segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

FERNANDO AUGUSTO DE LACERDA E MELLO[1]

 


Fernando Augusto de Lacerda e Mello, melhor conhecido simplesmente como Fernando de Lacerda nasceu em 6 de Agosto de 1865, em Loures – Portugal, foi um médium português.

Filho de Francisco Augusto de Lacerda e Mello e de Maria de Gertrudes Rita, passou os primeiros de sua vida em Loures. Aos 13 anos de idade seguiu para Lisboa, onde viveu até aos 18 anos, em casa de um tio mais abastado, irmão de seu pai. Nesse período, declararia mais tarde ter professado ideias republicanas, tendo se desiludido com as intrigas da política e, até mesmo, perdido a fé religiosa materna.

De regresso à casa paterna (1884), passou a auxiliar o pai, agora viúvo, na criação dos irmãos mais novos. Nesse período, envolveu-se com o socorro aos aflitos, dedicou-se aos analfabetos, ensinando-os a ler e a escrever, e preocupou-se com as questões comunitárias. Desse modo, juntamente com alguns jovens de sua idade e outros tantos adultos, fundou a Associação dos Bombeiros Voluntários de Loures, de que foi escolhido como primeiro-comandante (29 de Junho de 1887). Foi também nesta época, entre 1886 e 1887 que iniciou a sua colaboração na imprensa, e que se manifestou a sua mediunidade no terreno da psicografia (1889). A faculdade causou-lhe verdadeira surpresa, uma vez que o seu braço era tomado involuntariamente por uma entidade que conhecera encarnada, e que escrevia com a mesma caligrafia e assinatura que lhe conhecera em vida. O teor dessas mensagens era sarcástico e injurioso contra o próprio médium, tendo o fenômeno perdurado por largo tempo.

Mais tarde, em 1898 ingressou na polícia administrativa do Governo Civil onde, gradualmente, ascendeu até chegar ao cargo de subinspetor, tendo sempre se destacado por sua probidade e competência. No ano seguinte (1899), herdou de um tio a Fábrica a Vapor de Baguettes e Galerias, em Lisboa, cuja gestão também assumiu.

Passada a fase das manifestações iniciais, a partir de outubro de 1906, Fernando de Lacerda começa a receber diversas mensagens do plano espiritual, assinadas por escritores renomados e personalidades do mundo social, já desencarnados.

Segundo descreveria mais tarde, uma noite percebeu uma voz emanada de uma entidade invisível, informando que desejava transmitir uma mensagem a uma personalidade conhecida no mundo das letras. Obedecendo, o médium dirigiu-se a sua mesa de trabalho, tomou do lápis e imediatamente recebeu comovedora mensagem de Camilo Castelo Branco ao seu amigo encarnado, António José da Silva Pinto, vigoroso polemista e conhecido escritor.

De modo geral, Fernando de Lacerda sentia a aproximação do Espírito que desejava se comunicar, e, normalmente, via-o em seguida. Também ouvia, com frequência, as palavras que uma segunda personalidade queria lhe ditar. Enquanto o médium, em estado de vigília, mantinha conversação com os encarnados presentes, o lápis que empunhava rapidamente preenchia as laudas de papel. Nessas ocasiões encontrava-se alheio ao teor das mensagens, desconhecendo muitas vezes o significado de palavras e expressões, bem como fatos nelas referidos. Por vezes, chegou a receber duas mensagens simultaneamente, com o uso das duas mãos.

As comunicações recebidas em reuniões mediúnicas, das quais participaram A. A. Martins Velho, Sousa Couto, M. Lacombe e outros, eram encaminhadas aos jornais, logo sendo conhecidas e comentadas num verdadeiro fenômeno na mídia portuguesa da época. As primeiras mensagens, coligidas, foram publicadas em livro – “Do Paiz da Luz”, já em 1908, cuja primeira edição logo se esgotaria, pela curiosidade em torno das palavras de autores desencarnados, portugueses e estrangeiros, queridos e vivos na memória popular: Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Fialho de Almeida, Alexandre Herculano, Émile Zola, Napoleão Bonaparte, António Vieira, Júlio Dinis, João de Deus ou Antero de Quental, entre muitos outros que figuram nos quatro volumes da obra. Nesse mesmo ano, sai o segundo volume e é reeditado o primeiro.

Fernando de Lacerda dividia o tempo entre as suas funções na polícia, a educação de Laura, sua sobrinha, órfã de mãe desde os 2 anos de idade, e Fernando, filho do gerente da fábrica, também órfão de mãe, com a mesma idade de Laura, e o trabalho mediúnico.

Consumando-se o regicídio do rei D. Carlos e do príncipe Luís Filipe (1908), intensificando-se as lutas em torno das ideias republicanas, Portugal mergulha em profunda crise político-institucional. Servidor público identificado com a monarquia, espírita cristão declarado, defensor público do conceito de Deus, da alma e da vida após a morte através das mensagens que psicografava de figuras desaparecidas e respeitadas no mundo literário português, divulgadas pelos periódicos portugueses, Fernando de Lacerda não ficara imune à queda da monarquia e consequente implantação da República no país (1910).

Tendo a sua probidade questionada, profissional e pessoalmente, através de intensa campanha que lhe foi movida pelo advogado e jornalista Fernão Botto Machado, Fernando de Lacerda pediu uma sindicância de seus próprios atos na função pública, provando-se apenas que o subinspetor da Polícia era culpado de ser demasiado tolerante com os seus subordinados.

No plano pessoal, tendo Fernando de Lacerda aceitado patrocinar, no bairro da Graça, um clube recreativo, voltado para o teatro amador, que chegou a frequentar esporadicamente, na medida da disponibilidade de suas obrigações. Mais tarde, vindo a descobrir que as dependências do mesmo eram utilizadas para a prática de jogos de azar, o que era contrário à lei, à época, chamou a atenção dos dirigentes e se afastou da agremiação.

Em Fevereiro de 1911, o periódico “Vanguarda” estampou na primeira página um novo artigo sobre a sindicância de Fernando de Lacerda à Polícia e, na última semana do mês, informava aos leitores que, em uma operação policial contra o clube recreativo ao qual ele havia pertencido, havia sido flagrada a prática de jogos de azar, com a consequente detenção de jogadores e apreensão de mobiliário. A nota informava que Fernando de Lacerda estava suspenso de suas funções, como conivente com aquela prática ilegal.

