terça-feira, 5 de abril de 2022

O ZUAVO JACOB[1] - (Segundo artigo)

 

Allan Kardec

 

O Sr. Jacob é um charlatão? Seu desinteresse material é um fato constante e, talvez, um dos que mais têm desorientado a crítica. Como acusar de charlatanismo um homem que nada pede e nada quer, nem mesmo agradecimentos?

Qual seria, pois, o seu móvel? O amor-próprio, dizem. Sendo o desinteresse moral absoluto o sublime da abnegação, seria preciso ter a virtude dos anjos para não experimentar certa satisfação quando se vê a multidão se comprimir em torno de si, enquanto na véspera se era desconhecido. Ora, como o Sr. Jacob não tem a pretensão de ser anjo, supondo, o que ignoramos, que tenha exaltado um pouco a sua importância aos seus próprios olhos, disso não se lhe poderia fazer um grande crime, nem isto destruiria os fatos, se os há. Preferimos crer que os que lhe imputam essa imperfeição estão muito acima das coisas terrenas, para se fazerem, a esse respeito, a mais leve censura.

Mas, em todo o caso, esse pensamento não podia ser senão consecutivo e não preconcebido. Se o Sr. Jacob tivesse premeditado o desígnio de se popularizar fazendo-se passar por curador emérito, sem poder provar algo mais que a sua incapacidade, em vez de aplausos só teria recolhido apupos desde o primeiro dia, o que não lhe teria sido muito lisonjeiro. Para se orgulhar de alguma coisa é preciso uma causa preexistente; fazia-se necessário, pois, que ele curasse, antes de se envaidecer.

Acrescentam que ele queria que falassem dele; seja. Se tal fosse o seu objetivo, deve-se convir que, graças à imprensa, ele foi servido na medida do possível. Mas, qual o jornal que poderá dizer que o Sr. Jacob tenha ido mendigar a menor propaganda, o menor artigo, que tenha pago uma única linha? Foi procurar algum jornalista? Não; os jornalistas é que foram a ele e nem sempre puderam vê-lo facilmente. A imprensa falou dele espontaneamente quando viu a multidão, e a multidão só veio quando houve fatos. Foi fazer a corte a grandes personagens? A estes se mostrou mais acessível, mais solícito, mais previdente? Todos sabem que, a esse respeito, ele levou o rigorismo ao excesso. Todavia, seu amor próprio teria encontrado mais elementos de satisfação na alta sociedade do que entre obscuros indigentes.

Naturalmente deve-se afastar toda imputação de intriga e de charlatanismo.

Ele cura todas as doenças? Não só não as curas todas, mas, de dois indivíduos, atingidos pelo mesmo mal, muitas vezes cura um e nada faz pelo outro. Nunca sabe de antemão se curará um doente, por isso nunca promete nada. Ora, sabe-se que os charlatães não são avarentos em promessas. A cura se deve a afinidades fluídicas, que se manifestam instantaneamente, como um choque elétrico, e que não podem ser prejulgadas.

É dotado de um poder sobrenatural? Voltamos ao tempo dos milagres? Perguntai a ele mesmo e ele vos responderá que em suas curas nada há de sobrenatural, nem de miraculoso; que é dotado de um poder fluídico independente de sua vontade, que se manifesta com maior ou menor energia, conforme as circunstâncias e o meio onde se encontra; que o fluido que emite cura certas doenças em certas pessoas, sem que ele saiba por que, nem como.

Quanto aos que pretendem que essa faculdade é um presente do diabo, pode-se responder que, uma vez que só se exerce para o bem, o diabo tem bons momentos, dos quais é bom aproveitar. Também se lhes pode perguntar que diferença existe entre as curas do príncipe de Hohenlohe e as do Zuavo Jacob, para que umas sejam reputadas santas e miraculosas e as outras diabólicas? Passemos sobre esta questão, que em nossa época não pode ser levada a sério.

A questão do charlatanismo prejulgava todas as outras, razão por que nela insistimos. Uma vez afastada, vejamos que conclusões podem ser tiradas da observação.

