segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

AUGUSTO JOSÉ DA SILVA[1]

 


Nasceu ele em Lavras, no dia 5 de julho de 1845, concluiu o seu curso de humanidades no Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, doutorando-se em Medicina, em 1872, pela Escola de Medicina do Rio de Janeiro, sua tese de formatura versou sobre o tema: “Da esterilidade, suas causas e meios de curá-la”.

Logo que recebeu o grau de médico, regressou a sua cidade natal, onde clinicou pelo espaço de dois anos; a seguir, transferiu residência para a cidade de Bom Sucesso, também em Minas Gerais, lá contraindo matrimonio com D. Belmira Cândida da Fonseca. Seu lar foi engalanado com seis filhos, um dos quais faleceu ao nascer. Quatro filhos homens formaram-se respectivamente em Engenharia, Medicina, Farmácia e Direito. A filha única consorciou-se com distinto médico de Lavras. Todos foram preparados para o caminho da virtude e do dever, e, graças à dedicação e aos conselhos do pai, alcançaram um futuro promissor.

Enviuvando em 27 de janeiro de 1885, não se sentiu com coragem bastante para permanecer em Bom Sucesso, onde tudo fazia avivar sua grande dor pela perda da companheira. Assim, retornou para Lavras.

Foi nesse estado de alma que se entregou, com sofreguidão, ao estudo aprofundado do Espiritismo, tornando-se desde logo fervoroso adepto da Codificação Kardequiana.

E a tal ponto chegou seu entusiasmo pela Nova Revelação, que não se limitou a conservar a sua fé egoisticamente para si; muito pelo contrário: indiferente às risotas e às críticas a que estaria sujeito saiu em campo para pregar o Espiritismo Cristão por todos os meios ao seu alcance, embora se possa dizer que sua vida exemplaríssima foi, em verdade, o mais importante fator na conversão de muitos.

Suas interpretações acerca das lições evangélicas, à luz do Espiritismo, tinham naturalmente de desagradar a várias pessoas ainda afeiçoadas a velhas crenças religiosas. Como espírita, deu a público algumas traduções e inúmeros artigos de vulgarização e propaganda, nos quais – declarou o “Reformador” da época – a singeleza do estilo, castiço, todavia, já de si mesma revelava a simplicidade característica do seu espírito.

E de tal modo incutia ele as suas convicções no povo lavrense, que os católicos mais fanáticos, por não encontrarem opositores à altura, se viam obrigados a se recolherem na sua irritação.

Só por aí bem se pode avaliar o vigor da inteligência, a têmpera de espírito e a firmeza de fé do Dr. Augusto.

É preciso ressaltar que nesse terreno de convicções religiosas, tão fértil na germinação de ódios, encontrou ele adversários de suas ideias, é claro, mas em toda a sua jornada terrena jamais teve inimigos.

Os que discordavam de sua maneira de pensar, respeitavam-no, mesmo porque sua vida, em qualquer setor de atividade a que estivesse ligada, era um espelho de virtudes.

Além dos seus afazeres profissionais, como médico, exerceu também, e por alguns anos, o cargo de provedor da Santa Casa de Misericórdia, apresentando uma administração das mais profícuas.

Durante dois triênios, prestou, como vereador, relevantes serviços ao município de Lavras; e, na função de chefe do executivo municipal, destinou todo o seu subsidio para a aquisição, na América do Norte, de magnífica mobília escolar, que nos parece ter sido doada ao Instituto Evangélico de Lavras.

Como republicano histórico, jamais solicitou votos, pois tudo quanto fizera e fazia em favor do Governo e, portanto, do País, era, em sua opinião austera, um dever inerente a todo patriota.

 

Por algum tempo clinicou em Belo Horizonte, na época em que esta futura capital mineira se achava em construção.

Quem desconhece as dificuldades daqueles tempos, não pode aquilatar o quando de sacrifícios e canseiras era exigido dos médicos que, no interior do País, faziam da Medicina um verdadeiro sacerdócio.

Algum tempo depois – conta-nos, ainda, o Doutor Gustavo Pena – seguia do Dr. Augusto José da Silva para uma visita a um enfermo, em fazenda distante, quando, à distância de uma légua e meia da cidade, soube, por um amigo vereador, que a Câmara havia recebido autorização do Governo da Província para lhe entregar a soma de oitocentos mil réis, como paga de seus serviços, de quase dois meses, naquela dura e perigosa missão em Carmo da Cachoeira.

A moléstia da pessoa a quem ia ver, sabia-o ele, não podia agravar-se com algumas horas de atraso do médico.

Regressou, então, à cidade, apeou à porta da Câmara, recebeu o dinheiro e foi imediatamente levá-lo ao tio, o Capitão Silvestre Alves de Azevedo, que fidalgamente lhe havia oferecido os meios para as despesas de sua formatura. Com o espírito mais leve, com a satisfação íntima de quem se desobriga de um compromisso de honra, seguiu então viagem, aumentando assim de três léguas o caminho a percorrer, e só à noite chegou ao termo da jornada, fatigado, mas contente com a sua consciência, tão melindrosa em questões de probidade pessoal.

Como denodado obreiro do Senhor, pode-se dizer que ele desencarnou em plena atividade, e isto porque momentos antes formulara diversas receitas, escrevera, sob o conhecido pseudônimo de Senex, seu costumeiro artigo para ser publicado na “Folha de Lavras”, indo, depois, à casa de seu dedicado genro, Dr. Zoroastro Alvarenga, despedir-se deste, de sua extremosa filha e de sue netinho, que viajavam para Perdões.

Por julgarmos interessante e oportuno o artigo a que nos referimos, o último que escreveu, intitulado “As Crianças”, e para que os nossos leitores possam ter uma ideia de como era admirável a sua pena e a correção de seu fraseado, pois fora um cultor do nosso idioma, desde os tempos de estudante, seja-nos permitido incluí-lo neste bosquejo biográfico:

Às doze horas do dia 19 de dezembro de 1905, desencarnou repentinamente na cidade de Lavras (Minas Gerais), vítima de angina pectoris, o médico Dr. Augusto José da Silva, peregrino talento, coração de ouro, caráter sem jaça.

A imprevista noticia do desenlace do Dr. Augusto José da Silva ecoou por toda a cidade de Lavras como um funesto acontecimento, deixando aturdida a população, que não podia absolutamente acreditar na veracidade da noticia. Quase todo o comércio cerrou as portas. A Câmara Municipal e a “Sociedade Italiana de Mútuo Socorro”, da qual o finado era sócio benemérito, hastearam o pavilhão em funeral.

Na sua residência, deram-se as mais patéticas cenas.

Os pobres que invadiam a casa ajoelhavam diante do corpo inanimado do Dr. Augusto, banhando-o de lágrimas, recordando em frases entrecortadas de soluços os benefícios recebidos.

Sua segunda e dedicadíssima companheira, Dona Maria Benícia da Silva, com quem ele contraíra núpcias em janeiro de 1905, estava inconsolável.

No dia seguinte, 20 de dezembro de 1905, às 13 horas, enorme multidão de pessoas, vindas até de cidades circunvizinhas, acompanhou os despojos do doutor Augusto ao cemitério, onde se processou o sepultamento estando ali representadas todas as classes sociais. Nesta oportunidade, usaram da palavra o Doutor Antônio Ribeiro da Silva, em nome da classe médica, o Senhor Alonso Marinho dos Santos, em nome do povo de Perdões, e o Senhor Firmino Costa, em nome de Lavras.

 

Se os contemporâneos do Dr. Augusto o tinham na conta de um grande benfeitor, de um homem que, no consenso geral, era a encarnação da bondade, as novas gerações, que não o conheceram em, seu corpo físico, apelam, no entanto, sistematicamente, para o seu Espírito, por sabê-lo sempre disposto a acudir a todos quantos lhe batam às portas do coração.

Lá no Espaço, continua ele prestando, mormente aos habitantes de Lavras e regiões circunvizinhas, aquela mesma assistência médica permanente, além de outros benefícios de ordem moral e sentimental, salientando-se que o “Centro Espírita de Lavras”, respeitável casa de oração e caridade, é ele, até hoje, o abnegado protetor de todas as horas.

Honrando e servindo a Jesus, tanto pela palavra, como, sobretudo, pelas obras, o Dr. Augusto inscreveu para sempre o seu nome entre aqueles adeptos que, segundo Allan Kardec, apresentam os sinais característicos para se distinguirem como verdadeiros espíritas!

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