Ron Evans, a mente por trás do Projeto Greenglow
BBC NEWS – Brasil - 23 março 2016
Bem-vindo ao Projeto
Greenglow,
onde um grupo de
cientistas radicais explora a força da gravidade.
Na ciência há uma parceria
poderosa entre teoria e engenharia. É o que originou a energia atômica, o
acelerador de partículas LHC (Large
Hadron Collider ou Grande Colisor de Hádrons) e os voos espaciais, para
citar exemplos mais famosos.
Os teóricos dizem: "Isso é
possível teoricamente". Os engenheiros então buscam descobrir como fazer,
confiantes na correção da matemática e da teoria.
Leia também: Como corpo de
astronauta mudou após um ano no espaço – comparado ao de seu irmão gêmeo na
Terra
As áreas, claro, não se excluem.
Teóricos entendem de engenharia. Engenheiros partem de um conhecimento profundo
da teoria. Costuma ser uma relação harmoniosa - e competitiva.
Mas às vezes esses mundos podem
colidir. Teóricos dizem que algo não é possível e engenheiros respondem:
"Vamos tentar assim mesmo - vale conferir."
Há um campo da ciência em que
uma disputa como essa se arrasta por anos, talvez a área mais controversa em
toda a ciência/engenharia - o controle da gravidade.
Tentativa pioneira
Quando o engenheiro aeroespacial
Ron Evans procurou seus chefes no final dos anos 1980 na BAE Systems
(multinacional britânica de tecnologia aeroespacial e de defesa) e perguntou se
o autorizariam a buscar alguma forma de controle da gravidade, eles provavelmente
pediram que tomasse um chá e se acalmasse.
O controle da gravidade era uma
ideia de ficção científica que todo físico teórico respeitado dizia ser
impossível.
Evans admite que convencer os
chefes foi tarefa difícil. "Muitos na empresa achavam que não deveríamos
tentar porque fazíamos aviões e isso era muito especulativo."
Enfrentar a gravidade com asas e
turbinas era o negócio bilionário da BAE, então por que se aventurar em
heresias científicas? Evans justifica: "O potencial era absolutamente enorme.
Poderia mudar totalmente a engenharia aeroespacial."
Se fosse possível fazer a
gravidade empurrar em vez de puxar, eles teriam uma fonte potencialmente
infinita - e gratuita - de propulsão. Isso colocaria a BAE Systems na dianteira
da maior revolução tecnológica desde a invenção do voo a motor. Talvez valesse
tentar.
Pediram a Evans que se reunisse
com sua equipe e voltasse com alguns conceitos. Ele apresentou um desenho de um
avião de decolagem vertical, alimentado por um "motor de gravidade"
ainda inexistente.
Para o rascunho ficar ainda mais
visionário, ele pediu ao desenhista incluir alguns raios verdes saindo do avião
- um brilho verde. Quando os chefes de Evans decidiram autorizar uma pequena
verba e um escritório, nasceu o Projeto Greenglow (brilho verde, em inglês).
Um dos rascunhos
originais do Projeto Greenglow
Evans logo descobriu que poderia
convidar engenheiros em universidades britânicas de ponta para colaborar com a
pesquisa, e não era apenas curiosidade acadêmica. Como a BAE, todos estavam
atrás do novo paradigma da propulsão ‒ asas e turbinas tinham chegado no
limite.
Esforços paralelos
Na NASA (agência espacial
americana), o engenheiro aeroespacial Marc Millis começou um projeto paralelo -
o programa Breakthrough Physics
Propulsion. A NASA tinha prometido ir além do Sistema Solar em uma geração,
mas sabia que foguetes convencionais nunca levariam seus astronautas até lá.
"Se você quiser ir até
nossa estrela vizinha mais próxima, e digamos que queira fazer isso em 50 anos,
você teria que ir a um décimo da velocidade da luz. Bem, a quantidade de
propulsor que precisaria é aproximadamente a massa de todo o Sol. Precisamos de
algo completamente diferente", diz Millis. Como Evans, o conselho a ele
foi: "Pense radicalmente, e pense grande."
Sem aviso prévio, um cientista
russo chamado Eugene Podkletnov disse ter encontrado a resposta por acidente.
Ainda na década de 1990, ele relatou ter observado um "escudo
antigravitacional" ser formado em um objeto suspenso sobre um
supercondutor giratório.
Centros de pesquisa pelo mundo,
como o Greenglow e a NASA, embarcaram na onda e tentaram reproduzir a proposta
de Podkletnov. Falharam.
Em Dresden, na Alemanha, Martin
Tajmar recebeu recursos para tentar toda alternativa possível. O programa
espacial alemão estava tão sedento como os EUA por uma revolução nessa área.
"A antigravidade é como dizer: 'Sim, estou tentando fazer o impossível'.
Mas fique sempre pronto para uma surpresa", afirma Tajmar.
Impasse nas pesquisas
Para cientistas como John Ellis,
do Cern (Organização Europeia para
Pesquisa Nuclear), não foi surpresa quando nada de novo apareceu.
"Esse sujeito tinha a ideia que brincando com supercondutores poderia
mudar a força do campo gravitacional da Terra? Besteira!"