O Sr. Jacob cura instantaneamente doenças consideradas incuráveis: eis um fato positivo. A questão do número de doentes curados aqui é secundária; houvesse apenas um caso em cem e o fato não subsistiria menos. Ora, esse fato tem uma causa.

A faculdade curadora levada a esse grau de força, achando-se num soldado que, por mais honesto que seja, não tem o caráter, nem os hábitos, nem a linguagem, nem a atitude dos santos; exercida fora de toda forma ou aparato místico, nas mais vulgares e nas mais prosaicas condições; aliás, achando-se em diferentes graus numa porção de outras pessoas, em heréticos como os muçulmanos, os hindus, os budistas etc., exclui a ideia de milagres no sentido litúrgico da palavra. É, pois, uma faculdade inerente ao indivíduo; e, desde que não é um fato isolado, é que depende de uma lei, como todo efeito natural.

A cura é obtida sem o emprego de nenhum medicamento; portanto é devida a uma influência oculta. E desde que se trata de um resultado efetivo, material e que o nada não pode produzir coisa alguma, é preciso que essa influência seja algo de material. Então só pode ser um fluido material, conquanto impalpável e invisível. Como o Sr. Jacob nem toca no doente, nem lhe aplica nenhum passe magnético, o fluido não pode ter por motor e propulsor senão a vontade. Ora, não sendo a vontade um atributo da matéria, só pode emanar do Espírito; é, pois, o fluido que age sob o impulso do Espírito. Sendo a maioria das doenças curadas por esse meio aquelas contra as quais a Ciência é impotente, há, então, agentes curativos mais poderosos que os da medicina ordinária. Esses fenômenos são, por conseguinte, a revelação de leis desconhecidas pela Ciência. Em presença de fatos patentes, é mais prudente duvidar do que negar. Tais são as conclusões a que forçosamente chegará todo observador imparcial.

Qual a natureza desse fluido? É eletricidade ou magnetismo? Provavelmente tem um e outro e talvez algo mais; em todo o caso, é uma modificação deles, já que seus efeitos são diferentes. A ação magnética é evidente, embora mais poderosa que a do magnetismo ordinário, de que esses fatos são a confirmação e, ao mesmo tempo, a prova de que não disse a última palavra.

Não entra nos propósitos deste artigo explicar o modo de ação desse agente curativo, já descrito na teoria da mediunidade curadora. Basta ter demonstrado que o exame dos fatos leva a reconhecer a existência de um princípio novo, e que esse princípio, por mais estranho que sejam os seus efeitos, não sai do domínio das leis naturais.

Nos fatos concernentes ao Sr. Jacob, a bem dizer o Espiritismo não foi mencionado, ao passo que toda a atenção se concentrou no magnetismo. Isto tinha sua razão de ser e sua utilidade. Embora o concurso dos Espíritos desencarnados seja um fato constatado nesses tipos de fenômenos, aqui a sua ação não é evidente, razão por que dela fazemos abstração. Pouco importa que os fatos sejam explicados com ou sem a intervenção de Espíritos estranhos; o magnetismo e o Espiritismo se dão as mãos; são duas partes de um mesmo todo, dois ramos de uma mesma ciência, que se completam e se explicam um pelo outro. Dar crédito ao magnetismo é abrir caminho ao Espiritismo, e reciprocamente.

A crítica não poupou o Sr. Jacob. Como de hábito, e em falta de boas razões, ela lhe prodigalizou chacotas e injúrias grosseiras, com o que ele não se inquietou absolutamente. Desprezou umas e outras, e as pessoas sensatas ficaram gratas por sua moderação.

Alguns chegaram a solicitar o seu encarceramento como impostor abusando da credulidade pública; mas um impostor é quem promete e não cumpre. Ora, como o Sr. Jacob nunca prometeu coisa alguma, ninguém pode queixar-se de ter sido enganado. Que lhe podiam censurar? Onde a contravenção legal? Não exercia a Medicina, nem mesmo ostensivamente o magnetismo. Qual a lei que proíbe curar as pessoas olhando-as?

