Fernando Augusto de Lacerda e
Mello, melhor conhecido simplesmente como Fernando de Lacerda nasceu em 6 de
Agosto de 1865, em Loures – Portugal, foi um médium português.
Filho de Francisco Augusto de
Lacerda e Mello e de Maria de Gertrudes Rita, passou os primeiros de sua vida
em Loures. Aos 13 anos de idade seguiu para Lisboa, onde viveu até aos 18 anos,
em casa de um tio mais abastado, irmão de seu pai. Nesse período, declararia
mais tarde ter professado ideias republicanas, tendo se desiludido com as
intrigas da política e, até mesmo, perdido a fé religiosa materna.
De regresso à casa paterna
(1884), passou a auxiliar o pai, agora viúvo, na criação dos irmãos mais novos.
Nesse período, envolveu-se com o socorro aos aflitos, dedicou-se aos
analfabetos, ensinando-os a ler e a escrever, e preocupou-se com as questões
comunitárias. Desse modo, juntamente com alguns jovens de sua idade e outros
tantos adultos, fundou a Associação dos Bombeiros Voluntários de Loures,
de que foi escolhido como primeiro-comandante (29 de Junho de 1887). Foi também
nesta época, entre 1886 e 1887 que iniciou a sua colaboração na imprensa, e que
se manifestou a sua mediunidade no terreno da psicografia (1889). A faculdade
causou-lhe verdadeira surpresa, uma vez que o seu braço era tomado
involuntariamente por uma entidade que conhecera encarnada, e que escrevia com
a mesma caligrafia e assinatura que lhe conhecera em vida. O teor dessas
mensagens era sarcástico e injurioso contra o próprio médium, tendo o fenômeno
perdurado por largo tempo.
Mais tarde, em 1898 ingressou na
polícia administrativa do Governo Civil onde, gradualmente, ascendeu até chegar
ao cargo de subinspetor, tendo sempre se destacado por sua probidade e
competência. No ano seguinte (1899), herdou de um tio a Fábrica a Vapor de
Baguettes e Galerias, em Lisboa, cuja gestão também assumiu.
Passada a fase das manifestações
iniciais, a partir de outubro de 1906, Fernando de Lacerda começa a receber
diversas mensagens do plano espiritual, assinadas por escritores renomados e
personalidades do mundo social, já desencarnados.
Segundo descreveria mais tarde,
uma noite percebeu uma voz emanada de uma entidade invisível, informando que
desejava transmitir uma mensagem a uma personalidade conhecida no mundo das
letras. Obedecendo, o médium dirigiu-se a sua mesa de trabalho, tomou do lápis
e imediatamente recebeu comovedora mensagem de Camilo Castelo Branco ao seu
amigo encarnado, António José da Silva Pinto, vigoroso polemista e conhecido
escritor.
De modo geral, Fernando de
Lacerda sentia a aproximação do Espírito que desejava se comunicar, e,
normalmente, via-o em seguida. Também ouvia, com frequência, as palavras que
uma segunda personalidade queria lhe ditar. Enquanto o médium, em estado de
vigília, mantinha conversação com os encarnados presentes, o lápis que
empunhava rapidamente preenchia as laudas de papel. Nessas ocasiões
encontrava-se alheio ao teor das mensagens, desconhecendo muitas vezes o
significado de palavras e expressões, bem como fatos nelas referidos. Por
vezes, chegou a receber duas mensagens simultaneamente, com o uso das duas
mãos.
As comunicações recebidas em
reuniões mediúnicas, das quais participaram A. A. Martins Velho, Sousa Couto,
M. Lacombe e outros, eram encaminhadas aos jornais, logo sendo conhecidas e
comentadas num verdadeiro fenômeno na mídia portuguesa da época. As primeiras
mensagens, coligidas, foram publicadas em livro – “Do Paiz da Luz”, já em 1908,
cuja primeira edição logo se esgotaria, pela curiosidade em torno das palavras
de autores desencarnados, portugueses e estrangeiros, queridos e vivos na
memória popular: Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Fialho de Almeida,
Alexandre Herculano, Émile Zola, Napoleão Bonaparte, António Vieira, Júlio
Dinis, João de Deus ou Antero de Quental, entre muitos outros que figuram nos
quatro volumes da obra. Nesse mesmo ano, sai o segundo volume e é reeditado o
primeiro.
Fernando de Lacerda dividia o
tempo entre as suas funções na polícia, a educação de Laura, sua sobrinha, órfã
de mãe desde os 2 anos de idade, e Fernando, filho do gerente da fábrica,
também órfão de mãe, com a mesma idade de Laura, e o trabalho mediúnico.
Consumando-se o regicídio do rei
D. Carlos e do príncipe Luís Filipe (1908), intensificando-se as lutas em torno
das ideias republicanas, Portugal mergulha em profunda crise
político-institucional. Servidor público identificado com a monarquia, espírita
cristão declarado, defensor público do conceito de Deus, da alma e da vida após
a morte através das mensagens que psicografava de figuras desaparecidas e
respeitadas no mundo literário português, divulgadas pelos periódicos
portugueses, Fernando de Lacerda não ficara imune à queda da monarquia e
consequente implantação da República no país (1910).
