segunda-feira, 12 de abril de 2021

APOLÔNIO DE TIANA[1]

 

A exceção dos eruditos, Apolônio de Tiana não é quase conhecido de nome, e ainda seu nome não é popular, por falta de uma história à altura de todos. Dele não existe senão algumas traduções, elas mesmas feitas sobre uma tradução latina e de um formato incômodo. Deve-se, pois, estar contente com o sábio helenista que vem de pô-lo à luz por uma tradução conscienciosa feita sobre o texto grego original e aos editores terem, com essa publicação preenchido uma lacuna lamentável: (“Apolônio de Tiana, sua vida, suas viagens, seus prodígios, por Filostrato”, nova tradução feita sobre o texto grego pelo Senhor Chassang, mestre das conferencias na Escola Normal).

Não há datas precisas sobre a vida de Apolônio. Segundo certos cálculos, teria nascido dois ou três anos antes de Jesus Cristo, e morrido aos noventa e seis anos pelo fim do primeiro século. Nasceu em Tiana, vila grega de Cappadoce, na Ásia Menor. Em boa hora fez prova de uma grande memória, de uma inteligência notável e mostrou um grande ardor pelo estudo. De todas as filosofias que estudou, adotou a de Pitágoras, da qual seguiu rigorosamente os preceitos até a sua morte. Seu pai, um dos mais ricos cidadãos de Tiana, deixou-lhe uma fortuna considerável que ele partilhou entre seus parentes, não se reservando senão uma pequena parte, porque, dizia ele, o sábio deve saber se contentar com pouco. Ele viajou muito para se instruir; percorreu a Assíria, a Cítia, a Índia, onde visitou os Brâmanes, o Egito, a Grécia, a Itália e a Espanha, ensinando por toda a parte a sabedoria; por toda a parte, querido pela doçura de seu caráter, honrado por suas virtudes e recrutando numerosos discípulos que se apressavam sobre seus passos para ouvi-lo, e dos quais vários o seguiram em suas viagens. Um deles, no entanto, Eufrates, invejoso de sua superioridade e de seu crédito, tornou-se seu detrator e seu inimigo mortal, e não cessou de derramar a calúnia sobre ele para perdê-lo, mas não resultou senão em aviltar a si mesmo; Apolônio com isso jamais se perturbou, e longe de conceber contra ele algum ressentimento, lamentava-o pela sua fraqueza e procurava sempre restituir-lhe o bem para o mal. Damis, ao contrário, jovem Assírio que conheceu em Ninive, ligou-se a ele com uma fidelidade a toda prova, foi o companheiro assíduo de suas viagens, o depositário de sua filosofia, e deixou sobre ele, a maioria dos conhecimentos que possuímos.

O nome de Apolônio de Tiana se encontra misturado ao de todos os personagens legendários que a imaginação dos homens está pronta a enfeitar com os atrativos do maravilhoso. Qualquer que seja o exagero dos fatos que se lhe atribuem, fica evidente que, ao lado das fabulas, encontra-se um fundo de verdades mais ou menos desnaturadas. Ninguém seguramente saberia por em dúvida a existência de Apolônio de Tiana; o que é igualmente certo é que deve ter feito coisas notáveis, sem o que não se teria dele falado. Para que a imperatriz Júlia Domma, mulher de Sétimo-Severo, haja pedido a Filostrato para escrever a sua vida, seria preciso, necessariamente, que houvesse feito falar dele, porque não é provável que ela haja encomendado um romance sobre um homem imaginário ou obscuro. Que Filostrato haja ampliado os fatos, ou que os haja encontrado ampliados, isto é provável e mesmo certo para alguns pelo menos, que estão fora de toda probabilidade; mas o que não é menos certo, é que retirou o fundo de sua relação nos relatos quase contemporâneos e que deviam ter bastante notoriedade para merecerem a atenção da imperatriz. A dificuldade, algumas vezes, é de distinguir a fabula da verdade; neste caso há pessoas que acham mais simples tudo negarem.

