Maria Helena Marcon - fevereiro/2021
Quando a morte arrebata os
amores, o que se ouve é o clamor dos que ficam, tristonhos, inconformados.
Alguns expressam seu desalento
afirmando que nunca mais voltarão a sorrir e a vida será difícil de prosseguir.
Há os que mergulham no mar do
desespero e uma quase insanidade parece gerir as suas condutas. Acabou a
alegria. Foi-se a vontade de viver. Afinal, o amor partiu e nada mais tem
significado.
A casa ficou silenciosa sem o
riso, a fala de quem cerrou os olhos, calou a voz e se foi.
É comum se ouvir, mesmo daqueles
que creem na Imortalidade da alma, que ninguém voltou para contar como é do
lado de lá. Esquecem-se esses ou jamais leram os relatos evangélicos a respeito
do retorno do mais Ilustre Habitante da Terra, Jesus de Nazaré.
Ele não somente falou com
Madalena no Jardim das Oliveiras, quanto andou alguns quilômetros ao lado de
dois discípulos que se dirigiam a Emaús. Apareceu no cenáculo, ceou com os
Apóstolos, encontrou-os na praia, num período assinalado de quarenta dias.
Sem mencionar-se, ainda, as
incontáveis narrativas de visões e diálogos mantidos por homens e mulheres no
mundo todo, nas culturas mais diversas, ao longo das eras.
Relatos que atestam a vida
depois da vida e os reencontros durante o período do sono, quando se afrouxam
os laços que prendem o Espírito ao corpo, e ele se lança pelo espaço e entra em
relação mais direta com os outros Espíritos[2].
Este é, em verdade, o grande
mote do filme “Dragonfly”, que demonstra que, se do lado de cá, a saudade é
imensa, do lado de lá, não menor é a ansiedade, a vontade de, por vezes,
transmitir um recado, comunicar-se.
Para o viúvo Joe Darrow, o que a
sua falecida esposa, Emily, deseja dizer? Ou não estará morta?
Por que tantos fenômenos
estranhos ocorrem?
Como explicar que o peso de
papel de trezentos gramas rode pelo chão? Quem fez isso, considerando que ele o
embrulhara e colocara em uma caixa, junto a outros itens, cujo destino estava
para decidir? Como as roupas dela, que ele retirara do armário e acondicionara,
reaparecem todas penduradas, novamente?
Um autêntico fenômeno de
intervenção do Espírito sobre a matéria. É assim que a História registra os
fenômenos conhecidos como casas assombradas, ou o relato de móveis que se
arrastam, parecendo mudar de lugar.
Recordamos dos tantos ocorridos
em Hydesville, com as meninas Fox, que iniciaram com pancadas, arranhaduras,
mas cresceram de intensidade até lhes causar temor, ao ponto de passarem a
dormir no quarto dos pais por causa dos ruídos vibrantes que faziam as camas
tremerem e balançarem[3].
O Espírito age sobre a matéria
tendo como agente intermediário o fluido universal, espécie de veículo sobre
que ele atua, como nós atuamos sobre o ar, para obter determinados efeitos. (…)[4]
Joe passa, literalmente, a se
sentir perseguido por estranhas e misteriosas libélulas, que o fazem se lembrar
cada vez mais da falecida esposa, que tinha uma marca de nascença, muito
semelhante.
A ave dela, Azulão, adoecera,
após a sua morte, não desejando se alimentar. E nunca mais falara, até a noite
em que Joe é despertado por um grande alvoroço. A ave voa, se debatendo de um
lado para o outro, gritando: Querido,
cheguei!
Era dessa forma que ela
anunciava a chegada de Emily em casa, conforme fora por ela adestrada.
Tentando entender o que
acontecera com Azulão, Joe olha para a janela e vê, ao clarão dos raios da
tormenta que se avizinha, a figura da esposa. Exatamente como se viva
estivesse.
Quando os Espíritos se mostram
aos encarnados e fazem questão de serem reconhecidos, se apresentam como eram
conhecidos.
Isso graças ao invólucro
semimaterial, chamado perispírito, que o Apóstolo Paulo chamou de corpo
espiritual, e que se presta a todas as metaformoses, de acordo com a vontade
que sobre ele atua. Por efeito dessa propriedade do seu envoltório fluídico, é
que o Espírito que quer dar-se a conhecer pode, em sendo necessário, tomar a
aparência exata que tinha quando vivo, até mesmo com os acidentes corporais que
possam constituir sinais para o reconhecerem[5].
Ao mesmo tempo em que a vê,
aparecem nas janelas, desenhadas, várias libélulas.
Ele imagina estar sendo cobrado
da promessa que fizera, quando ela partira em viagem missionária à Venezuela e
vai para a ala de Oncologia Infantil do Hospital, na qual Emily exercia a
medicina.
A surpresa não poderia ser
maior. Aqueles pacientes mirins o chamam pelo nome, lhe dizem que estiveram com
Emily, que a viram no arco-íris, que sonharam com ela e que ela deseja que ele
vá lá.
Lá, onde? – É o que ele não consegue entender. No
arco-íris, respondem.
O surpreendente é que nem todas
aquelas crianças tinham sido pacientes dela e a conheciam. Um dos meninos diz
que sonhou com ela, que lhe mostrara a foto dele, Joe. E que ele descobrira que
era a Dra. Emily porque, posteriormente, vira a sua foto no corredor do
Hospital.