Tendo a sua probidade
questionada, profissional e pessoalmente, através de intensa campanha que lhe
foi movida pelo advogado e jornalista Fernão Botto Machado, Fernando de Lacerda
pediu uma sindicância de seus próprios atos na função pública, provando-se
apenas que o subinspetor da Polícia era culpado de ser demasiado tolerante com
os seus subordinados.
No plano pessoal, tendo Fernando
de Lacerda aceitado patrocinar, no bairro da Graça, um clube recreativo,
voltado para o teatro amador, que chegou a frequentar esporadicamente, na
medida da disponibilidade de suas obrigações. Mais tarde, vindo a descobrir que
as dependências do mesmo eram utilizadas para a prática de jogos de azar, o que
era contrário à lei, à época, chamou a atenção dos dirigentes e se afastou da
agremiação.
Em Fevereiro de 1911, o
periódico “Vanguarda” estampou na primeira página um novo artigo sobre a
sindicância de Fernando de Lacerda à Polícia e, na última semana do mês,
informava aos leitores que, em uma operação policial contra o clube recreativo
ao qual ele havia pertencido, havia sido flagrada a prática de jogos de azar,
com a consequente detenção de jogadores e apreensão de mobiliário. A nota
informava que Fernando de Lacerda estava suspenso de suas funções, como
conivente com aquela prática ilegal.
Devido à repercussão do caso,
Fernando de Lacerda foi admoestado no sentido de que não poderia mais continuar
exercendo o seu cargo na polícia. Poucas semanas depois, informado por amigos
de que a sua demissão da função pública era iminente, preparou-se para embarcar
para o Brasil, entregando aos seus irmãos a direção da fábrica, cuja situação
financeira não era das melhores à época, bem como a educação das crianças,
então já com 12 anos, que até então educadas na sua residência, passaram a
estudar em escolas públicas.
Com um empréstimo que aceita do
médico da Polícia, seu amigo particular, adquiriu a passagem de navio.
Embarcou, em Lisboa, a 10 de Julho de 1911, com destino ao Rio de Janeiro, onde
aportou a 23 de Julho, sendo acolhido e albergado por outro amigo, o Dr.
Fernando de Moura, que o conhecera numa viagem realizada a Portugal alguns anos
antes, e por este apresentado, no mesmo dia, à Federação Espírita Brasileira,
onde imediatamente foi convidado a participar da sessão que ali se realizava.
De Portugal, pouco depois,
recebeu a notícia da sua demissão, confirmada por carta do Dr. António José de
Almeida, seu amigo, encontrada pelo seu afilhado, anos mais tarde, ao
arrumar-lhe os pertences pessoais.
Fernando de Lacerda alugou um
quarto num sobrado com quartos para solteiros e começou a busca por emprego.
Inicialmente dirigiu-se à Polícia do Rio de Janeiro, onde lhe foi oferecido o
mesmo cargo que desempenhara em Lisboa, com as mesmas regalias e melhor
vencimento, com a única condição de que teria que se naturalizar brasileiro,
uma vez que os cargos públicos não podiam ser exercidos por estrangeiros.
Fernando de Lacerda, cidadão e patriota português, mesmo diante do abandono a
que a sua própria pátria o votava naquele transe, agradeceu a generosa oferta
que, por essa razão, se sentia obrigado a recusar.
Sem função, veio a conhecer
privações, minoradas pelos esforços do Dr. Fernando de Moura, que com os seus
familiares muito o estimava. É ele quem, evitando que o médium português se
sentisse constrangido pela situação de dependência em que vivia neste exílio
autoimposto, colocou em prática um estratagema: faz a Fernando de Lacerda uma
venda fictícia de dois sobrados na antiga praia do Flamengo, então inscritos em
projeto de demolição pela municipalidade, passando o médium a viver dos magros
aluguéis dos seus apartamentos.
No Brasil, o médium continuou a
receber as comunicações dos amigos espirituais, entregando-as aos jornais
cariocas para publicação, enquanto prosseguia a sua tarefa mediúnica de
doutrinador dos espíritos em sofrimento.
Com a chegada ao Rio de Janeiro
do seu afilhado que, concluído o curso de Contabilidade, vinha trabalhar no
Banco Nacional Ultramarino (BNU), uma hérnia de que vinha sofrendo por anos,
rebentou, sendo o médium conduzido a um hospital para uma cirurgia de
emergência, à qual não resistiu, vindo a falecer de septicemia, por volta das
18 horas. O seu corpo foi sepultado no dia seguinte, no Cemitério São João
Batista, no bairro de Botafogo, vindo os seus restos a ser transladados, em
Setembro de 1939, para um jazigo que ele próprio mandara erguer, no Cemitério
do Alto de São João, em Lisboa, em última homenagem à sua mãe.
À época de sua desencarnação,
trabalhava na preparação do quarto volume de “Do Paiz da Luz”. Um amigo retomou
os originais deixados pelo médium, vindo a ser publicado o último volume da
série.
Fernando de Lacerda faleceu em 6
de agosto de 1918 na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.