Os personagens dessa natureza são muito diversamente apreciados; cada um os julga no ponto de vista de suas opiniões, de suas crenças e mesmo de seus interesses. Apolônio de Tiana devia, mais que qualquer outro, dar matéria à controvérsia, pela época em que vivia, e pela natureza de suas faculdades. Atribuíam-lhe, entre outras coisas, o dom de curar, a presciência, a visão à distância, o poder de ler no pensamento, de expulsar demônios, de se transportar, instantaneamente de um lugar para um outro etc. Poucos filósofos gozaram de maior popularidade quando vivos. Seu prestígio era ainda aumentado pela austeridade de seus costumes, sua doçura, sua simplicidade, seu desinteresse, seu caráter benevolente e sua reputação de sabedoria. O paganismo lançava, então, seus últimos clarões, e se batia contra a invasão do cristianismo nascente: quis dele fazer um deus. As ideias cristãs se misturando com as ideias pagãs, alguns deles fizeram um santo; os menos fanáticos não viram nele senão um filósofo; é a opinião mais razoável, e é o único título que ele jamais tomou, porque se defendeu de ser filho de Júpiter, como alguns o pretendiam. Embora contemporâneo do Cristo, não parece dele ter ouvido falar, porque, em sua vida, não faz nenhuma alusão ao que se passava então na Judéia.

Entre os cristãos que o julgaram depois, uns o declararam patife e impostor; outros, não podendo negar os fatos, pretenderam que ele não operava prodígios senão pela assistência do demônio, sem pensar que era confessar esses mesmos prodígios, e fazer de Satã o rival de Deus, pela dificuldade de se distinguirem os prodígios divinos dos prodígios diabólicos. Foram as duas opiniões que prevaleceram na Igreja.

O autor dessa tradução manteve-se numa sábia neutralidade; não esposou nenhuma versão, e, para colocar cada um em condições de apreciar todas, indica com cuidado escrupuloso todas as fontes de onde pôde haurir, deixando cada um livre para tirar, da comparação dos argumentos pró ou contra, tal consequência que julgará a propósito, limitando em fazer uma tradução fiel e conscienciosa.

Os fenômenos espíritas, magnéticos e sonambúlicos vêm hoje lançar uma luz toda nova sobre os fatos atribuídos a esse personagem, demonstrando a possibilidade de certos efeitos relegados, até este dia, ao domínio fantástico do maravilhoso, e permitindo-lhes fazer a parte do possível e do impossível.

E primeiro, o que é o maravilhoso? O ceticismo responde: é tudo o que, estando fora das leis da Natureza, é impossível; depois acrescenta: Se os relatos antigos são férteis em fatos desse gênero, isso se prende ao amor do homem pelo maravilhoso. Mas de onde vem esse amor? É o que ele não diz, e é o que vamos tentar explicar; isto não será inútil ao nosso assunto.

O que o homem chama de maravilhoso, o transporta pelo pensamento além dos limites do conhecido, e é aspiração íntima para uma ordem de coisas melhores que lhe faz procurar com avidez o que pode a ela ligá-lo e dar dela uma ideia. Esta aspiração lhe vem da intuição que ele tem de que certa ordem de coisas deve existir; não a encontrando sobre a Terra, procura-a na esfera do desconhecido. Mas esta própria aspiração não é indício providencial de que há alguma coisa, além da vida corpórea? Ela não é dada senão ao homem, porque os animais, que nada esperam, não procuram o maravilhoso. O homem compreende intuitivamente que há, fora do mundo visível, um poder do qual se faz uma ideia mais ou menos justa segundo o desenvolvimento de sua inteligência, e muito naturalmente vê a ação direta desse poder em todos os fenômenos que ele não compreende; também uma multidão de fatos passavam outrora por maravilhosos, que hoje perfeitamente explicados, entraram no domínio das leis naturais. Disso resulta que todos os homens que possuem faculdades ou conhecimentos superiores ao vulgo passam por ter uma porção desse poder invisível, ou ter dele seu poder; foram chamados mágicos ou feiticeiros. A opinião da Igreja tendo feito prevalecer que esse poder não podia provir senão do Espírito do mau, quando se exercia fora do seu seio, nos tempos de barbárie e de ignorância, queimavam-se os pretensos mágicos ou feiticeiros; o progresso da ciência tomou seu lugar na Humanidade.