Devido à repercussão do caso, Fernando de Lacerda foi admoestado no sentido de que não poderia mais continuar exercendo o seu cargo na polícia. Poucas semanas depois, informado por amigos de que a sua demissão da função pública era iminente, preparou-se para embarcar para o Brasil, entregando aos seus irmãos a direção da fábrica, cuja situação financeira não era das melhores à época, bem como a educação das crianças, então já com 12 anos, que até então educadas na sua residência, passaram a estudar em escolas públicas.

Com um empréstimo que aceita do médico da Polícia, seu amigo particular, adquiriu a passagem de navio. Embarcou, em Lisboa, a 10 de Julho de 1911, com destino ao Rio de Janeiro, onde aportou a 23 de Julho, sendo acolhido e albergado por outro amigo, o Dr. Fernando de Moura, que o conhecera numa viagem realizada a Portugal alguns anos antes, e por este apresentado, no mesmo dia, à Federação Espírita Brasileira, onde imediatamente foi convidado a participar da sessão que ali se realizava.

De Portugal, pouco depois, recebeu a notícia da sua demissão, confirmada por carta do Dr. António José de Almeida, seu amigo, encontrada pelo seu afilhado, anos mais tarde, ao arrumar-lhe os pertences pessoais.

Fernando de Lacerda alugou um quarto num sobrado com quartos para solteiros e começou a busca por emprego. Inicialmente dirigiu-se à Polícia do Rio de Janeiro, onde lhe foi oferecido o mesmo cargo que desempenhara em Lisboa, com as mesmas regalias e melhor vencimento, com a única condição de que teria que se naturalizar brasileiro, uma vez que os cargos públicos não podiam ser exercidos por estrangeiros. Fernando de Lacerda, cidadão e patriota português, mesmo diante do abandono a que a sua própria pátria o votava naquele transe, agradeceu a generosa oferta que, por essa razão, se sentia obrigado a recusar.

Sem função, veio a conhecer privações, minoradas pelos esforços do Dr. Fernando de Moura, que com os seus familiares muito o estimava. É ele quem, evitando que o médium português se sentisse constrangido pela situação de dependência em que vivia neste exílio autoimposto, colocou em prática um estratagema: faz a Fernando de Lacerda uma venda fictícia de dois sobrados na antiga praia do Flamengo, então inscritos em projeto de demolição pela municipalidade, passando o médium a viver dos magros aluguéis dos seus apartamentos.

No Brasil, o médium continuou a receber as comunicações dos amigos espirituais, entregando-as aos jornais cariocas para publicação, enquanto prosseguia a sua tarefa mediúnica de doutrinador dos espíritos em sofrimento.

Com a chegada ao Rio de Janeiro do seu afilhado que, concluído o curso de Contabilidade, vinha trabalhar no Banco Nacional Ultramarino (BNU), uma hérnia de que vinha sofrendo por anos, rebentou, sendo o médium conduzido a um hospital para uma cirurgia de emergência, à qual não resistiu, vindo a falecer de septicemia, por volta das 18 horas. O seu corpo foi sepultado no dia seguinte, no Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, vindo os seus restos a ser transladados, em Setembro de 1939, para um jazigo que ele próprio mandara erguer, no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, em última homenagem à sua mãe.

À época de sua desencarnação, trabalhava na preparação do quarto volume de “Do Paiz da Luz”. Um amigo retomou os originais deixados pelo médium, vindo a ser publicado o último volume da série.

Fernando de Lacerda faleceu em 6 de agosto de 1918 na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

OLHO GORDO OU GRANDE[1]

 

Nilton Moreira

 

Existem vários dardos magnéticos que nos atinge e quase sempre não sabemos de onde se originam. Tais dardos que são invisíveis a quem não é dotado da mediunidade vidência são de consistência fluídica, por isso não enxergamos, mas são bem comuns de sentirmos. A maioria das pessoas não acredita e outros não sabem lidar com isso.

Nosso pensamento é dotado de energia, aliás é uma energia muito sutil que é exteriorizada de nossa mente. Tem pessoas inclusive que tem capacidade de mover objetos e até arremessá-los. Outros conseguem produzir ruídos, assustar animais e tantas outras particularidades.

Mas denominamos de dardos fazendo uma analogia, pois fica melhor de entender a projeção, e pertencem a categoria chamada “olho gordo, olho grande”.

É normal estarmos bem de saúde e de um momento para outro começarmos a nos sentir fracos, dores no corpo, sonolência e até adormecermos por vontade própria ou sermos acometidos de desmaio. Nosso organismo vai agir de acordo com a capacidade de absorver a investida. Se estamos fortalecidos espiritualmente neutralizamos o impacto, mas se estamos sem as defesas recebemos o dardo na dosagem total.

O dardo é produzido pelo pensamento de alguém que está saturado de energia negativa e quer que o outro tenha algum tipo de prejuízo, ensejando algum não só mal estar, moléstia, podendo atuar em nosso comportamento.

Muitas vezes nos encontramos com determinada pessoa e ao iniciarmos um diálogo não nos sentimos bem e após a conversação ficamos esgotados, com dores de cabeça, sonolência e em algumas situações podemos sentir até náuseas. Fomos atingidos por dardo!

Mas como nos defendermos desses tais dardos invisíveis a olho nu? Bom, se soubermos que vamos ter contato com pessoa de má índole, dissimulada, cínica, invejosa, falsa, é bom que antes façamos uma elevação de pensamento, uma breve prece, pedindo a proteção Divina através de nosso Mentor Espiritual. Mas se não temos conhecimento de que outrem é maldosa não temos muito a fazer, a não ser ficar com o “pé atrás” como se diz. De qualquer maneira o pensamento elevado o maior tempo possível já é uma defesa de qualidade, pois se estivermos bem poderemos evitar de sermos penetrados pelo magnetismo, já que não temos o poder de evitar quem seja de ruim índole nos lançar energias viciadas.

Lembremos: o olho gordo ou grande causa em nós atitudes que podem nos confundir a mente ensejando acidentes.