E todas as crianças o chamavam
de Joe, da Emily.
Tudo de forma espontânea e
desenhos, pinturas de libélulas estão em todos os quartos. As crianças as
fazem, sem mesmo saber o porquê.
Alguns exageros, sempre graças
às licenças cinematográficas, ocorrem. Por exemplo, quando um cadáver
simplesmente se levanta, toma o braço do médico e lhe dá o recado de Emily,
para retornar, de imediato, à sua condição de imobilidade mortal.
Natural que envolvido por tantos
fenômenos, enquanto a dor da ausência da amada o compungia, Joe começasse a ter
comportamentos estranhos, parecendo loucura aos colegas de trabalho, aos
atendentes do Hospital, à vizinha que mais de perto o atendia.
Sucedem-se os conselhos de todas
as bandas: que ele tire uma licença da atividade profissional, faça uma viagem,
respire novos ares. Quem sabe possa se desfazer da casa, onde as lembranças se
fazem tão vívidas?
Interessante que, de modo geral,
imaginamos que, se sairmos do local onde nos encontramos, resolveremos o
problema que nos aflige. Não nos damos conta de que o problema está em nossa
intimidade e, portanto, para onde formos, ele estará conosco.
Nesses momentos é que se faz
evidente a grande e consoladora Doutrina Espírita que explica, de forma
detalhada e coerente, o que ocorre depois da morte, fala-nos dos que prosseguem
vivos, em outra dimensão, e de como o afeto pode ser vivenciado através dos
delicados fios da prece.
E nos acena com a possibilidade
dos sonhos, verdadeiros encontros espirituais. Graças ao sono, os Espíritos
encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos. (…) O sono é a
porta que Deus lhes abriu, para que possam ir ter com seus amigos do céu; é o
recreio depois do trabalho, enquanto esperam a grande libertação, a libertação
final, que os restituirá ao meio que lhes é próprio[6].
Será então, examinando alguns
prospectos turísticos, que Joe deparará com um mapa que apresenta exatamente o
desenho da libélula, em tudo semelhante aos das crianças, daqueles aparecidos
nas janelas.
É isso, é esse o local. – Pensa ele.
Deixa a casa e o Azulão aos
cuidados da prestativa vizinha e parte em busca do local assinalado. A
esperança brota em seu seio.
Para quem assiste as cenas, a
grande indagação é: ela estará viva?
Será essa a grande mensagem que desejava ele recebesse? Que a fosse resgatar?
Ou será que ela deseja que o seu
corpo seja resgatado?
A obstinação de Joe ultrapassa o
limite de qualquer entendimento. Ele encontra o ônibus que caíra da ribanceira,
no caudaloso rio. Nenhum corpo. E, prestes a ser tragado pelas águas
turbulentas, ele vê Emily.
Sempre presente, como a lhe
dizer que ele está próximo, que logo tudo se irá esclarecer.
Resgatado pelo guia, vê o
arco-íris, a cascata do mapa, e é para ali que se dirige, enfrentando embora a
questão de que o homem branco não é bem-vindo entre aquela tribo, isolada do
resto do mundo.
Ao tentar se fazer entender
pelos nativos, pois que não fala a língua deles, mostra a foto de Emily. A
anciã tem traduzidas as suas palavras pelo guia: O corpo dela morreu, mas salvamos a alma dela.
Sem nada entender, ele a
acompanha até uma das choças para encontrar em improvisado berço, uma linda e
loura menina, sua filha.
E lá estava a marca de nascença,
a libélula, na sua perninha.
Era isso que Emily queria: que
ele fosse até onde ela deixara a filha que nascera, pouco antes de sua
desencarnação. Queria que o pai a encontrasse. Para isso, se serviu de todas as
formas e pessoas que pôde influenciar: as crianças, através dos sonhos ou
enquanto elas tinham Experiências de Quase Morte, atuando sobre a matéria e sua
própria ave de estimação.
Importante lembrar que os
animais, embora possam ter a visão de Espíritos, não têm mediunidade, pois
afirmam os Espíritos que não mediunizam diretamente nem os animais, nem a
matéria inerte. É-nos sempre necessário o concurso “consciente”, ou
“inconsciente”, de um médium humano, porque precisamos da união de fluidos
similares, o que não achamos nem nos animais, nem na matéria bruta[7].
O filme, riquíssimo de emoções,
que traduzem um amor intenso, verdadeiro, foi dedicado a Katharine Curtiss,
mulher do assistente de direção Alan B. Curtiss, que morreu durante a produção
do longa.
[2] KARDEC, Allan. O livro dos
Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1974.
pt. 2, cap. VIII, q. 401.
[3] DOYLE, Arthur Conan. A história do Espiritualismo. De
Swedenborg ao início do século XX. Brasília: FEB, 2013. cap. 4.
[4] KARDEC, Allan. O
Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2000. pt. 2, cap. I, item 58.
[5] Op. cit. pt. 2,
cap. I, item 56.
[6] KARDEC, Allan. O
livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1974. pt. 2, cap. VIII, q. 402.
[7] ______. O Livro
dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2000. pt. 2, cap. XXII, item 236.
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