Onde encontrais, dizem os incrédulos, mais relatos maravilhosos? Não é na antiguidade, nos povos selvagens, nas classes menos favorecidas? Não é uma prova de que são o produto da superstição, filha da ignorância? Da ignorância, é incontestável, e isto por uma razão muito simples. Os antigos que sabiam menos do que nós, não eram menos tocados pelos mesmos fenômenos; conhecendo menos causas verdadeiras, procuravam as causas sobrenaturais para as coisas mais naturais, e, com a ajuda da imaginação, secundada pelo medo de um lado, do outro pelo gênio poético, aumentavam acima dos contos fantásticos amplificados pelo gosto da alegoria particular aos povos do Oriente. Prometeu arrancando o fogo do céu que o consumia, devia passar por um ser sobre-humano punido por sua temeridade, por ter impiedade sobre os direitos de Júpiter; Franklin, o Prometeu moderno, é para nós simplesmente um sábio. Montgolfier, elevando-se nos ares teria sido, nos tempos mitológicos, um Ícaro; que teria sido, pois, o Senhor Poitevin se elevando sobre um cavalo?

Tendo a ciência feito reentrar um multidão de fatos na ordem natural, reduziu muito os fatos maravilhosos. Mas explicou tudo? Conhece todas as leis que regem os mundos? Não tem nada mais a aprender? Cada dia dá um desmentido a essa orgulhosa pretensão. Não tendo, pois, pesquisado todos os segredos de Deus, disso resulta que muitos fatos antigos estão ainda inexplicados; ora, não admitindo como possível o que ela não compreende, acha mais simples chamá-los maravilhosos, fantásticos, quer dizer, inadmissíveis para a razão; aos seus olhos todos os homens que são considerados tê-los produzido, são mitos ou impostores, e diante desse decreto, Apolônio de Tiana não podia encontrar graça. Ei-lo, pois, condenado pela Igreja, que admite fatos, como um subordinado de Satã, e pelos sábios que não os admitem, como um hábil malabarista.

A lei de gravitação universal abriu um novo caminho para a ciência, e deu conta de uma multidão de fenômenos sobre os quais se construíram teorias absurdas; a lei das afinidades moleculares veio lhe dar um novo passo; a descoberta de um mundo microscópico abriu-lhe novos horizontes; a eletricidade, a seu turno, veio revelar-lhe uma nova força que ela não supunha; a cada uma dessas descobertas, viram-se resolver muitas dificuldades, muitos problemas, muitos mistérios incompreendidos ou falsamente interpretados; mas quantas coisas restam ainda a esclarecer? Não se pode admitir a descoberta de uma nova lei, de uma nova força vindo lançar luz sobre os pontos ainda obscuros? Pois bem! É uma nova força que o Espiritismo vem revelar, e essa força, é a ação do mundo invisível sobre o mundo visível. Mostrando nesta ação uma lei natural, recua ainda os limites do maravilhoso e do sobrenatural, porque explica uma multidão de coisas que pareciam inexplicáveis antes da descoberta da eletricidade.