Estejamos atentos e distante destas pessoas.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

PRAZERES DA CARNE x APRIMORAMENTO ESPIRITUAL[1]

 


Cecília Alves

 

A Bíblia nos ensina em Gálatas capítulo 5 versículo 16[2]:

Digo, pois: deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfareis os apetites da carne.

No excerto acima nos é recomendado que procuremos satisfazer as inclinações do espírito em detrimento aos prazeres ou satisfações da matéria, ali colocado sob a figura alegórica “carne”, em outras palavras poderíamos afirmar que está sendo recomendado ao homem que busque a evolução espiritual, parece contraditório “esquecer” a existência do que nos é material, visto que estamos encarnados, mas será que era exatamente isso que o texto bíblico nos ensinava?

Observemos o que o Codificador nos traz através de O Livro dos Espíritos[3], questão 93:

O Espírito, propriamente dito, nenhuma cobertura tem ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa substância qualquer?

Envolve-o uma substância, vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira.

Envolvendo o germe de um fruto, há o perisperma; do mesmo modo, uma substância que, por comparação, se pode chamar perispírito, serve de envoltório ao Espírito propriamente dito.

Compreende-se do exposto que o espírito possui um envoltório relativamente grosseiro, ao qual denominamos de perispírito, este se faz um elo entre o nosso espírito (natureza espiritual) e corpo físico (natureza material), se fazendo indispensável na condição atual do homem para sua atuação.

Observamos ainda que apesar de sua identidade espiritual, visto que é sua essência, o homem possui ainda uma outra natureza quando encarnado, esta a natureza física ou material e dela sofre influências, como não poderia deixar de ser, visto que é encarnado.

Deste modo somos seres espirituais vivenciando uma experiência material (carnal) para melhor cumprirmos as nossas atividades e experiências evolutivas.

A respeito das experiências evolutivas do homem e do seu aperfeiçoamento vejamos o que nos traz A Gênese[4] em seu capítulo XVIII:

Fisicamente, o globo terráqueo há experimentado transformações que a Ciência tem comprovado e que o tornaram sucessivamente habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados. Moralmente, a humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que o melhoramento do globo se opera sob a ação das forças materiais, os homens para isso concorrem pelos esforços de sua inteligência.

Do exposto observamos que a humanidade progride moral e intelectualmente e quanto maior o seu progresso, progride também o orbe no qual ela habita. Chamamos atenção ainda ao que o excerto acima chama de abrandamento dos costumes, em nosso entendimento o referido abrandamento concerne as atitudes humanas e aos costumes sociais que aos poucos se tornarão mais evoluídos e espiritualizados.

A criatura humana é destinada a evolução, posto que como nos ensina O Livro dos Espíritos, esta é uma Lei Natural. Deste modo, podemos compreender que o homem sob a influência material, ainda que seja um ser espiritual, está sujeito aos desejos e apelos materiais, e quanto mais evoluído menos deles terá necessidades, visto que em processo de depuração moral.

Deste modo, compreendemos que ao homem não é obstado usufruir da matéria e dos gozos que lhe poderá proporcionar, até por que precisamos dela para nos manter enquanto encarnados, afinal todos vestimos, nos alimentamos e mantemos nossa vida de encarnados através de atividades materiais, pois é nesse plano que vivemos e são as necessidades que dele urgem. Entretanto, os excessos de toda ordem apesar de permitidos ante o nosso livre arbítrio, não nos são lícitos, posto que são a negação da nossa essência espiritual. Assim, se somos criaturas voltadas unicamente aos prazeres e satisfações da matéria estamos a negar a nossa essência espiritual.

Assim não é proibido ao homem, por exemplo, usufruir de atividades como festas, aniversários ou carnaval, por exemplo, os equívocos se encontram no excesso, bem como nas intenções das quais o homem pode estar nutrido e o carnaval é um exemplo disto, conhecido popular e mundialmente como uma festa da carne, ou seja, para satisfação dos sentidos.

O quanto ainda precisamos dele? Ou o quanto os seus moldes ainda nos satisfazem? É uma indagação que deixamos a ser respondida por cada leitor a si mesmo.

Lembramos que o espiritismo de nada nos tolhe, mas nos convida a reflexão e ao exercício do livre arbítrio.

 

Fonte: Blog Letra Espírita



[2] Bíblia Online: https://www.bibliaonline.com.br/acf

[3] Kardec, Allan: O Livro dos Espíritos, 24ª reimp. Fev 2019 – Capivari, SP, Editora EME

[4] Kardec, Allan: A Gênese, 53ª ed.– 8ª imp. – Brasília: FEB, 2019.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

VIRTUDES[1]

 

Miramez

 

Qual a mais meritória de todas as virtudes?

− Todas as virtudes têm o seu mérito, porque todas são indícios de progresso no caminho do bem. Há virtude sempre que há resistência voluntária ao arrastamento das tendências; mas a sublimidade da virtude consiste no sacrifício do interesse pessoal para o bem do próximo, sem segunda intenção. A mais meritória é aquele que se baseia na caridade mais desinteressada.

Questão 893/O Livro dos Espíritos

                               

Quando o Espírito passa a conhecer o mundo das virtudes, ele começa a acordar para a vida espiritual, e as virtudes devem ocupar o lugar dos vícios e hábitos inconvenientes para a paz espiritual.

Mesmo no estágio em que se encontra a humanidade, de maior interesse para as paixões inferiores, é de sentimento comum das criaturas defender e gostar da pessoa virtuosa, e com o espaço de tempo para estudar, pregar e, por fim, passar à prática dessas qualidades nobres ensinadas por Jesus e descritas no evangelho da sua vida.

Virtude sem Jesus não tem conotação, e a que o amor domina faz caridade entre os homens. O Cristo é o sol onde a humanidade aquece e vive a presença de Deus. Jesus foi, é e será sempre, a fonte, depois de Deus, para nós outros, onde deveremos buscar os exemplos das mais expressivas virtudes que com o amor se entrelaçam, na computação da verdade.

As virtudes são variadas; cada uma tem seu mérito próprio, é certo, no entanto, elas nascem da maior de todas, envolvida no sopro de Deus, que é o Amor. Ele se divide em mil ações comandadas pelas suas sensibilidades espirituais e fala da vida e da esperança em todos os seus contornos de vida.