Denunciaram-no, porque a multidão de doentes que a ele acorria perturbava a circulação. Mas foi ele quem chamou a multidão? Convocou-a por anúncios? Qual o médico que protestaria se tivesse uma semelhante à sua porta? E se um deles tivesse essa boa sorte, mesmo à custa de anúncios caros, que diria se quisessem inquietá-lo pelo fato? Disseram que se mil e quinhentas pessoas por dia, durante um mês, totalizando quarenta e cinco mil doentes, tivessem sido curadas, não deveria mais haver coxos nem estropiados nas ruas de Paris. Seria supérfluo refutar esta singela objeção; apenas diremos que quanto mais cresce o número de doentes, curados ou não, que se acotovelam na Rua de la Roquette, mais se prova quão grande é o número daqueles que a Medicina não pode curar, pois é evidente que se esses doentes tivessem sido curados pelos médicos, não teriam vindo ao Sr. Jacob.

Como, a despeito das denegações, havia fatos patentes de curas extraordinárias, quiseram explicá-las dizendo que o Sr. Jacob agia, pela própria aspereza de suas palavras, sobre a imaginação dos doentes. Seja. Mas, então, se reconheceis à influência da imaginação um tal poder sobre as paralisias, as epilepsias, os membros anquilosados, por que não empregais esse meio, em vez de deixar que os inditosos enfermos sofram tanto, ou lhes dar drogas que sabeis inúteis?

Disseram que o Sr. Jacob não tinha o poder que se atribuía, e a prova é que se recusou a ir curar num hospital, sob as vistas de pessoas competentes para apreciar a realidade das curas.

Duas razões devem ter motivado a recusa. Primeiro, não se podia ocultar que a oferta que lhe faziam não era ditada pela simpatia, mas um desafio que lhe propunham. Se, numa sala de trinta doentes, ele só tivesse levantado ou aliviado três ou quatro, não teriam deixado de dizer que isto nada provava e que havia fracassado.

Em segundo lugar, é preciso levar em conta circunstâncias que podem favorecer ou paralisar sua ação fluídica. Quando está rodeado de doentes que lhe vêm voluntariamente, a confiança que trazem os predispõe. Não admitindo nenhum estranho atraído pela curiosidade, ele se acha num meio simpático, que também o predispõe; é dono de si; seu espírito se concentra livremente e sua ação tem toda a sua força. Numa sala de hospital, desconhecido dos doentes habituados aos cuidados de seus médicos, cuja fé em outra coisa que não fosse a sua medicação seria suspeita, sob os olhos inquisidores e zombeteiros de criaturas prevenidas, interessadas em o denegrir; que, em vez de o secundar pelo concurso de injeções benfazejas, temessem mais do que desejariam vê-lo triunfar – o sucesso de um zuavo ignorante seria um desmentido dado ao seu saber – é evidente que, sob o império dessas impressões e desses eflúvios antipáticos, sua faculdade se acharia neutralizada. O erro desses senhores, nisto como quando se tratou do sonambulismo, sempre foi acreditar que esses tipos de fenômenos seriam manobrados à vontade, como uma pilha elétrica.

As curas desse gênero são espontâneas, imprevistas e não podem ser premeditadas nem constituírem objeto de concurso. Acrescentemos a isto que o poder curador não é permanente; aquele que hoje o possui, pode vê-lo cessar no momento em que menos espera. Essas intermitências provam que depende de uma causa independente da vontade do curador e frustram os cálculos do charlatanismo.

 

Nota – O Sr. Jacob ainda não retomou o curso de suas curas. Ignoramos o motivo e parece que não há nada fixado quanto à época em que recomeçará, se é que isto vai acontecer. Esperando, informam-nos que a mediunidade curadora se propaga em diferentes localidades, com aptidões diversas.



[1] Revista Espírita – Novembro/1867 – Allan Kardec

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