O Espiritismo limita-se a admitir o mundo invisível como hipótese e como meio de explicação? Não, porque isso seria explicar o desconhecido pelo desconhecido; ele prova a sua existência por fatos patentes, irrecusáveis, como o microscópio provou a existência do mundo dos infinitamente pequenos. Estando, pois, demonstrado que o mundo invisível nos rodeia, que esse mundo é essencialmente inteligente, uma vez que se compõe das almas dos homens que viveram, concebe-se facilmente que ele possa desempenhar um papel ativo no mundo visível, e produzir fenômenos de uma ordem particular. São esses fenômenos que a ciência, não podendo explicar pelas leis conhecidas, chama de maravilhosos. Esses fenômenos, sendo uma lei da Natureza, deverão se produzir em todos os tempos; ora, como repousa sobre a ação de uma força fora da Humanidade, e que todas as religiões têm por princípio a homenagem prestada a esse força, eles serviram de base a todas as religiões; eis porque nos relatos antigos, do mesmo modo que todas as teogonias, formigam alusões e alegorias concernentes às relações do mundo invisível com o mundo visível, e que são ininteligíveis se não se conhecem essas relações; querer explicá-las sem isso, é querer explicar os fenômenos elétricos sem a eletricidade. Esta lei é uma chave que vai abrir a maioria dos santuários misteriosos da antiguidade; uma vez reconhecida, os historiadores, os arqueólogos, os filósofos, vão ver se desenrolar, diante deles, um horizonte inteiramente novo, e a luz se fará sobre os pontos mais obscuros.

Se esta lei ainda encontra oposição, ela tem isso de comum com tudo que é novo; isto se prende, além disso, ao Espírito materialista que domina nossa época, e em segundo lugar porque se faz, do mundo invisível, uma ideia de tal modo falsa, que a incredulidade lhe é consequência. O Espiritismo não só lhe demonstra a existência, mas apresenta-o sob um aspecto de tal modo lógico que a dúvida não tem mais razão de ser naquele que se dá ao trabalho de estudá-lo conscienciosamente.

Não pedimos, no entanto, aos sábios crerem; mas como o Espiritismo é uma filosofia que toma um lugar amplo no mundo, a esse título, fosse ele um sonho oco, ela merece exame, não fosse senão para saber o que ela diz. Não lhes pedimos senão uma coisa é de estudá-la, mas de estudá-la a fundo, para não lhe fazer dizer o que ela não diz; depois, então, que creiam ou que não creiam, com a ajuda dessa alavanca, tomada como simples hipótese, que tentem resolver os milhares de problemas históricos, arqueológicos, antropológicos, teológicos, psicológicos, morais, sociais etc., diante dos quais fracassaram, e disso verão o resultado. Não lhes pedir a fé, isso não é muito exigir.

Voltemos a Apolônio. Os Antigos conheciam incontestavelmente o magnetismo: disso se encontra a prova em certas pinturas egípcias; conheciam igualmente o sonambulismo e a segunda vista, uma vez que são fenômenos naturais psicológicos; conheciam as diferentes categorias de Espíritos, que chamavam deuses, e suas relações com os homens; os médiuns curadores, videntes, falantes, audientes, inspirados etc., deveram se produzir entre eles como em nosso tempo, como se veem numerosos exemplos entre os Árabes; com a ajuda desses dados e do conhecimento das propriedades do perispírito, envoltório corporal fluídico dos Espíritos, pode-se perfeitamente se dar conta de vários fatos atribuídos a Apolônio de Tiana, sem haver recorrido à magia, à feitiçaria nem ao malabarismo. Dizemos de vários, porque os há dos quais o próprio Espiritismo demonstra a impossibilidade; é nisso que ele serve para fazer a parte da verdade e do erro. Deixamos àqueles que terão feito um estudo sério e completo desta ciência, o cuidado de estabelecer a distinção do possível e do impossível, o que lhes será fácil.

Consideremos, agora, Apolônio sobre um outro ponto de vista. Ao lado do médium que dele fazia, naquele tempo, um ser quase sobrenatural, havia nele o filosofo, o sábio. Sua filosofia exalava doçura de seus costumes e de seu caráter, de sua simplicidade em todas as coisas. Pode-se julgá-lo por algumas de suas máximas.