Os vícios, que deverão ser afastados, esquecidos da vida diária, sendo que se encontram arraigados no ser, não podem ser extirpados de uma vez pelos processos da violência, entretanto, deixarão de existir, se persistirmos no trabalho das mudanças, apagando o que não deve ser, para acender a realidade pelo comando do amor.

Todas as virtudes são elevadas, quando a alma as compreende. A sua vivência, sacrificando ou fazendo desaparecer os contrários do amor, é o homem velho cedendo lugar ao novo homem, na sua transformação moral para entender melhor o chamado de Jesus. Pelo verbo da Divindade, conquistamos a nós mesmos.

A sublimidade da virtude está no sacrifício pessoal, se isso é sacrifício; para nós, sacrificar o mal é glória que a alma recebe por misericórdia, porque dessa decisão nasce no coração mais vida para Deus. Ele fica mais presente na vida de quem busca essa senda de luz, passando a viver o amor. As portas da espiritualidade superior se abrem e o candidato começa a vencer a si mesmo, vencendo o mundo e ganhando a paz espiritual.

Ouvir a respeito de Jesus nos dá esperança e abre perspectivas novas para o nosso futuro, porque por intermédio dele as nossas doenças e todos os tipos de desequilíbrios cessam. Ele nunca deixa de nos acompanhar, nos ajudando a carregar a nossa cruz, de problemas inúmeros.

Vamos escutar Lucas no capítulo cinco, versículo quinze, nos dizendo:

Porém, o que se dizia a seu respeito cada vez mais se divulgava, e grandes multidões afluíam para ouvi-lo e serem curadas de suas enfermidades.

E o Mestre não só curava as chagas do corpo, como, igualmente, as do Espírito. A virtude mais elevada para quem a pratica, é aquela que se assenta na mais pura caridade, contudo, todas elas pendem para a benevolência. Porém, algumas pessoas se interessam mais por uma do que por outra. No final, na pureza de sentimentos, todas elas se transformaram em amor e o sol de Deus brilha em todas.

Compreende teu dever, em busca desses dons, que a vida em todos os seus aspectos tornar-se-á flores de claridades eternas em todas as tuas existências. Jesus passará a andar contigo visivelmente em todos os teus caminhos, ajudando-te a ser melhor e a descobrir Deus na consciência.



[1] Filosofia Espírita – Volume 18 – João Nunes Maia

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

DMILS EM PESQUISA DE CURA À DISTÂNCIA[1]

 

Marilyn Schlitz

 

Desde a década de 1980, parapsicólogos experimentais estudaram interações mentais distantes com sistemas vivos (DMILS), tanto humanos quanto pequenos animais. Este artigo analisa os usos do método na pesquisa de cura à distância.

 

Intenção de Cura à Distância

Durante séculos, as pessoas enviaram intenções de cura umas às outras na forma de bons votos, meditação e oração, independentemente da distância. É comum em todos os lugares dar uma bênção de boa saúde quando alguém espirra. Esta é uma forma de intenção de cura, o ato de manter um desejo benevolente de outro ser humano para alcançar a saúde ou melhorar a vida.

Acredita-se que a distância não tenha efeito no uso de terapias de Intenção de Cura à Distância (DHI), que incluem práticas de cura usadas em antigas tradições espirituais. O DHI pode ser definido como 'a capacidade de manter uma intenção compassiva por outro à distância'. A partir desta perspectiva, a cura à distância pode ser entendida como uma 'prática integral' que reúne as capacidades de um curador para manter a intenção, atenção e compaixão de forma a aumentar os efeitos de cura.

Os nomes pelos quais os métodos DHI são usados ​​em todo o mundo incluem oração intercessória, cura espiritual, cura da aura, cura energética, psicologia energética, cura xamânica, cura não local, toque terapêutico (TT), toque quântico, Qigong, cura reconectiva, Johrei e Reiki.

A distância entre o curador e o paciente não é vista como um fator limitante pelos praticantes. O DHI tem um aspecto 'não local' que desafia as suposições físicas clássicas e é responsável por seu status controverso de cura, mesmo entre terapias alternativas de biocampo. 

O DHI difere de outras modalidades alternativas de cura por sustentar que a intenção mental por si só pode afetar os sistemas vivos à distância, sem restrições de espaço e tempo. São amplamente práticas, independentemente das suposições subjacentes. Uma pesquisa de 1996 descobriu que 82% dos americanos acreditavam nos poderes de cura da oração. Uma pesquisa de 2002 com adultos americanos pelo Centro Nacional de Ciências da Saúde (uma divisão dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças) mostrou que, das cinco principais práticas de cura complementares e alternativas mais populares, três envolviam oração. A mais popular era a oração por si mesmo, enquanto a segunda mais popular era a oração por outra pessoa, outra forma de DHI.

A partir da década de 1950, os pesquisadores começaram a estudar como entender e relatar a hipótese de cura do DHI, testando e medindo por um sistema que descartava sugestões e autorregulações como contra-explicações. Técnicas foram desenvolvidas para medir possíveis efeitos de intencionalidade distantes sobre sistemas vivos. Os melhores experimentos se beneficiaram de projetos cuidadosos e controlados que foram capazes de descartar fontes convencionais de efeito aparente, incluindo manipulações físicas, sugestões e expectativas.

Os estudos do DHI fizeram perguntas como quanta cura à distância é necessária, com que frequência e por quanto tempo, para que um destinatário experimente um efeito de cura. Os estudos podem ser agrupados em três categorias: estudos de prova de princípio com humanos; formas de vida simples e estudos de animais; e eficácia clínica em estudos humanos. 

