Margarita Rodríguez - BBC News Mundo - 23 maio 2021
"O tempo não
existe. E eu tenho 15 minutos para convencê-los disso", diz Carlo Rovelli,
após olhar seu relógio de pulso.
Assim começa uma palestra TEDx[2]
feita em 2012 pelo físico italiano, que não costuma aparecer na imprensa
internacional.
Uma das vezes em que ele ganhou
destaque foi na revista britânica New
Statesman, numa reportagem assinada por George Eaton intitulada "O
físico rockstar Carlo Rovelli explica porque o tempo é uma ilusão", em
tradução livre.
"A determinação de Rovelli
em tornar a física quântica acessível e suas prodigiosas vendas de livros o
levaram a ser chamado de 'o novo Stephen Hawking'", destaca o artigo.
Em 2020, no evento "The
Nature of Time" (A Natureza do Tempo), organizado pela revista New Scientist, o físico teórico pegou
uma corda e a esticou de uma ponta a outra do palco. E pendurou uma caneta no
meio da corda para marcar o presente.
Rovelli disse: "É aqui que
estamos."
Ele então ergueu o braço direito
e apontou para a direita: "Esse é o futuro." Na sequência, apontou
para a esquerda: "E esse é o passado".
"Esse é o tempo do nosso
dia a dia: uma longa fila, uma sequência de momentos que podemos ordenar, que
tem uma direção preferida, que podemos medir com relógios", disse. "E
todos nós concordamos com os intervalos de tempo entre dois momentos diferentes
ao longo do caminho, ao longo desta linha".
Depois acrescentou: "Quase
tudo o que eu disse está errado. Em termos factuais, isso está incorreto. É
como se eu dissesse que a Terra é plana".
"O tempo não funciona assim,
ele o faz de uma maneira diferente", emendou.
E esclareceu: "Essas não
são ideias especulativas que aparecem em sonhos estranhos de físicos. São fatos
que medimos em laboratório, com instrumentos, e que podem ser
verificados".
'Pura rebelião'
Nascido em Verona, na Itália, em
1956, Rovelli confessa que sua adolescência foi "pura rebelião". O
mundo em que ele vivia era diferente do que considerava "justo e
belo" e, em meio a essa decepção, a ciência veio ao seu encontro.
No mundo acadêmico, o jovem
pesquisador descobriu "um espaço de liberdade ilimitada", que ele
relembra em um de seus livros.
"No momento em que meu
sonho de construir um novo mundo colidiu com a realidade, me apaixonei pela
ciência, que contém um número infinito de novos mundos", descreve.
"Enquanto eu escrevia um
livro com meus amigos sobre a revolução estudantil (um livro que a polícia não
gostou e me custou uma surra na delegacia de Verona: 'Diga-nos os nomes de seus
amigos comunistas!), mergulhei cada vez mais no estudo do espaço e do tempo,
tentando entender os cenários que haviam sido propostos até então".
Gravidade quântica
Rovelli decidiu dedicar sua vida
ao desafio de conciliar duas teorias: a mecânica quântica (que descreve o mundo
microscópico) e a relatividade geral de Albert Einstein.
"Para chegar a uma nova
teoria, devemos construir um esquema mental que não tenha a ver com nossa
concepção usual de espaço e tempo", diz. "Você tem que pensar em um
mundo em que o tempo não é mais uma variável contínua, mas uma outra coisa".
Ao buscar possíveis soluções
para o problema da gravidade quântica, Rovelli foi um dos fundadores da teoria
da gravidade quântica em loop,
também conhecida como teoria do loop,
que apresenta uma estrutura fina e granular do espaço.
Essa teoria tem aplicações em
diferentes campos ‒ por exemplo, o estudo do Big Bang ou as formas de abordar e
entender os buracos negros.
O físico italiano tem uma
carreira brilhante, que inclui inúmeros prêmios e livros. Uma dessas
publicações, "Sete Breves Lições de Física" (Editora Objetiva), foi
traduzida para 41 idiomas e vendeu mais de 1 milhão de cópias.
Ele também foi professor na
Itália, nos Estados Unidos, no Reino Unido e atualmente é pesquisador do Centro
de Física Teórica de Marselha, na França.
Rovelli respondeu por escrito a
algumas perguntas da BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC. Confira a seguir os
principais trechos da entrevista.
BBC Mundo - O que é
o tempo? Ele realmente existe?
Carlo Rovelli -
Sim, claro que o tempo existe. Do
contrário, o que é que sempre nos falta? Mas a ideia comum que temos sobre o
que é o tempo e como ele funciona não serve para entendermos átomos e galáxias.
Nossa concepção usual de tempo funciona apenas em nossa escala e quando vamos
medir as coisas com muita precisão.