Tendo feito censuras aos Lacedemônios degenerados e efeminados, e tendo estes aproveitado seus conselhos, ele escreveu aos Éforos: Apolônio aos Éforos, saúde. Os verdadeiros homens não devem cometer faltas; mas não cabe senão aos homens de coração, se cometem faltas, reconhecê-las.

Os Lacedemônios, tendo recebido uma carta de censura do imperador, estando indecisos em saberem se deveriam conjurar sua cólera ou responder com altivez, consultaram Apolônio sobre a forma de sua resposta; este veio à assembleia e não disse senão estas palavras: Se Palamédio inventou a escrita, não foi somente para que se pudesse escrever, mas a fim de que se saiba quando não é preciso escrever.

Telesino, cônsul romano, interrogando Apolônio, lhe perguntou:

Quando vos aproximais dos altares, qual é a vossa prece?

‒ Peço aos deuses que reine a justiça, que as leis sejam respeitadas, que os sábios sejam pobres, que os outros se enriqueçam, mas por caminhos honestos.

Quando pedis tantas coisas pensais estar satisfeito?

‒ Sem dúvida, porque peço tudo isto em uma só palavra: e, me aproximando dos altares, digo: Ó deuses! Dai-me o que me é devido. Se estou entre os justos, obterei mais do que não disse; se, ao contrário, os deuses me colocam no número dos maus, punir-me-ão, e não poderei fazer censuras aos deuses e, não sendo bom, sou punido.

Vespasiano, conversando com Apolônio sobre a maneira de governar quando fosse imperador, lhe disse:

Vendo o império aviltado pelos tiranos que acabo de vos nomear, quis tomar vosso conselho sobre a maneira de reabilitá-lo na estima dos homens.

‒ Um dia, disse Apolônio, um tocador de flauta, dos mais hábeis, enviou um de seus alunos entre os piores tocadores de flauta para lhes ensinar como não é preciso tocar. Sabeis, agora, Vespasiano, como não é preciso reinar: vossos predecessores vo-lo ensinaram. Reflitamos agora na maneira de reinar bem.

Estando preso em Roma, sob Domiciano, fez aos prisioneiros um discurso para chamá-los à coragem e à resignação, e lhes disse: Todos, enquanto somos, estamos na prisão durante a duração do que se chama a vida. Nossa alma, ligada a esse corpo perecível, sofre males numerosos, e é escrava de todas as necessidades de sua condição de homem.

Em sua prisão, respondendo a um emissário de Domiciano, que o convidava a acusar Nerva para obter a sua liberdade, ele disse: Meu amigo, se fui posto a ferros por ter dito a verdade a Domiciano, o que me aconteceria por ter mentido? O imperador crê que é a franqueza que merece os ferros, e eu creio que é a mentira.

Em uma carta a Eufrates: Perguntei aos ricos se eles não tinham inquietações. ‒ Como não as teríamos? Me disseram. E de onde vêm vossas inquietações? ‒ De nossas riquezas. Eufrates, eu vos lamento, porque vindes de vos enriquecer”.

Ao mesmo: Os homens mais sábios são os mais breves em seu discurso. Se os tagarelas sofressem o que fazem os outros sofrerem, não falariam tanto.

Outra a Criton: Pitágoras disse que a medicina é a mais divina das artes. Se a medicina é a arte mais divina, é preciso que o médico se ocupe da alma ao mesmo tempo que do corpo. Como um ser estaria sadio, quando a parte mais importante de si mesmo estiver doente.

Outra aos platônicos: Se oferecem dinheiro a Apolônio, que se lhe pareça estimável, não terá dificuldades em aceitá-lo, por pouco que dele tenha necessidade. Mas um salário para que ele ensine, jamais, mesmo na necessidade, ele não o aceitará.

Outra a Valério: Ninguém morre, se isso não é em aparência, do mesmo modo que ninguém nasce, se isso não é em aparência. Com efeito, a passagem da essência à substância, eis o que se chama nascer; e o que se chama morrer é, ao contrário, a passagem da substância à essência.