 

Interações Mentais Distantes com Sistemas Vivos (DMILS)

Estudos que examinam interações mentais distantes com sistemas vivos (DMILS) têm sido mais intimamente relacionados aos fenômenos DHI. Seus procedimentos de teste investigam a maneira como os indivíduos podem interagir com um sistema alvo biológico, que pode ser as respostas fisiológicas de outra pessoa ou o comportamento de pequenos animais ou peixes. Esses protocolos foram desenvolvidos por Braud e Schlitz em meados da década de 1980. Três variantes do protocolo experimental DMILS foram conduzidas, investigando a influência de:

§  A intenção de A sobre o estado fisiológico de B (intenção remota)

§  A atenção de A no estado fisiológico de B enquanto A olha para B através de um link de vídeo unidirecional ( olhar remoto )

§  A intenção de A sobre a atenção ou comportamento de B (ajuda remota)

Muitas variáveis ​​fisiológicas foram analisadas, incluindo atividade eletrodérmica, frequência cardíaca, pulso de volume sanguíneo, atividade eletrocortical (via EEG) e oxigenação do sangue cerebral (via fMRI). Estudos também foram realizados usando espectroscopia funcional no infravermelho próximo (fNIRS) e eletrogastrograma (EGG). A abordagem foi descrita da seguinte forma:

Um protocolo típico nesses estudos envolve períodos em que A dirige a intenção ou atenção para B por 30 segundos, seguido por A relaxando por 30 segundos, e então esse ciclo é repetido de forma randomizada e contrabalançada por 20 minutos. Enquanto isso, B é estritamente isolado de A e solicitado a simplesmente manter uma atitude aberta e relaxada. Em estudos de ajuda remota, B pode ser solicitado a olhar para uma vela e quando B percebe que sua mente está divagando, ele ou ela é solicitado a pressionar um botão[2].

 

Formas de Vida Simples e Animais

Estudos de sistemas vivos simples foram conduzidos principalmente usando o protocolo de 'intenção'. A intenção pode ser definida como um estado mental direcionado para alcançar um objetivo. Os estudos de pesquisa foram conduzidos sob condições aleatórias e cegas, incluindo enzimas, fungos, leveduras, bactérias, células cancerígenas, glóbulos vermelhos, fibroblastos, células de tendão (tenócitos) e células ósseas (osteoblastos).

Radin e seus colegas exploraram os efeitos da intenção de cura e do condicionamento espacial intencional no crescimento de células cerebrais humanas cultivadas e na distribuição de eventos verdadeiramente aleatórios em um estudo controlado e aleatório[3].    Seus resultados mostraram que a intenção de cura, aplicada repetidamente em um determinado local, pode alterar ou condicionar esse local de modo a aumentar o crescimento de culturas de células tratadas em comparação com controles não tratados.

Modelos de doenças animais também têm sido usados ​​para aprofundar os efeitos do DHI. Esses experimentos incluíram testes para amiloidose em hamsters, malária murina e bócio induzido experimentalmente e feridas cirúrgicas em camundongos. Em 1971, Watkins e Watkins relataram recuperação mais rápida da anestesia em animais que receberam DHI[4].  Alguns estudos analisaram as habilidades de cura de ratos injetados com células tumorais de ascite e descobriram repetidamente que as taxas de sobrevivência aumentadas eram experiências com os ratos que receberam DHI.

 

Eficácia Clínica em Humanos

Investigações laboratoriais e ensaios clínicos testando a eficácia do DHI têm sido realizados desde meados da década de 1990, e revisões sistemáticas e meta-analíticas foram publicadas. Uma revisão sistemática conduzida por Crawford et al em 2003[5], comparou os métodos DHI com as intervenções práticas de cura, examinando 90 ensaios clínicos randomizados controlados (ECRs) laboratoriais e clínicos. A revisão mostrou que os estudos DHI tiveram uma validade interna maior (75%) do que a cura prática (65%). No entanto, muitas falhas metodológicas foram identificadas e foi determinado que nenhuma conclusão firme poderia ser feita. 

A Colaboração Cochrane (agora Cochrane) relatou em 2008 e 2009 duas outras revisões sistemáticas que examinaram TT sem contato, toque de cura e Reiki e oração intercessória. O estudo do Reiki mostrou uma diminuição significativa na intensidade média da dor em 1.153 participantes. Em contraste, a revisão da oração intercessória não demonstrou eficácia terapêutica. Os desenhos dos estudos clínicos do DHI foram heterogêneos, e foram descobertos fatores desconhecidos e incontroláveis ​​que poderiam ter levado a resultados irreprodutíveis. A evidência é clara de que muitos dos estudos que foram conduzidos não foram rigidamente controlados, deixando espaço para especulações e uma distância maior entre a ciência clássica e o DHI. Até agora, resultados confiáveis ​​não foram mostrados.

Radin, Schlitz e Baur ressaltam a necessidade de avaliar a atual estrutura de pesquisa nesta área, perguntando se os atuais protocolos DHI são compatíveis com o que se sabe sobre o fenômeno DHI. Dito de outra forma, “é desaconselhável usar uma marreta para estudar a estrutura da superfície de uma bolha de sabão”[6].  Se os métodos existentes forem considerados inadequados para medir, examinar e interpretar o DHI, novos protocolos precisam ser desenvolvidos.

Apesar da modesta prova científica de sua eficácia clínica e da falta de explicações teóricas, muitas pessoas usam regularmente algum tipo de DHI como oração na esperança de ajudar a curar amigos e entes queridos. Mais pesquisas são necessárias para entender melhor essas experiências.

 

Literatura

§  Barry, J. (1968). General and comparative study of the psychokinetic effect on a fungus culture. Journal of Parapsychology, 37: 123-134.

§  Bengston,W.E. & Krinsley D. (2000). The effect of the ‘laying on of hands’ on transplanted breast cancer in mice. Journal of Scientific Exploration, 14(3), 353-64.

§  Braud, W. & M. Schlitz (1989). A methodology for the objective study of transpersonal imagery. Journal of Scientific Exploration, 3 (1), 43-63.

§  Bunnell, T. (1999). The effect of ‘healing with intent’ on pepsin enzyme activity. Journal of Scientific Exploration, 13(2), 139-48.

§  Delanoy, D. (1993). Experimental Evidence Suggestive of Anomalous Consciousness Interactions. 2nd Gauss Symposium, Munch, August. Retrieved from  http://www.tcm.phy.cam.ac.uk/~bdj10/psi/delanoy/node5.html

§  Frequently asked questions about Distant Healings (2017). Accessed from http://www.noetic.org/research/projects/compassionate-intention-prayer-and-distant-healing/faq

§  Grad, B. (1965). A telekinetic effect on yeast activity. Journal of Parapsychology, 29, 285-6.

§  Gronowicz, G.A., Jhaveri, A., Clarke, L.W, Aronow, M.S., Smith, T.H. (2008). Therapeutic touch stimulates the proliferation of human cells in culture. Journal of Alternative and Complementary Medicine, 14(3), 233-9.

