Vinícius Moura
A Doutrina Espírita se destaca
pela análise profunda dos aspectos comuns de nossas vidas. Ela ilumina e
amplia, por exemplo, o nosso entendimento do nascimento e da morte, da saúde e
da doença e o papel do corpo na evolução do espírito. Biologicamente, o corpo
requer descanso e chamamos este período de sono. Acontece que insuspeitáveis
fenômenos ocorrem todos os dias durante o descanso do corpo. A nossa saúde
física e mental, nosso estado de ânimo, a predisposição para o trabalho, a
qualidade das relações e a evolução moral do espírito dependem deste instante,
conhecido entre os espíritas como emancipação
da alma.
Emancipar é sinônimo de
libertar-se, tornar-se independente. Também significa ter responsabilidade
pelos nossos atos. Muitos creem que o sono é uma atividade automática, ou seja,
passiva, guiada única e exclusivamente pelo domínio do sistema neuroendócrino.
Quem assim o concebe acaba por abdicar-se de seu controle, o que significa
abrir mão de aproximadamente um terço da nossa vida. Agindo assim, negligenciamos
o processo e somos os únicos responsáveis pelas consequências que se
apresentarão no dia seguinte. Segundo a obra máxima da codificação, O Espírito jamais está inativo. Durante o
sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, então, não precisando o
corpo de sua presença, o espírito se lança no espaço e entra em relação mais
direta com os outros espíritos[2].
Frequentemente, essa liberdade deixa lembranças na forma de sonhos bem
objetivos ou, ao contrário, intensamente enigmáticos. Conclusão, a emancipação
da alma, algumas vezes chamada de desdobramento espiritual, é uma das maneiras
em que se estabelece o intercâmbio entre o plano físico e o espiritual.
Para os leigos no conhecimento
espírita, vale a pena ressaltar que não foi a doutrina codificada por Allan
Kardec que inventou a emancipação da alma e tudo mais que lhe sucede. Sua
veracidade é encontrada muito bem descrita em todos os tempos e em todas as
artes. No evangelho de Mateus, encontramos a seguinte narrativa:
Depois que partiram,
eis que um anjo do Senhor apareceu a José em sonho e lhe disse: ‘Levanta-te,
toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito. Permanece lá até que eu te diga,
pois Herodes há de procurar o menino para matá-lo[3]
.
Inúmeros relatos, inclusive
autobiográficos, encontram-se na literatura científica. Em 1845, o inventor
Elias Howe Jr. sonhou que estava sendo atacado por canibais. Ele notou que as
lanças do sonho tinham furos nas pontas e assim imaginou como as agulhas de uma
máquina de costura poderiam funcionar. Conta-se também, sem uma comprovação
oficial, que o DNA foi visualizado em sonho por James D. Watson e a estrutura
da tabela periódica por Dmitri Mendeleiev. Muito conhecida também é a história
da composição da canção “Yesterday”, a música mais regravada da história,
composta por Paul McCartney em 1965. Essa canção surgiu durante um sonho quando
Paul tinha apenas 22 anos. O pintor e fotógrafo polonês Zdzisław Beksiński
surpreendeu a comunidade artística com suas obras inspiradas no surrealismo. A
intenção do artista era “pintar de uma maneira como se estivesse fotografando
sonhos”, mas, ao que parece, elas acabaram retratando pesadelos. De 1990 em
diante, sua vida foi curiosa e lamentavelmente marcada por tragédias. Vale
destacar que, durante as noites e neste mesmo período, tornou-se comum a
presença de avisos nas portas dos artistas: “Poetas trabalhando”.
Este tema é muito útil para os
que acreditam na existência do espírito e muito perigoso para os que descreem
na atividade da alma mesmo durante o repouso do corpo. A grande questão que se
apresenta aqui neste momento é: para onde vai e o que faz o espírito durante a
emancipação da alma? Há quem diga que dormir é uma experiência da morte. Pela
lei do esquecimento do passado, não posso assinar embaixo, pois não me lembro
de como é morrer. No entanto, há muita similaridade entre dormir e morrer. Uma
delas é que, durante o sono ou diante da morte, nós seguimos a direção dos
nossos sonhos. Confuso? Explico. Cada alma vibra em determinada faixa e se move
entre os limites extremos que nos sustentam. Nosso nascimento na Terra é a
própria constatação dessa realidade. Nascemos na Terra e não em Júpiter, pois
possuímos o passaporte “biopsiquicoespiritual” condizente com o planeta azul, e
não com o gigante gasoso. Da mesma forma, seremos irresistivelmente atraídos
para os ambientes e para as almas que se afinizam conosco. Nenhuma novidade
aqui. Não é exatamente o que acontece hoje em sua vida? Você não está em
ambientes e convivendo com pessoas necessárias para o seu progresso espiritual?
De uma forma ou de outra, não foi você que escolheu? O Cristo resumiu esse
fenômeno espiritual da seguinte forma: “Onde está o seu tesouro, aí estará o
seu coração”. Simples assim. Suas preferências definirão paisagens, cenários,
sensações e suas companhias espirituais.
Mas, o que fazer para evoluir
nesse contexto? Estudo, humildade e mudança de hábitos são imprescindíveis.
Assim como nos preparamos para sair de casa para trabalhar ou para ir a uma
festa, é necessário nos prepararmos para adentrar a faixa sutil na qual a alma
curtirá sua emancipação. E muita atenção ao longo do dia, pois o modo como
vivenciamos as horas são determinantes para a qualidade do sono à noite. A boa
notícia é que podemos elevar em diversos graus a nossa faixa vibracional.
Mantenha conversações elevadas ao longo do dia, providencie alimentação mais
leve antes de adormecer, pratique atividade física moderada, beba água,
selecione vídeos, programas de TV e boa leitura antes de emancipar-se e não
subestime a força da oração. Lembre-se:
O sono é uma necessidade de repouso do corpo e a emancipação da alma
uma oportunidade para o espírito. E por falar nisso, aonde você vai esta noite?
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