Aos sacrificadores do Olimpo: Os deuses não têm necessidade de sacrifícios. O que é preciso, pois, fazer para lhes ser agradável? É preciso, se não me engano, procurar adquirir a divina sabedoria, e prestar, tanto quanto o pode, serviços àqueles que os merecem: eis o que os deuses amam. Os ímpios, eles mesmos, podem fazer sacrifícios.

Aos Efésios do templo de Diana: Conservastes todos os ritos dos sacrifícios, todo o fausto da realeza. Como banqueteadores e alegres convivas, sois irrepreensíveis; mas quantas censuras não se têm a vos fazer, como vizinhos da deusa noite e dia! Não é de vosso meio que saem os gatunos, os bandidos, os mercadores de escravos, todos os homens injustos e ímpios? O templo é um covil de ladrões.

Aos que se creem sábios: Dissestes que sois dos meus discípulos? Pois bem! Acrescentai que ficais sempre em vossa casa, que jamais ides às termas, que não matais animais, que não comeis carne de açougue, que estais livres de todas as paixões, da inveja, da malignidade, do ódio, da calúnia, do ressentimento, que, enfim, sois do número dos homens livres. Não vades fazer como aqueles que, por discursos mentirosos, fazem crer que vivem de um modo, ao passo que vivem de maneira toda oposta.

Ao seu irmão Hestieu: Por toda a parte sou olhado como um homem divino; em alguns lugares mesmo tomam-me por um deus. Na minha pátria, ao contrário, sou até aqui desconhecido. É preciso com isso se espantar? Vós mesmos, meus irmãos, eu o vejo, não estais convencidos ainda de que sou superior a muitos homens pela palavra e pelos costumes. E como meus concidadãos e meus parentes se enganaram a meu respeito? Ai! Esse erro me é muito doloroso, eu sei que é belo considerar toda a Terra como sua pátria e todos os homens como seus irmãos e seus amigos, uma vez que todos descendem de Deus e são de uma mesma natureza, uma vez que todos têm igualmente as mesmas paixões, uma vez que todos são homens igualmente, quer tenham nascido Gregos ou bárbaros.

Estamos em Catânia, na Sicília, numa instrução dada aos seus discípulos, ele disse falando do Etna: A ouvi-los, sob essa montanha geme acorrentando algum gigante, Tifeu e Enceládio, que, em sua longa agonia, vomita todo esse fogo. Eu concordo que existiram gigantes; porque, em diversos lugares, os túmulos entreabertos vos fizeram ver as ossadas que indicam homens de um talhe extraordinário; mas eu não podia admitir que tivessem entrado em luta com os deuses; no máximo, talvez, ultrajaram seus templos e suas estatuas. Mas que hajam escalado o céu e dele tenham expulsado os deuses, é insensato dizê-lo, e é insensato nisso crer. Uma outra fábula, que parece menos irreverente para com os deuses, e da qual, no entanto, não devemos fazer mais caso, é que Vulcano trabalha na forja nas profundezas do Etna, e que isso o faz sem cessar retinir a bigorna. Há, em diversos pontos da Terra, outros vulcões, e não se acha de dizer que haja tantos gigantes e Vulcanos.

Certos leitores teriam achado, talvez, mais interessante que citássemos os prodígios de Apolônio para comentá-los e explicá-los; mas nos mantivemos, antes de tudo, em nele mostrar o filosofo e o sábio antes que o taumaturgo. Pode-se tomar ou rejeitar tudo o que se quiser dos fatos maravilhosos que se lhe atribuem, mas cremos difícil que um homem que disse tais palavras, que professa e pratica tais princípios, seja um malabarista, um patife ou um possuído do demônio.

Quanto aos prodígios, não citaremos deles senão um único que testemunha suficientemente uma das faculdades da qual era dotado.