§  Nash, C.B. (1982). Psychokinetic control of bacterial growth. Journal of the Society for Psychical Research, 51, 217-221.

§  Radin, D., Schlitz, M., & Baur, C. (2015). Distant Healing Intention therapies: An overview of the scientific evidence. Global Advances in Health and Medicine, 4(suppl), 67-71.

§  Radin, D., Taft, R. B. S., and Yount, G. (2004). Effects of Healing Intention on Cultured Cells and Truly Random Events. Journal of Alternative and Complementary Medicine, 10(1),103-12.

§  Schlitz, M. J. & Braud, W.G. (1997). Distant Intentionality and Healing: Assessing the Evidence. Alternative Therapies in Health and Medicine, 3(6), 62-73.

§  Schlitz, M., Radin D.I., Malle, B.F., Schmidt, S., Utts J. & Yount, G.L. (2003). Distant healing intention: Definitions and evolving guidelines for laboratory studies. Alternative Therapies in Health and Medicine, 9 (3), A31-A43.

§  Wallis, C. (1996) Faith and Healing. Time. June 24, 58-64.

§  Watkins G.K. and Watkins A.M. (1971). Possible PK influence on the resuscitation of anesthetized mice. Journal of Parapsychology, 35(4), 257-72.



[1] Ver em https://www.spr.ac.uk/ - Publicações / Gravações / Webevents – Psy Encyclopedia.

[2] Radin, Schlitz & Baur, 2015, p. 68.

[3] Radin, Taft e Yount, 2004.

[4] Watkins e Watkins, 1971.

[5] Crawford et al, 2003.

[6] Radin, Schlitz & Baur, 2015, p.70.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

O ALCAIDE HASSAN, CURADOR TRIPOLITANO OU A BÊNÇÃO DO SANGUE[1]

 

Allan Kardec

 

O fato seguinte, publicado no Tour du monde, páginas 74 e seguintes, é tirado dos Promenades dans la Tripolitaine, pelo Sr. barão de Krafft.

Muitas vezes tenho como guia e companheiro de passeio em minhas excursões fora da cidade, o cavas-bachi (chefe dos janízaros) do consulado da França, que o cônsul geral teve a gentileza de pôr à minha disposição. É um magnífico negro de Ouadaï, de seis pés de altura e que, a despeito de sua barba grisalha, conservou toda a atividade e toda a energia da mocidade. O alcaide Hassan não é um homem comum: ao tempo dos Caramanlys, governou a tribo dos Ouerchéfâna durante dezoito anos, e ninguém melhor que ele soube manter nas rédeas esta horda turbulenta. Valente até a temeridade, sempre defendeu os interesses de seus administrados contra as tribos vizinhas e, se necessário, contra o próprio governo; mas, ao mesmo tempo, os seus não mais podiam entregar-se aos seus caprichos e não brincavam com a severidade do alcaide Hassan. Para ele, a vida de um homem era apenas mais preciosa que a de um carneiro, e certamente ficaria muito embaraçado se lhe perguntassem o número exato de cabeças que ele tinha feito cair com sua mão, tanto a sua consciência está tranquila a esse respeito. Excelente homem, aliás, inteiramente devotado ao consulado, ao qual serve há dez anos.

Numa de nossas primeiras saídas, vi um grupo de cinco ou seis mulheres aproximarem-se dele com ar súplice. Duas delas tinham nos braços pobres criancinhas de peito, cujos rostos, cabeças e pescoços estavam cobertos por uma placa dartrosa[2] de crostas purulentas. Era horrível e desagradável à vista.

– Nosso pai, disseram as mães desoladas ao alcaide Hassan, é o profeta de Deus que te trás perto de nossa casa, porque queríamos ir à cidade para te encontrar e há bem dez dias que esperávamos a ocasião. O djardoun (pequeno lagarto branco muito inofensivo) passou sobre o nosso seio e envenenou o nosso leite; vê o estado de teus filhos e cura-os para que Deus te abençoe.

– Então és médico? perguntei ao meu companheiro.

– Não, respondeu ele, mas tenho a bênção do sangue nas mãos, e quem quer que a tenha, como eu, pode curar esta doença. É um dom natural de todo homem cujo braço cortou algumas cabeças.

– Vamos, mulheres, dai o que é preciso.

E logo uma das mães apresenta ao doutor uma galinha branca, sete ovos e três moedas de vinte paras; depois se agacha aos seus pés, erguendo o pequeno paciente acima de sua cabeça. Hassan tira solenemente da cintura seu isqueiro e sua pedra de fogo, como se quisesse acender o cachimbo. Bismillah! (em nome de Deus!) diz ele e se põe a fazer saltar do sílex numerosas fagulhas sobre a criança doente, enquanto recitava o sourat-el-fatéha, o primeiro capítulo do Alcorão.

Terminada a operação, chegou a vez da outra criança, mediante a mesma oferenda; contentes, e depois de terem beijado respeitosamente a mão que acabava de restituir a saúde aos seus filhos, as mulheres partiram.

Parece que o meu rosto denunciava a minha incredulidade, porque o alcaide Hassan, reunindo os honorários de sua cura maravilhosa, gritou às clientes: “Não deixeis de vir em sete dias me apresentar vossos filhos na skifa do consulado.” (A skifa é o vestíbulo externo, a sala de espera nas grandes casas).

Com efeito, uma semana mais tarde, os pequeninos me foram mostrados; um estava completamente curado, o outro tinha apenas algumas cicatrizes de aparência muito satisfatória, indicando uma cura muito próxima. Fiquei estupefato, mas não convencido. Contudo, mais de vinte experiências semelhantes depois me forçaram a crer na incrível virtude das mãos abençoadas pelo sangue.

 

Há criaturas que nem os fatos mais patentes podem convencer; todavia, é preciso convir que, neste caso, é permitido logicamente não acreditar na eficácia da bênção do sangue, obtida sobretudo em tais condições, nem na das faíscas do isqueiro.