Se quisermos aprender
mais sobre o universo, temos que mudar a nossa visão do tempo. Porque o que
costumamos chamar de "tempo", sem pensar muito sobre o que isso
significa, é realmente um emaranhado de fenômenos diferentes. O tempo pode
parecer simples, mas é realmente complexo: ele é feito de muitas camadas,
algumas das quais são relevantes apenas para certos fenômenos, e não para
outros.
BBC Mundo - O
que o senhor descobriu quando se perguntou: por que só podemos conhecer o
passado e não o futuro?
Rovelli - A razão de termos informações sobre o
passado e não sobre o futuro é estatística. Tem a ver com o fato de não vermos
os detalhes das coisas. Não vemos, por exemplo, as moléculas individuais que
compõem o ar da sala em que estamos. Mas, no mundo microscópico, não há essa
distinção entre o passado e o futuro.
BBC Mundo - O
senhor falou sobre a elasticidade do tempo e sobre um dia em que
"vivenciamos coisas diretamente, como encontrar nossos filhos mais velhos
que nós mesmos no caminho de volta para casa". Como isso pode acontecer?
Rovelli - A pergunta correta é a oposta: por que
quando nos separamos e nos encontramos novamente, o seu e o meu relógio medem o
mesmo intervalo de tempo?
Não há razão para
que devam medir esse mesmo tempo. A experiência nos diz isso apenas porque
nossas medições não são precisas o suficiente. Se fossem, veríamos que o tempo
corre em velocidades diferentes para pessoas diferentes, dependendo de onde
estão e como se movem. Portanto, eu poderia me separar de meus filhos e
reencontrá-los em um tempo que significa apenas um ano para mim, mas 50 anos
para eles. Nesse cenário, eu ainda sou jovem e eles envelheceram. Isso
certamente é possível. O motivo pelo qual normalmente não vivenciamos esse tipo
de experiência é apenas que nossa vida na Terra se move numa velocidade lenta
entre nós e, nesse caso, as diferenças de tempo são pequenas.
BBC Mundo -
Algum dia poderemos viajar ao passado?
Rovelli - Considero extremamente improvável. Viajar
para o futuro, por outro lado, é o que fazemos todos os dias.
BBC Mundo - O
que o senhor quer dizer com isso?
Rovelli - Viajar ao passado é difícil. Mas viajar para
o futuro é muito fácil. Faça o que fizer, você está viajando sempre para o
futuro: o amanhã é o futuro do hoje.
BBC Mundo -
Sabemos que o senhor gosta muito de gatos e prefere não se referir ao gato de
Schrödinger e a discussão se ele está vivo ou morto (ou dormindo). O senhor
poderia explicar por que, segundo esse famoso experimento, o animal pode estar
vivo e morto ao mesmo tempo?
Rovelli - Acho que o gato não está realmente acordado
e dormindo ao mesmo tempo. Considero que, com respeito a si mesmo, o gato está
definitivamente acordado ou dormindo. Mas quando se trata de mim e de você,
pode não haver nem um estado, nem outro. Porque eu acho que as propriedades das
coisas (incluindo os átomos e os gatos) são relativas a outras coisas e só se
tornam reais nas interações com elas. Se não houver interações, não há
propriedades.
BBC Mundo -
Como o senhor explicou, a discussão entre os físicos da mecânica quântica não é
apenas sobre o gato estar vivo e morto ao mesmo tempo, mas também sobre o
experimento com dois eventos, A e B, nos quais A vem antes de B, mas também B
vem antes de A. Como isso pode ser possível?
Rovelli - Quando dizemos que um evento A é anterior a
um evento B, o que queremos dizer é que pode haver um sinal indo de A para B.
Por exemplo, sua pergunta é anterior à minha resposta, porque me chega antes
que eu possa respondê-la.
No entanto, às vezes
pode acontecer que seja realmente impossível enviar um sinal de A para B, mas
também impossível enviar um sinal de B para A. Então, nenhum é anterior ao
outro.
A razão de não
estarmos acostumados com isso é porque a luz viaja muito rápido, então tendemos
a pensar que podemos ver tudo "instantaneamente". Mas a verdade é que
não podemos. Portanto, sempre existem eventos que não são ordenados de acordo
com esse tempo.
BBC Mundo - O
que o senhor quer dizer quando afirma que existem muitas versões diferentes da
realidade, embora todas pareçam iguais em grande escala?
Rovelli - As propriedades de todas as coisas são
relativas a outras coisas. As propriedades do mundo em relação a você não são
necessariamente as mesmas em relação a mim. Normalmente, não vemos essas
diferenças nas propriedades físicas porque os efeitos quânticos são muito
pequenos. Mas, em princípio, podemos ver mundos ligeiramente diferentes.