Depois de um relato detalhado do assassinato de Domiciano, Filostrato acrescenta:

Enquanto esses fatos se passavam em Roma, Apolônio os via em Éfeso. Domiciano foi atacado por Clemente pelo meio-dia; no mesmo dia, no mesmo momento, Apolônio dissertava nos jardins junto aos xistos. De repente abaixou um pouco a voz, como se estivesse tomado de um pavor súbito. Continuou seu discurso, mas sua linguagem não tinha a sua força ordinária; assim como ocorre àqueles que falam pensando em outra coisa. Depois ele se calou como fazem aqueles que perderam o fio de seu discurso; lançou para a terra olhares assustadores, deu três ou quatro passos adiante, e exclamou: Fere o tirano! Fere! Dir-se-ia que via não a imagem de um fato num espelho, mas o próprio fato em toda a sua realidade. Os Efésios (porque Éfeso inteiro assistia ao discurso de Apolônio) foram tomados de espanto. Apolônio deteve-se semelhante a um homem que procura ver o fim de um acontecimento duvidoso. Enfim exclamou: Tende boa coragem, Efésios. O tirano foi morto hoje. Que digo eu, hoje? Por Minerva! Vem de ser morto neste mesmo instante, enquanto me interrompi. Os Efésios acreditaram que Apolônio havia perdido o espírito; desejaram vivamente que tivesse dito a verdade, mas temiam que algum perigo não resultasse para eles desse discurso. Eu não me admiro, disse Apolônio, se não crerem em mim: a própria Roma não o sabe por inteira. Mas eis que ela sabe, a novidade se espalha, já milhares de cidadãos a creem; isso faz saltar de alegria o dobro desses homens, e o quádruplo, e o povo inteiro. O boato disso virá até aqui, podeis adiar, até o momento em que fordes instruídos do fato, o sacrifício que devereis oferecer aos deuses nessa ocasião; quanto a mim, vou dar-lhes graças daquilo que vi. Os Efésios ficaram em sua incredulidade; mas logo mensageiros vieram lhes anunciar a boa nova e dar testemunho em favor da ciência de Apolônio; porque o assassinato do tirano, o dia em que foi consumado, a hora do meio-dia, o autor da morte que encorajara Apolônio, todos esses detalhes se encontravam perfeitamente conforme àqueles que os deuses lhe tinham mostrado no dia de seus discurso aos Efésios.

Disso não era preciso mais, nessa época, para se fazer passar por um homem divino. Em nossos dias os nossos sábios tê-lo-iam tratado de visionário; para nós, ele era dotado de sana uma segunda vista da qual o Espiritismo dá a explicação. (Ver a teoria do sonambulismo e da dupla vista em O Livro dos Espíritos, questão 455).

Sua morte apresentou um outro prodígio. Tendo entrado, uma noite, no templo de Dictínia em Linde, na Creta, malgrado os cães ferozes que lhe guardavam a entrada, e que em lugar de ladrarem à sua chegada, vieram acariciá-lo, foi aprisionado pelos guardas do templo, por esse fato, como mágico e acorrentado. Durante a noite, desapareceu da visão dos guardas, sem deixar traços e sem que se haja encontrado seu corpo. Ouviram-se, então, dizem, vozes de mocinhas que cantavam: “Deixai a Terra; ide ao Céu, ide!” Como para convidá-lo a se elevar da Terra para as regiões superiores.

Filostrato termina assim o relato de sua vida:

Mesmo depois de seu desaparecimento, Apolônio sustentou a imortalidade da alma, e ensinou que o que se disse a esse respeito é verdade. Havia então em Tiana certo número de jovens apaixonados pela filosofia; a maioria de suas discussões rolava sobre a alma. Um deles não podia admitir que ela fosse imortal.

Eis dez meses, dizia, que peço a Apolônio para me revelar a verdade sobre a imortalidade da alma; mas ele está tão bem morto que minhas preces são vãs, e que não me apareceu, mesmo para me provar que seja imortal.