Novos trabalhos de Podkletnov
não atingiram o mesmo sucesso do primeiro, e não faltaram físicos para apontar
as razões.
Primeiro de tudo, havia o
problema de escala, como Clifford Johnson, da Universidade do Sul da
Califórnia, explica.
"Tendemos a pensar na
gravidade como muito forte - afinal é o que nos segura a Terra. Mas é a mais
fraca das forças que conhecemos na natureza. É, por exemplo, 10 vezes elevado à
40ª potência mais fraca do que o eletromagnetismo - é 1 com 40 zeros na
frente."
Parecia que mesmo se alguém
conseguisse manipular a gravidade em laboratório, não havia nada de útil a
fazer com ela. Em suma, para alterar a gravidade de um planeta, você precisa da
massa de outro planeta.
Luz no fim do túnel
E justamente quando os
engenheiros pareciam estar ficando sem ideias, os físicos teóricos jogaram uma
boia nesse oceano.
Uma descoberta recente mostrou
que o universo não está apenas se expandindo, mas acelerando em sua expansão, e
de repente os teóricos tinham coisas a explicar.
Como conta Tamara Davis, da
Universidade de Queensland, na Austrália. "Algo está acelerando as
galáxias umas das outras. A gravidade parece estar 'empurrando'."
Alguns teóricos agora estão
desafiando padrões para apresentar explicações radicais. Entre eles está Dragan
Hajdukovic, do Cern, que desenvolveu uma teoria que aponta a existência da
chamada polaridade gravitacional.
"Até agora acreditamos que
a gravidade é apenas uma força de atração. Pode ser que seja também uma força
de repulsão, mas não entre matéria e matéria, mas entre matéria e
antimatéria."
É uma teoria que o Cern se
prepara para testar no próximo ano. Se Hajdukovic conseguir provar que
partículas de antimatéria caem "para cima", abrirá a possibilidade
para alguma forma de antigravidade demonstrável na Terra - e certamente levaria
um prêmio Nobel nessa história.
Mesmo se ele estiver certo,
explorar um fenômeno desse em qualquer sentido prático pode estar além de nossa
capacidade de engenharia.
Empurrando os limites
Ideias ainda mais ousadas estão
agora na mesa. Por exemplo, uma proposta encabeçada por Tajmar é usar um
conceito puramente teórico, o de massa negativa.
Teoricamente, quando a massa
negativa é aproximada da massa positiva, poderia criar uma força de repulsão
potente - uma força de aceleração infinita, ou a dobra espacial, para usar o
termo da série de ficção Jornada nas Estrelas.
Johnson, da Universidade do Sul
da Califórnia, logo aponta alguns obstáculos teóricos - isso inverteria o
modelo aceito de espaço-tempo universal de Einstein e tornaria a física atual
um pesadelo.
A objeção de Davis, de
Queensland, é mais prática: "É melhor que você não goste das pessoas que
você quiser visitar em sua dobra espacial, porque você iria aniquilá-las no
processo de chegar até lá."
Agora que existem teorias de
como a antigravidade pode funcionar, são os engenheiros que aparentemente não
conseguem meios práticos de tirá-las do papel.
Ron Evans se aposentou quando o
Projeto Greenglow finalmente foi encerrado, em 2005, sem nenhuma forma prática
de controle da gravidade a oferecer. Mas a história não terminou ali.
Um novo caminho?
Um aparelho sobreviveu, quase
sem ser notado, dos dias do Greenglow - um motor de propulsão eletromagnética
chamado EM Drive, criado pelo engenheiro aeroespacial britânico Roger Shawyer.
E o que diferencia o EM Drive de
outros conceitos? "Não estamos mais tentando controlar a gravidade em si.
Estamos vencendo a gravidade da maneira mais esperta."
Em testes, o EM Drive parece se
mover pela sua própria propulsão.
Shawyer diz que seu conceito usa
uma propriedade conhecida da energia de microondas chamada "cut-off"
para gerar empuxo.
Segundo Shawyer, a forma cônica
da caixa fechada faz com que as microondas efetivamente parem em um extremo da
cavidade, enquanto continuam a vibrar uma contra as outras, criando uma
diferença de pressão.
Com um suprimento de energia
solar, Shawyer diz que poderia acelerar o EM Drive em qualquer direção de
maneira quase contínua.
"Você de repente teria um
motor de elevação, que simplesmente paira ali ou de fato acelera para cima.
Então você pode vislumbrar o lançamento de grandes cargas no espaço, controlado
por uma espaçonave guiada por um EM Drive."
Teóricos são céticos sobre essas
afirmações, porque o EM Drive parece desafiar a lei de Newton sobre a
conservação do momento linear.
"Com o EM Drive, diferentemente
de um foguete, nada sai dele. Não sei como você pode gerar movimento de
nada", diz John Ellis, do Cern.
Engenheiros como Ron Evans são
mais pragmáticos. "É o experimento que conta. Se funciona, cabe aos
teóricos colocar de pé uma teoria que o explique."
Os testes e os debates
continuam. Enquanto isso, a fabricante de aviões Boeing aparentemente já
patenteou sua própria versão do EM Drive e o Pentágono demonstrou interesse na
tecnologia. Vale ficar de olho.
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