Entretanto, não deixa de existir o fato material da cura; se não tem esta causa, deve ter outra. Se vinte experiências semelhantes, do conhecimento do narrador, vieram confirmá-lo, essa causa não pode ser fortuita e deve provir de uma lei. Ora, esta lei não é senão a faculdade curadora de que aquele homem é dotado. Na sua ignorância do princípio, ele atribuía a faculdade ao que chamava a bênção do sangue, crença em relação com os costumes do país, onde a vida de um homem nada vale. O isqueiro e as outras fórmulas são acessórios que só têm valor na sua imaginação e que servem, sem dúvida, pela importância a elas ligadas, para lhe dar mais confiança em si mesmo e, conseguintemente, para aumentar o seu poder fluídico.

Este fato levanta naturalmente uma questão de princípio, relativa ao dom da faculdade de curar, à qual responde a comunicação seguinte, dada a respeito.

 

(Sociedade de Paris, 23 de fevereiro de 1867 – Médium: Sr. Desliens)

 

Por vezes as pessoas se admiram, com aparente razão, quando encontram em indivíduos indignos, faculdades notavelmente desenvolvidas, e que deveriam ser, de preferência, atributo de homens virtuosos e isentos de preconceitos; e, contudo, a história dos séculos passados apresenta, quase que a cada página, exemplos de mediunidades notáveis, possuídas por Espíritos inferiores e impuros, por fanáticos sem raciocínio! Qual pode ser o motivo de tal anomalia?

Entretanto, aí nada há que possa causar admiração; um estudo um pouco sério e refletido do problema dará a sua chave.

Quando fenômenos extraordinários, pertencentes à ordem extracorporal, são produzidos, realmente o que acontece?

– É que individualidades encarnadas servem de órgãos de transmissão à manifestação. Elas são instrumentos movidos por uma vontade exterior. Ora, demandariam a um simples instrumento o que se exigiria do artista que o faz vibrar?... Se é evidente que um bom piano é preferível a um defeituoso, não é menos certo que, num como no outro, se distinguirá o toque do artista do de um principiante.

– Se, pois, o Espírito que intervém na cura encontra um bom instrumento, dele se servirá de bom grado; senão empregará o que lhe oferecerem, por mais defeituoso que seja.

Também é preciso considerar, no exercício da faculdade mediúnica, e em particular no exercício da mediunidade curadora, que podem apresentar-se dois casos bem distintos: ou o médium pode ser curador por sua própria iniciativa, ou não passa de um agente, mais ou menos passivo, de um motor excepcional.

No primeiro caso, só poderá agir se suas virtudes e sua força moral lhe permitirem. Será um exemplo na sua conduta, privada ou pública, um modelo, um missionário vindo para servir de guia ou de sinal de ligação aos homens de boa vontade! O Cristo é a personificação suprema do curador.

Quanto àquele que é apenas um médium, sendo instrumento, pode ser mais ou menos defeituoso, e os atos que se operam por seu intermédio de modo algum o impedem de ser imperfeito, egoísta, orgulhoso ou fanático. Membro da grande família humana, da mesma maneira que a generalidade, participa de todas as suas fraquezas.

Lembrai-vos destas palavras de Jesus: “Não são os que gozam de saúde que precisam de médico”. Há que se ver, então, um sinal da vontade da Providência nessas faculdades que se desenvolvem em meios e em pessoas imperfeitas. É um meio de lhes dar a fé que, mais cedo ou mais tarde, os conduzirá ao bem; se não for hoje, será amanhã; são sementes que não estão perdidas, porque vós, espíritas, sabeis que nada se perde para o Espírito.

Em naturezas moralmente e fisicamente mais rudes, não é raro encontrar faculdades transcendentes, porque essas individualidades, por terem pouca ou nenhuma vontade pessoal, limitam-se a deixar agir a influência que as dirige. Poder-se-ia dizer que agem por instinto, ao passo que uma inteligência mais desenvolvida, querendo se dar conta da causa que a põe em movimento, por vezes se coloca em condições que não permitem uma realização tão fácil dos desígnios providenciais.

Por mais bizarros e inexplicáveis que sejam os efeitos que se produzem aos vossos olhos, estudai-os atentamente, antes de considerar um só como infração às leis eternas do Mestre Supremo! Não há uma só que não afirme a sua existência, a sua justiça e a sua sabedoria eterna; se a aparência disser o contrário, crede bem que será apenas uma aparência, que desaparecerá para dar lugar à realidade, com um estudo mais aprofundado das leis conhecidas e o conhecimento daquelas cujas descobertas está reservada ao futuro.

Clélie Duplantier



[1] Revista Espírita – Outubro/1867 – Allan Kardec

[2] Impigem, Herpes

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

FAUSTO LEX[1]

 


   

Fausto Lex nasceu em Amparo, Estado de São Paulo, no dia 18 de dezembro de 1878, filho do Dr. Mathias Lex e Dona Belisária Pinto Lex. Formou-se no Ginásio do Estado, na capital paulista, a 7 de janeiro de 1902. Permaneceu em São Paulo lecionando em alguns ginásios e trabalhando na Seção de História Natural do Museu Paulista. Aprendeu muito sobre nossos índios e a língua tupi.

Casou-se a 12 de janeiro de 1907, com Dona Lúcia Garrido Lex. Menos de um ano após o casamento, mudou-se para Barretos, boca de sertão, onde foi lecionar na escola isolada, única no local. Após quatro anos, foi criado o Grupo Escolar de Barretos, onde lecionou durante 8 anos. Como professor, além da dedicação aos alunos, usava métodos didáticos eficientes, fazendo excursões os arredores da cidade, durante as quais ensinava aos alunos noções de Botânica, Zoologia e Geologia.

Fausto Lex dedicava-se também ao desenho, à pintura e aos esportes. Fundou, juntamente com outros intelectuais da cidade, o Grêmio Recreativo de Barretos, que até hoje existe. Artistas de renome internacional eram convidados a se apresentarem nas reuniões do Grêmio.

Em 1920, foi convidado a dirigir o Grupo Escolar de Tatuí. A seguir, foi Delegado Regional do Ensino em Araraquara e São Carlos. Em 1922, publicou “A Pesca”− obra pioneira no gênero e apreciadíssima pelos pescadores. Em 1925, foi nomeado diretor da Escola Normal. Em março de 1932, transferiu-se para Piracicaba, onde se aposentou, como Diretor da Escola Normal, em 1937. Em todas as escolas por onde passou, sua presença foi marcante, como educador emérito, que se dedicava integralmente a seus afazeres, com entusiasmo inusitado. Enérgico, mas amigo dos alunos, fazia-se estimar por todos. Sempre estimulou os esportes entre os normalistas, principalmente bola-ao-cesto.