Cinco dias depois ele falou do mesmo assunto com seus companheiros, depois dormiu no lugar mesmo onde ocorreu a discussão. De repente ele saltou como sendo vítima de um acesso de demência; estava meio adormecido e coberto de suor. Eu te acredito, gritava. Seus companheiros lhe perguntaram o que havia com ele:

Não vedes, respondeu-lhes, o sábio Apolônio? Ele está em nosso meio, escuta a nossa discussão, e recita sobre a alma cantos melodiosos.

Onde está? Disseram os outros, porque não o vemos, e é uma felicidade que preferiríamos a todos os bens da Terra.

Parece que ele veio só para mim; veio instruir-me do que recusava crer.

Escutai, pois, escutai os cantos divinos que ele me fez ouvir:

A alma é imortal; ela não é para vós, ela é para a Providência. Quando o corpo está esgotado, semelhante a um corcel veloz que vence a carreira, a alma se lança e se precipita no meio dos espaços etéreos, cheia de desprezo pela triste e rude escravidão que sofreu. Mas que vos importam essas coisas! Vós as conhecereis quando não fordes mais. Enquanto estais entre os vivos, por que procurar penetrar esses mistérios?

 

Tal é o oráculo tão claro que deu Apolônio sobre os destinos da alma; ele quis que, conhecendo a nossa natureza, caminhássemos de coração contente para os objetivos que as Parcas nos fixam.

A aparição de Apolônio depois de sua morte é tratada de alucinação pela maioria de seus comentaristas, cristãos ou outros que pretenderam que o jovem tivera a imaginação ferida pelo próprio desejo que tinha de vê-lo, o que fez com que acreditasse vê-lo. Entretanto, a Igreja de todos os tempos admitiu essa espécie de aparições; delas cita muitos exemplos que reconhece como autênticos. O Espiritismo vem explicar o fenômeno fundado sobre as propriedades do perispírito, envoltório ou corpo fluídico do Espírito, que, por uma espécie de condensação, toma uma aparência visível, e pode, como se sabe, tomar uma aparência tangível. Sem o conhecimento da lei constitutiva dos Espíritos, esse fenômeno é maravilhoso; conhecida a lei, o maravilhoso desaparece para dar lugar a um fenômeno natural. (Ver em O Livro dos Médiuns a teoria das manifestações visuais, capítulo VI). Admitindo que esse jovem fosse joguete de uma ilusão, restaria aos negadores explicar as palavras que ele empresta à Apolônio, palavras sublimes e todas opostas à ideias que ele viera de sustentar um instante antes.

O que faltaria a Apolônio para ser cristão? Bem pouca coisa, como se vê. Não praza a Deus que estabeleçamos um paralelo entre ele e o Cristo! O que prova a incontestável superioridade deste, é a divindade de sua missão, é a revolução produzida no mundo inteiro pela doutrina que ele, obscuro, e seus apóstolos também obscuros quanto ele, pregaram, ao passo que a de Apolônio morreu com ele. Haveria, pois, impiedade em colocá-lo como rival do Cristo! Mas, querendo-se prestar muita atenção ao que foi dito a respeito do culto pagão, ver-se-á que ele condena as formas supersticiosas e lhes dá um golpe terrível para substituir por ideias mais sadias. Se se tivesse falado assim ao tempo de Sócrates, haveria, como este último, pagado com sua vida o que se teria chamado de sua impiedade; mas à época em que ele vivia, as crenças pagãs tinham passado seu tempo, e ele era escutado. Pela sua moral, preparou os pagãos, no meio dos quais vivia, para receberem, com menos dificuldade, as ideias cristãs, às quais serviu de transição. Cremos, pois, estar na verdade dizendo que ele serviu de traço de união entre o paganismo e o cristianismo. Sob esse aspecto, talvez, teve também a sua missão. Podia ser escutado pelos Pagãos e não o teria sido pelos Judeus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário