculoso; que é
dotado de um poder fluídico independente de sua vontade, que se manifesta com
maior ou menor energia, conforme as circunstâncias e o meio onde se encontra;
que o fluido que emite cura certas doenças em certas pessoas, sem que ele saiba
por que, nem como.
Quanto aos que pretendem que
essa faculdade é um presente do diabo, pode-se responder que, uma vez que só se
exerce para o bem, o diabo tem bons momentos, dos quais é bom aproveitar.
Também se lhes pode perguntar que diferença existe entre as curas do príncipe
de Hohenlohe
e as do Zuavo Jacob, para que umas sejam reputadas santas e miraculosas e as
outras diabólicas? Passemos sobre esta questão, que em nossa época não pode ser
levada a sério.
A questão do charlatanismo
prejulgava todas as outras, razão por que nela insistimos. Uma vez afastada,
vejamos que conclusões podem ser tiradas da observação.
O Sr. Jacob cura
instantaneamente doenças consideradas incuráveis: eis um fato positivo. A
questão do número de doentes curados aqui é secundária; houvesse apenas um caso
em cem e o fato não subsistiria menos. Ora, esse fato tem uma causa.
A faculdade curadora levada a
esse grau de força, achando-se num soldado que, por mais honesto que seja, não
tem o caráter, nem os hábitos, nem a linguagem, nem a atitude dos santos;
exercida fora de toda forma ou aparato místico, nas mais vulgares e nas mais
prosaicas condições; aliás, achando-se em diferentes graus numa porção de
outras pessoas, em heréticos como os muçulmanos, os hindus, os budistas etc.,
exclui a ideia de milagres no sentido litúrgico da palavra. É, pois, uma
faculdade inerente ao indivíduo; e, desde que não é um fato isolado, é que depende
de uma lei, como todo efeito natural.
A cura é obtida sem o emprego de
nenhum medicamento; portanto é devida a uma influência oculta. E desde que se
trata de um resultado efetivo, material e que o nada não pode produzir coisa
alguma, é preciso que essa influência seja algo de material. Então só pode ser
um fluido material, conquanto impalpável e invisível. Como o Sr. Jacob nem toca
no doente, nem lhe aplica nenhum passe magnético, o fluido não pode ter por motor
e propulsor senão a vontade. Ora, não sendo a vontade um atributo da matéria,
só pode emanar do Espírito; é, pois, o fluido que age sob o impulso do
Espírito. Sendo a maioria das doenças curadas por esse meio aquelas contra as
quais a Ciência é impotente, há, então, agentes curativos mais poderosos que os
da medicina ordinária. Esses fenômenos são, por conseguinte, a revelação de
leis desconhecidas pela Ciência. Em presença de fatos patentes, é mais prudente
duvidar do que negar. Tais são as conclusões a que forçosamente chegará todo
observador imparcial.
Qual a natureza desse fluido? É
eletricidade ou magnetismo? Provavelmente tem um e outro e talvez algo mais; em
todo o caso, é uma modificação deles, já que seus efeitos são diferentes. A
ação magnética é evidente, embora mais poderosa que a do magnetismo ordinário,
de que esses fatos são a confirmação e, ao mesmo tempo, a prova de que não
disse a última palavra.
Não entra nos propósitos deste
artigo explicar o modo de ação desse agente curativo, já descrito na teoria da
mediunidade curadora. Basta ter demonstrado que o exame dos fatos leva a reconhecer
a existência de um princípio novo, e que esse princípio, por mais estranho que
sejam os seus efeitos, não sai do domínio das leis naturais.
Nos fatos concernentes ao Sr.
Jacob, a bem dizer o Espiritismo não foi mencionado, ao passo que toda a
atenção se concentrou no magnetismo. Isto tinha sua razão de ser e sua utilidade.
Embora o concurso dos Espíritos desencarnados seja um fato constatado nesses
tipos de fenômenos, aqui a sua ação não é evidente, razão por que dela fazemos
abstração. Pouco importa que os fatos sejam explicados com ou sem a intervenção
de Espíritos estranhos; o magnetismo e o Espiritismo se dão as mãos; são duas partes
de um mesmo todo, dois ramos de uma mesma ciência, que se completam e se
explicam um pelo outro. Dar crédito ao magnetismo é abrir caminho ao
Espiritismo, e reciprocamente.
A crítica não poupou o Sr.
Jacob. Como de hábito, e em falta de boas razões, ela lhe prodigalizou chacotas
e injúrias grosseiras, com o que ele não se inquietou absolutamente. Desprezou
umas e outras, e as pessoas sensatas ficaram gratas por sua moderação.
Alguns chegaram a solicitar o
seu encarceramento como impostor abusando da credulidade pública; mas um
impostor é quem promete e não cumpre. Ora, como o Sr. Jacob nunca prometeu
coisa alguma, ninguém pode queixar-se de ter sido enganado. Que lhe podiam
censurar? Onde a contravenção legal? Não exercia a Medicina, nem mesmo
ostensivamente o magnetismo. Qual a lei que proíbe curar as pessoas olhando-as?
Denunciaram-no, porque a
multidão de doentes que a ele acorria perturbava a circulação. Mas foi ele quem
chamou a multidão? Convocou-a por anúncios? Qual o médico que protestaria se
tivesse uma semelhante à sua porta? E se um deles tivesse essa boa sorte, mesmo
à custa de anúncios caros, que diria se quisessem inquietá-lo pelo fato?
Disseram que se mil e quinhentas pessoas por dia, durante um mês, totalizando
quarenta e cinco mil doentes, tivessem sido curadas, não deveria mais haver coxos
nem estropiados nas ruas de Paris. Seria supérfluo refutar esta singela
objeção; apenas diremos que quanto mais cresce o número de doentes, curados ou
não, que se acotovelam na Rua de la Roquette, mais se prova quão grande é o
número daqueles que a Medicina não pode curar, pois é evidente que se esses
doentes tivessem sido curados pelos médicos, não teriam vindo ao Sr. Jacob.
Como, a despeito das denegações,
havia fatos patentes de curas extraordinárias, quiseram explicá-las dizendo que
o Sr. Jacob agia, pela própria aspereza de suas palavras, sobre a imaginação
dos doentes. Seja. Mas, então, se reconheceis à influência da imaginação um tal
poder sobre as paralisias, as epilepsias, os membros anquilosados, por que não
empregais esse meio, em vez de deixar que os inditosos enfermos sofram tanto,
ou lhes dar drogas que sabeis inúteis?
Disseram que o Sr. Jacob não
tinha o poder que se atribuía, e a prova é que se recusou a ir curar num
hospital, sob as vistas de pessoas competentes para apreciar a realidade das
curas.
Duas razões devem ter motivado a
recusa. Primeiro, não se podia ocultar que a oferta que lhe faziam não era
ditada pela simpatia, mas um desafio que lhe propunham. Se, numa sala de trinta
doentes, ele só tivesse levantado ou aliviado três ou quatro, não teriam
deixado de dizer que isto nada provava e que havia fracassado.
Em segundo lugar, é preciso
levar em conta circunstâncias que podem favorecer ou paralisar sua ação
fluídica. Quando está rodeado de doentes que lhe vêm voluntariamente, a confiança
que trazem os predispõe. Não admitindo nenhum estranho atraído pela
curiosidade, ele se acha num meio simpático, que também o predispõe; é dono de
si; seu espírito se concentra livremente e sua ação tem toda a sua força. Numa
sala de hospital, desconhecido dos doentes habituados aos cuidados de seus médicos,
cuja fé em outra coisa que não fosse a sua medicação seria suspeita, sob os
olhos inquisidores e zombeteiros de criaturas prevenidas, interessadas em o
denegrir; que, em vez de o secundar pelo concurso de injeções benfazejas,
temessem mais do que desejariam vê-lo triunfar – o sucesso de um zuavo
ignorante seria um desmentido dado ao seu saber – é evidente que, sob o império
dessas impressões e desses eflúvios antipáticos, sua faculdade se acharia
neutralizada. O erro desses senhores, nisto como quando se tratou do
sonambulismo, sempre foi acreditar que esses tipos de fenômenos seriam
manobrados à vontade, como uma pilha elétrica.
As curas desse gênero são
espontâneas, imprevistas e não podem ser premeditadas nem constituírem objeto
de concurso. Acrescentemos a isto que o poder curador não é permanente; aquele
que hoje o possui, pode vê-lo cessar no momento em que menos espera. Essas
intermitências provam que depende de uma causa independente da vontade do
curador e frustram os cálculos do charlatanismo.
Nota – O Sr. Jacob ainda não retomou o curso de suas curas.
Ignoramos o motivo e parece que não há nada fixado quanto à época em que
recomeçará, se é que isto vai acontecer. Esperando, informam-nos que a
mediunidade curadora se propaga em diferentes localidades, com aptidões
diversas.
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