Fausto Lex não ficou inativo após aposentar-se. Dedicava-se às letras, escrevendo para os jornais artigos sobre educação, língua Tupi, astronomia. Proferiu conferências sobre astronomia no Clube de Engenharia, revendo conceitos errôneos dos livros didáticos da época. Publicou inúmeras poesias de sua autoria e pintou vários quadros a óleo.

Foi nessa época que começou a dedicar-se mais a fundo ao Espiritismo. Até então, vinha argumentando e convencendo individualmente inúmeros educadores, tendo convertido ao Espiritismo numerosos professores das Escolas pelas quais passou. Após a aposentadoria, começou a frequentar a União Federativa Espírita Paulista em São Paulo, vindo a pertencer à diretoria da antiga Rádio Piratininga, onde procedia à análise e correção de todas as conferências a serem irradiadas. Era muito chegado ao Prof. Pedro de Camargo (Vinícius), convivendo com ele estreitamente. Ambos sempre sonharam uma obra educacional espírita na Capital e envidaram esforços nesse sentido. Em 1949, criado o Instituto Espírita de Educação, do qual Vinícius se tornou Presidente, Fausto Lex passou a fazer parte do Conselho.

Foi, também, membro do Conselho Deliberativo da Federação Espírita do Estado de São Paulo durante vários anos.

Colaborou nas revistas “O Revelador”, “O Semeador” e em outros órgãos da imprensa espírita. Embora fosse ótimo professor, não tinha o Dom da oratória e jamais fez conferências espíritas.

Desencarnou em São Paulo, Capital, no dia 11 de agosto de 1950.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

OS POTENCIAIS ESPIRITUAIS DOS SONHOS ESTRANHOS[1]

 

Kelly Bulkeley, Ph.D[2].

 

Quanto mais estranho o sonho, maior a probabilidade de ter significado espiritual.

 

Os sonhos têm a capacidade de representar toda a gama de emoções humanas. Alguns sonhos não têm emoções, enquanto outros têm uma variedade de sentimentos positivos e negativos. Certas emoções parecem surgir nos sonhos com mais frequência do que na vida desperta, especialmente aquelas que giram em torno de aspectos do sonho que parecem estranhos, bizarros, sobrenaturais, não naturais e/ou estranhos. Para algumas pessoas, experiências como essas são intrigantes e as atraem para o sonho. Para outros, esses sonhos os deixam confusos e inquietos, afastando-os.

Uma análise útil dessas emoções e seu impacto curiosamente ambivalente sobre as pessoas apareceu há pouco mais de 100 anos, no ensaio de Sigmund Freud “The Uncanny” (1919). Uma breve revisão do argumento de Freud pode esclarecer por que os sonhos sempre tiveram um papel vital na espiritualidade humana , desde os tempos antigos até os dias atuais.

A palavra alemã que Freud examina neste ensaio é “ unheimlich ”, que geralmente é traduzida para o inglês como “estranho”, mas mais literalmente significa “desagradável”. Algo que é unheimlich é o oposto do que é caseiro, familiar, confortável e conhecido. E, no entanto, como Freud aponta, a palavra alemã “heimlich” também significa escondido, secreto, guardado dentro. Então, mais especificamente, o unheimlich é aquilo que revela um segredo de algo uma vez conhecido e familiar, então perdido e escondido dentro. Sentir-se unheimlich , sentir o pavor lúgubre e assombrosa maravilha do estranho, é encontrar o que Freud chama de “o retorno do reprimido”.

O que acontece quando você experimenta uma sensação muito forte de estranheza em um sonho?

Primeiro passo: Pause e preste muita atenção . Há mais coisas acontecendo aqui do que em seus outros sonhos normais.

Segundo passo: considere o que exatamente no sonho — que imagem, personagem ou ação — evocou essa resposta emocional incomum.

Freud identifica vários temas ou motivos recorrentes que tendem a suscitar um sentimento do estranho; um deles pode estar relacionado à sua experiência.

§  Algo que se parece com um objeto está realmente vivo

§  Algo que se parece com uma pessoa é na verdade um objeto ou um robô

§  Uma ameaça para os olhos ou membros; ansiedade de castração

§  Um duplo ou Sósia

§  Compartilhamento de conteúdos mentais; telepatia

§  Repetições compulsivas e ritmos estranhos

§  Perder-se na floresta ou em um labirinto

§  Estranhas coincidências

§  Recebendo o mau-olhado

§  Morte, cadáveres, cemitérios

§  Fantasmas

§  Partes do corpo agindo independentemente da mente

§  Ser enterrado vivo

§  Déjà vu

O fio emocional comum em todos esses fenômenos é a sensação de encontrar algo familiar e não familiar, real e irreal, há muito desaparecido e ainda aqui agora. Para Freud, a experiência do estranho revela domínios poderosos do inconsciente que raramente somos capazes de acessar no estado de vigília. Parece terrivelmente perturbador porque compele o ego desperto a reconhecer suas próprias limitações e confrontar o que está além dos limites da consciência comum. Isso, é claro, é precisamente o que torna a experiência do estranho um estímulo tão poderoso para o crescimento, tanto psicologicamente (integrando aspectos conscientes e inconscientes do eu) quanto espiritualmente (percebendo novas dimensões da realidade).

Isso significa que quando você tem um sonho que parece estranho, você tem uma oportunidade especial de expandir sua autoconsciência e descobrir novos insights espirituais sobre sua vida. Apesar de suas qualidades desanimadoras, sonhos estranhos são convites para desenvolver uma visão expandida de si mesmo e da realidade como um todo. Embora Freud não use essa linguagem, eu diria que o estranho em um sonho marca uma erupção de energia transpessoal na consciência. Tais sonhos podem ter um tremendo impacto nas atitudes da vida desperta em relação à alma, morte, moralidade, Deus e outras preocupações existenciais. São como microconversões religiosas, atingindo uma pessoa com uma revelação vívida e inesquecível da verdade oculta e do conhecimento esotérico.



[2] Psicólogo da religião, diretor do banco de dados do sono e dos sonhos e autor de vários livros sobre sonhos, psicologia, espiritualidade, arte, ciência e história.