BBC Mundo - O
senhor disse que temos que reorganizar a forma como pensamos a realidade. Como
podemos fazer isso? O que estamos perdendo se não tentarmos seguir por esse
caminho?
Rovelli - Podemos continuar vivendo nossas vidas
ignorando a física quântica, mas se estamos curiosos sobre como a realidade
funciona, temos que encarar que as coisas são realmente estranhas.
BBC Mundo - A
metáfora que o senhor faz sobre a mecânica quântica e sua interseção com a
filosofia, como se essas duas áreas do conhecimento fossem um casal se
reunindo, se separando, depois voltando e se separando novamente, é fascinante.
A mecânica quântica e a filosofia precisam uma da outra?
Rovelli - Creio que sim. No passado, a física
fundamental também avançou graças à inspiração da filosofia.
Todos os grandes
cientistas do passado eram leitores ávidos de filosofia. Não há razão para que
as coisas sejam diferentes hoje.
Na minha opinião, o
inverso também é verdadeiro: os filósofos que ignoram o que aprendemos sobre o
mundo com a ciência acabam sendo superficiais.
BBC Mundo -
Para o senhor, o livro "A Ordem do Tempo" é muito especial porque
"finge ser sobre física, mas secretamente é o meu livro sobre o
significado e a finitude da vida". Qual é o sentido da vida para Carlo
Rovelli?
Rovelli - O sentido da vida para Carlo Rovelli é o que
penso ser o sentido da vida para todos nós: a rica combinação de necessidades,
desejos, aspirações, ambições, ideais, paixões, amor e entusiasmo, que surgem
em várias medidas e em diferentes versões naturalmente de dentro de nós. A vida
é uma explosão de significado.
Alguns projetaram o
significado da vida fora de si mesmos e ficam desapontados ao perceber que
havia algo ilusório em esperar que o significado viesse de fora.
Uma das minhas
respostas favoritas a essa pergunta foi atribuída a um antigo sioux [etnia
indígena norte-americana]: o propósito da vida é abordar com uma canção
qualquer coisa que encontrarmos pela frente.
BBC Mundo - O
senhor assinalou que na ciência muitos erros são cometidos quando fingimos
estarmos certos, quando na verdade muitas vezes não temos essa certeza toda. O
novo coronavírus trouxe muitas incertezas para nossas vidas. Como o senhor
lidou com isso?
Rovelli - Eu tenho me esforçado não apenas para
minimizar o risco para mim e para as pessoas que amo, mas também para minimizar
meu próprio papel na disseminação da infecção.
Mas sabendo bem que
o risco foi e continua a ser real e que milhões de pessoas morreram e ainda
estão morrendo, tenho em mente que isso ainda pode acontecer comigo e meus
entes queridos.
Essa constatação não
deve ser motivo para pânico, mas também não gosto de esconder a cabeça na
areia.
BBC Mundo - Que
reflexões o senhor fez nestes tempos desafiadores para milhões de pessoas ao
redor do mundo?
Rovelli - O que fico pensando é simples: não seria o
momento de a humanidade trabalhar em conjunto, em vez de continuarmos a ficar
uns contra os outros? O Ocidente está construindo novos inimigos: China, Irã,
Rússia...
Não podemos viver de
forma respeitosa e colaborativa, sem a necessidade de subjugar uns aos outros,
de prevalecer sobre os outros, de vencer, em vez de cooperar para o bem comum?
A humanidade está
enfrentando uma pandemia, milhões de mortes, desastres ambientais e ainda não
conseguimos aprender a nos vermos como membros de uma única família, que é o
que realmente somos.
A mecânica quântica
é a descoberta de que a realidade é tecida por relacionamentos, mas
permanecemos cegos para o fato de que prosperamos em relação aos outros, não
uns contra os outros. Posso ser ingênuo, mas é isso o que penso todos os dias
quando vejo o noticiário.
BBC Mundo - O
senhor disse que gostou de ler "O Amor em Tempos do Cólera", de
Gabriel García Márquez, porque "nestes tempos sombrios, é bom ler sobre o
amor verdadeiro". Você pode nos contar mais sobre o que gostou no livro?
Rovelli - É um livro
cheio de graça e luz. Retrata as muitas formas de amar e partilhar, com um
olhar que sorri diante de toda essa complexidade.
Uma forma de amor é
a lealdade da personagem Fermina Daza ao marido. Outra é a intimidade e a
amizade de Florentino Ariza com dezenas e dezenas de mulheres. Mas esse amor
absoluto entre ele [Ariza] e ela [Daza] é uma bela forma de amor, que foi
venerado e valorizado por décadas, até que conseguiu florescer de forma
maravilhosa quando os dois já estavam mais velhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário